A leitura dos livros de Fiódor Dostoiévski é uma das melhores escolhas para quem gosta de romances psicológicos. O autor construiu o conjunto de sua obra embasado por diversas agitações de ideias vividas na Rússia do século XIX.
Os romances mais celebrados, como “Crime e castigo”, “Os irmãos Karamazov” , “O idiota” e “Os demônios”, trazem profundas reflexões a respeito da culpa, da consciênica, do conflito entre fé e razão, do suicídio e do assassinato. Dostoievski viveu em uma Rússia marcada pelo regime autoritário czarista, circunscrita por uma condição econômica semifeudal.
Filho de um médico que atendia os desalentados da Rússia, Dostoiévski presenciou desde cedo o sofrimento dos doentes para os quais o pai prestava assistência. Fator que pode ter contribuído para que ele entendesse o sofrimento humano.
Desde o século XIX, a Rússia já possuía vasto território nacional e era marcada por diversas etnias. O czar, que se refere a César, o imperador romano, gozava de grande prestígio. A Rússia manteve forte relação com a cultura romana medieval, influenciando principalmente a religião. Ainda hoje, a igreja ortodoxa tem forte predominância no país.
“Dostoiévski é um autor poético”, foi dessa forma que a professora de estudos de russo da Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo (USP), Elena Vássina, classificou o escritor. “Ele foi um escritor que tocou muito a questão do ser humano... questões internas e malditas do ser humano, por isso, vemos as pessoas lendo e relendo Dostoiévski."
Acusado de conspirar contra o czar em 1849, Dostoiévski foi condenado ao fuzilamento, mas minutos antes teve a pena substituída. Passou nove anos na Sibéria e prestou quatro anos de trabalho forçado, onde permaneceu junto de outros presos; depois, serviu cinco anos como soldado. O acontecimento de experimentar a morte tão de perto fez com o que o autor mudasse radicalmente seu modo de enxergar a vida e, até mesmo, a forma de escrever.
Publicado pela revista "O mensageiro russo" durante 12 edições mensais ao longo do ano de 1866, o aclamado "Crime e castigo" foi escrito quando Dostoiévski já havia atingido a maturidade na escrita.
O romance se passa em São Petersburgo e trata do ex-estudante Raskolnikov, que vivia em condições de extrema pobreza. Ele chegava a passar dias sem comer e penhorava pequenas heranças para uma velha usurária chamada Lisavieta Ivânovna. É desse enredo que o autor levanta questionamentos a respeito do sofrimento humano, da consciência e de como lidar com isso.
Na época em que Dostoiévski escreveu "Crime e castigo", São Petersburgo já era marcada por um contraste social. Por ser uma grande cidade, o autor explorou aspectos relacionados ao homem solitário.
Após cometer o assassinato da velha usurária e da irmã dela, que também estava no apartamento na hora do crime, o personagem é cercado por tormentos da consciência. O crime causou tantos transtornos que o deixaram consequentemente doente e acometido por uma profunda solidão.
Fiodor Dostoiévski não impõe ao leitor uma interpretação ou julgamento diante dos personagens e das ações cometidas por eles. É dada ao leitor a tarefa de acompanhar toda a narrativa e olhar o crime por diferentes perspectivas.
“Os romances de Dostoiévski foram muitas vezes chamados de romances de tragédia. É um mergulho muito profundo no ser humano, no inconsciente do ser humano. Ele mostra como o homem é amplo”, explicou Vássina.
Bakhtin, um dos estudiosos de Dostoiévski, considera que o autor criou um romance original. Foi denominado pelo estudioso de "romance polifônico", em que cada personagem funciona como um ser autônomo com visão de mundo, voz e posição própria.
É em "Crime e castigo" que o autor trabalha as questões existenciais do criminoso. Mesmo tendo sido um crime premeditado, Ráskolnikov avaliava a ideia de assassinar Lisavieta como absurda. Chega até a considerar doentio cometê-lo. Durante todo o livro, o leitor é levado a acompanhar o tormento vivido pelo personagem depois do duplo homicídio ser consumado.
Em decorrência desse feito, Dostoiévski explora de forma ampla até que ponto podemos lutar contra o sentimento da culpa. Os conflitos internos vividos pelos personagens são explorados ao longo do romance. Com o passar do tempo, a culpabilidade se torna um sofrimento sem fim.
A obra foi escrita há mais de 150 anos e continua sendo lida e estudada. O fato de abarcar elementos da psicologia e da filosofia e de tratar sobre questões atuais é um dos motivos. Fiódor Dostoiévski é considerado um dos maiores romancistas do mundo.
A morte do autor em 9 de fevereiro de 1881 completa, neste ano, 140 anos. É notável que o escritor continue a causar grande impacto tanto no ambiente acadêmico quanto nos leitores ao redor do mundo. A complexidade dos temas abordados são de profunda importância.