Durante os dez meses do ano, a espera é incansável. A expectativa de ir às ruas durante os quatro dias de folia para atenuar a pressão cotidiana. A vontade de viver cada momento com total avidez. Encontros, risos, beijos e abraços. O calor humano é entrelaçado por canções. O carnaval é pura dopamina.
No Brasil, a festa começa bem antes de fevereiro, com a expectativa nos corações dos foliões. A criatividade vai além, os personagens cinematográficos ganham vida através das fantasias, há total liberdade para a diversão. São dias em que se pode reinventar a própria identidade.
As ruas são os palcos para a diversão, cobertas por um mar de pessoas e iluminadas por cores e glitter. As passarelas do samba, todos os anos garantem grandes espetáculos a céu aberto. Hoje, contudo, encontram-se inóspitas.
Em um fevereiro atípico que o Brasil registra mil mortes por dia em decorrência do coronavírus, os momentos de folia ficam apenas nas boas lembranças e viraram “tbt’’, recordações nas redes sociais e nos corações. Com a lenta campanha de vacinação, e novas variantes da Covid-19, o carnaval aconteceu dentro de quatro paredes — salvo festas clandestinas.
Os impactos do cancelamento foram perceptíveis tanto para a cultura quanto para a economia. A cadeia produtiva que faz com que a festa aconteça, é enorme. Todos os anos, milhares de empregos temporários são gerados. Ainda há de se considerar os trabalhadores informais, que ficaram também completamente desassistidos.
De acordo com a CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), em 2020 o país gerou 25 mil empregos, e, também com base em pesquisas da CNC, a perda econômica este ano será de aproximadamente 8 bilhões.
O setor de turismo é o que mais lucra durante o feriado de carnaval. Até os que não são amantes da folia acabam movimentando a economia neste período, com as viagens. Aproveitam para visitar lugares pacatos para renovar as energias
Já para a cultura, a perda é irreparável. É inegável que o carnaval é uma manifestação cultural e democrática; é o patrimônio histórico da cultura nacional. Cada região tem a sua maneira peculiar de celebrar; os bonecos gigantes, em Olinda, o frevo, em Recife, os trios elétricos, em Salvador e os desfiles das escolas de samba, nas grandes metrópoles.
O carnaval é a época do ano em que os protestos ocorrem de maneira lúdica. Há quem aproveite a data para manifestar em meio à diversão. As marchinhas de Carnaval não são limitadas à temáticas que permeiam a folia, mas, por vezes, são alvos de manifestações políticas. A exemplo disto tem a marchinha criada no carnaval de 2019, cuja letra buscava uma explicação ao sumiço do assessor do senador Flávio Bolsonaro. O carnaval é, sobretudo, uma festa política.
Festa histórica e cultural, regada de paixão e alegria. Este (não) carnaval é um momento propício para fazer jus à música do Chico Buarque e deveras se guardar para quando o carnaval chegar. Já dá para sonhar com o próximo. Espera-se que seja tão memorável quanto o de 1919, ano em que o Brasil livrou-se da gripe espanhola. Diante de um cenário de incertezas, a esperança sempre será o antídoto para a pressão da espera.