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02/04/2021 às 00h00min - Atualizada em 02/04/2021 às 00h01min

Em menos de dois dias, Bolsonaro troca seis ministros e três comandantes do Exército deixam o cargo

A saída do ministro da defesa irritou os comandantes das Forças Armadas, que renunciaram

Pedro Pupulim - Editado por Júlio Sousa
Bolsonaro entregando cabeça de Ernesto Araújo a parlamentares do Centrão. Fonte: ZéDassilva/Chargesonline.com.br. Reprodução: Google.
O Presidente Jair Bolsonaro anunciou na segunda-feira (29) a troca de seis ministros de seu gabinete. Após a saída de Ernesto Araújo do Ministério das Relações Exteriores, ocorrida pela manhã, outras cinco mudanças foram efetuadas ao longo do dia.
 
O afastamento de Fernando Azevedo e Silva do Ministério da Defesa causou repulsa no alto comando das Forças Armadas. Logo no amanhecer da terça-feira (30), os comandantes Ilques Barbosa, da Marinha, Edson Leal Pujol, do Exército, e Antônio Carlos Bermudez, da Aeronáutica, anunciaram em ato único e em tom de protesto a renúncia aos seus cargos, fato inédito na história da República.
 
Confira abaixo as mudanças em cada ministério:

 
  • Casa Civil: saiu o general Walter Souza Braga Netto, entrou o general Luiz Eduardo Ramos.
  • Ministério da Defesa: saiu o general Fernando Azevedo e Silva, entrou o general Walter Souza Braga Netto (que era ministro da Casa Civil).
  • Ministério da Justiça e Segurança Pública: saiu André Luis Mendonça, entrou o Delegado Anderson Torres.
  • AGU (Advocacia Geral da União): saiu José Levi, entrou André Luis Mendonça (que era Ministro da Justiça).
  • Ministério das Relações Exteriores: saiu o chanceler Ernesto Araújo, entrou o embaixador Carlos Alberto França (que era Chefe de Cerimônias da Presidência da República).
  • Secretaria de Governo: saiu o general Luiz Eduardo Ramos, entrou a deputada federal Flávia Arruda (PL-DF).
 
OS PRETEXTOS
 
De modo geral, as mudanças promovidas pelo Presidente Jair Bolsonaro têm o objetivo de buscar maior articulação política com o Centrão, ao mesmo tempo em que foram nomeados indivíduos mais afetos ao seu discurso.
 
A coalizão política com o Centrão – bloco de parlamentares teoricamente sem alinhamento ideológico – é necessária quando o Presidente não possui apoio majoritário no Congresso Nacional, o que afeta sua governabilidade. Por não se atentar a isso nos seus dois primeiros anos de mandato, o governo Bolsonaro enfrenta muitas dificuldades em aprovar projetos de seu interesse, e agora parece tentar desesperadamente reverter o quadro.
 
Neste sentido, se destaca a nomeação de Flávia Arruda (PL-DF) para o cargo de ministra da Secretaria de Governo, cuja atribuição é a de manter pontes de diálogo com o Congresso. De acordo com o cientista político João Lucas Moreira Pires, a deputada vinha acumulando prestígio por ser a presidente da Comissão Mista de Orçamento, cargo que ocupava por indicação de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara. Ademais, o líder do partido de Flávia é Waldemar da Costa Neto, um dos principais articuladores do Centrão.
 
 
“Outro aspecto importante é o fato de Flávia ser mulher. Nas diversas pesquisas de avaliação do governo, o presidente apresenta baixa popularidade quando segmentados os dados por gênero, e tem baixíssima presença de mulheres nos seus quadros de confiança. Além disso, é próxima de Arthur Lira, sendo uma clara sinalização ao presidente da Câmara, que deu a ela sua ‘bênção’ para que ocupasse o ministério”, afirmou João Pires.




Apegado ao seu discurso ideológico, Jair Bolsonaro substituiu a chefia do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O ex-ministro André Mendonça foi destinado à AGU, enquanto o posto fica à cargo do delegado da Polícia Federal Anderson Torres, amigo de longa data de Flávio Bolsonaro.
 
A substituição de Ernesto Araújo por Carlos França no Ministério das Relações Exteriores também chama a atenção pela sua conveniência. Há meses Bolsonaro e o chanceler vinham sendo pressionados por parlamentares em decorrência do fracasso diplomático do Brasil desde que Ernesto assumiu o cargo, sobretudo no contexto da insuficiente aquisição de vacinas contra a Covid-19 até o momento. Seu afastamento, portanto, pode significar mais uma tentativa de aproximação com o Centrão por parte de Bolsonaro.

Além disso, se por um lado França apresenta discursos mais moderados em relação ao seu antecessor, por outro era chefe na Assessoria Especial do Presidente, setor que comporta muitas pessoas citadas como integrantes do “gabinete do ódio”. Segundo Pires, “vindo de um gabinete onde estão pessoas identificadas totalmente com o governo, é provável que França não tenha posições divergentes das do Presidente”.
 
 
DISTANCIAMENTO DA CÚPULA MILITAR
 
A destituição inesperada de Azevedo e Silva do Ministério da Defesa causou forte impacto nas relações entre governo e Forças Armadas. O ex-ministro vinha sendo pressionado para que os militares apresentassem posicionamentos oficiais congruentes aos do governo, o que não aconteceu.
 
Edson Pujol (Exército) já havia declarado em 2020 que as Forças Armadas não queriam fazer parte da política do governo ou do Congresso, o que incomodou Bolsonaro. A neutralidade dos militares culminou na saída do ministro e na consequente (e inédita) renúncia dos três comandantes. 


 
Mais uma vez a postura autoritária do Presidente da República chama a atenção. Em meio ao caos governamental, Azevedo e Silva deixou o cargo afirmando que preservou “as Forças Armadas como Instituições do Estado”. Segundo o cientista João Pires, as falas do ex-ministro somadas às cobranças de alinhamento feitas por Bolsonaro são preocupantes.
 
“Dá-se a entender que houve tentativa para que deixassem de ser instituições de estado para serem de governo, o que não está previsto no ordenamento da Constituição Federal de 1988. O cenário é altamente complexo, o país vive ao mesmo tempo crise sanitária, econômica, social e institucional”, destacou.
 
Com o anúncio de que Braga Netto assumirá a pasta da Defesa, Bolsonaro já escolheu os novos comandantes da Forças Armadas. São eles: Paulo Sérgio (Exército), Baptista Júnior (Aeronáutica) e Almir Garnier Santos (Marinha). 
 
Entre o mercado financeiro, congressistas e, agora, entre os militares, Jair Bolsonaro parece ter enfraquecido ainda mais sua base de apoio, justamente no ano que antecede a corrida eleitoral.


Referências:

GIELOW, Igor e col. Atrito com Bolsonaro derruba comandantes das Forças Armadas, na maior crise militar desde 1977. Folha de S. Paulo. 30/03/2021. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/03/comandantes-das-forcas-armadas-pedem-demissao-em-protesto-contra-bolsonaro.shtml>. Acesso em 31 de mar. de 2021.

COSTA, Sylvio. Bolsonaro perde apoio da cúpula militar ao insistir na demissão do comandante do Exército. Congresso em Foco. 29/03/2021. Disponível em: <https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/bolsonaro-perde-apoio-da-cupula-militar-ao-insistir-na-demissao-do-comandante-do-exercito/>. Acesso em: 02 de mar. de 2021.

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