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18/04/2021 às 14h18min - Atualizada em 18/04/2021 às 13h52min

Pobre também lê: “livros são para todos”

A Receita federal afirmou que pessoas pobres não consomem livros não-didáticos, usando um recorte da pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2019 do IBGE

Aila Beatriz da Silva Inete - Editado por Andrieli Torres
Foto: Freepik - br.freepik.com
Caros leitores e pais de leitores que fazem contas e contas para reservar um crédito, uma graninha, para passar na livraria e comprar um livro, vocês são ricos. Sim, é verdade. A Receita federal afirmou que pessoas pobres não consomem livros não-didáticos, usando um recorte da pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2019 do IBGE, que diz que famílias com renda de até dois salários mínimos não consomem livros não-didáticos e a maior parte desses livros são consumidos por pessoas com renda superior a dez salários mínimos. 

Além dessa declaração, no mínimo ignorante, o órgão teve a coragem de publicar que: “dada a escassez dos recursos públicos, a tributação dos livros permitirá que o dinheiro arrecadado possa ser objetivo de políticas focalizadas”.

É bem verdade que a Receita Federal gostaria que pobre não consumisse livros; que o objetivo dessas propostas não são, nem um pouco, para beneficiar ao pobre trabalhador e estudante, porque se esse fosse o caso, a taxação em cima das grandes fortunas aumentaria os recursos públicos e, assim, seria possível mais políticas públicas para o nosso país. Mas nós sabemos que esse não é o objetivo, mas sim dificultar as nossas vidas, e nesse caso, o nosso acesso aos livros.

A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, na sua edição mais recente, mostra que esse recorte da pesquisa usada pela Receita é tendencioso. Os dados expõem que 46% pessoas com renda familiar de menos de um salário mínimo são leitoras. Na proxima faixa salarial, que recebe de um a dois salários mínimos, 51% têm o hábito de ler. Os números também mostram que de 2015 para 2019, a porcentagem de leitores no Brasil caiu de 56% para 52% (uma tristeza), sendo a maior queda observada justamente entre a classe A, em que o percentual de leitores passou de 76% para 67%.

Então, dona Receita, deixe-me lhe dizer uma coisa: Pobre também lê. Pobre também consome livros, apesar do seu esforço para o contrário. É verdade que é difícil e caro ser leitor no Brasil, eu mesma conheci o universo dos livros um pouco tarde, hoje, adoraria ter começado a ler mais cedo, mas a verdade é que a leitura não fazia parte da minha realidade social. Mesmo assim, lembro dos meus pais se esforçando para que tivéssemos uma boa educação e conhecêssemos coisas diferentes, comprando livrinhos de histórias bíblicas, de animais e outras histórias infantis. Com o tempo, uma amiga passou a me emprestar livros e, sempre que dava, eu pedia um no catálogo de vendas da minha tia.

Não sou uma exceção. Amanda Júlia, estudante de 24 anos, baixa renda, natural do interior do Pará, começou a ler quando tinha 14 anos, ela desenvolveu uma relação com leitura que, hoje, não consegue se imaginar sem. “Eles me ajudam muito, principalmente nesse momento que estamos passando, posso dizer que os livros me salvaram”, relatou a estudante. Sobre a declaração da Receita Federal, Amanda disse que foi uma “falta de respeito” com os leitores. “Livros são para todos. Já é difícil comprar livros e se for aprovado essa taxação vai ficar cada vez mais complicado ter acesso, e não só para nós leitores, para autores brasileiros também”, declarou.

Outro relato, é da Rafaela, natural do interior de São Paulo, formada em administração mas está desempregada, leitora desde os 13 anos. Ela me contou que nessa idade, também influenciou a mãe a ler, que naquele momento estava com depressão, e os livros a ajudaram a vencer essa doença. Assim, para as duas, os livros se tornaram “algo mágico, algo importante”.

Com mãe e filha leitoras, amantes dos mesmos gêneros, Rafaella explica que a mãe é quem compra os livros, que possui uma renda mensal de um pouco mais de um salário mínimo. “Quando nós ficamos sabendo dessa taxação, já ficamos com receio. Ultimamente, compramos livros quando realmente dá, já que com a pandemia, ocorreu o aumento da metéria-prima e como as editoras querem entregar algo de qualidade, já houve um aumento nos preços dos livros”, lembra Rafaella.

Sobre a argumento de que pobres não consomem livros não-didáticos, ela diz que muitas vezes uma família de baixa renda tem outras prioridades ao invés de livros – precisam comer, se vestir, dentre outros. “Eles (governo) deveriam ter o mínimo de empatia e promover um projeto para que pessoas pobres tenham acessos a livros, não importa o gênero, para que elas tenham (mais ainda) o hábito de leitura”.

Rafaella relata que livros são importantes na sua vida. “Me tira da realidade, me proporciona conhecimento, me faz descobrir coisas novas sobre a vida e o mundo. Livros me fazem viajar para lugares diferentes, conhecer novas culturas, me fazem evoluir como pessoa. Queria que todos tivessem essa oportunidade”, declara.

No fim, ela questiona, da mesma forma que eu:  por que taxar algo que promove conhecimento e evolução nas pessoas?

Por que, dona Receita?
 
Referências

FOLHAPRESS. Não são só os ricos que leem livros no Brasil, mostram dados e relatos. O Tempo. 08, abril, 2021. Disponível em: https://www.otempo.com.br/interessa/nao-sao-so-os-ricos-que-leem-livros-no-brasil-mostram-dados-e-relatos-1.2469967
Carneiro, Raquel , Marthe Marcelo , Nassif, Tamara. A péssima ideia do governo de taxar venda de livros porque “só ricos” leem. Veja. 8, abril, 2021. Disponível em: https://veja.abril.com.br/cultura/a-pessima-ideia-do-governo-de-taxar-venda-de-livros-porque-so-ricos-leem/

Fernandes, Adriana (Estadão Conteúdo). Receita afirma que só ricos leem, e livros podem perder a isenção tributária.  CNN. 07, abril, 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/2021/04/07/receita-afirma-que-so-ricos-leem-e-livros-podem-perder-a-isencao-tributaria

Folhapress. Receita Federal diz que pobres não leem livros e defende aumentar tributação. Folha de Pernambuco. 07, abril, 2021. Disponível em  https://www.folhape.com.br/economia/receita-federal-diz-que-pobres-nao-leem-livros-e-defende-aumentar/179213/
 
 
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