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25/04/2021 às 10h10min - Atualizada em 25/04/2021 às 11h59min

Gays no Rap: clipe polêmico de Lil Nas X gera reflexões

Música Montero (Call Me By Your Name) quebra estereótipo

Aline Rossi - Editado por Alinne Morais
Cena do clipe Montero (Call Me By Your Name), de Lil Nas X.

O lançamento do clipe de Montero (Call Me By Your Name) por Lil Nas X, no dia 25 de março, trouxe uma letra sobre relações com outro homem, além de cenas do artista descendo por uma barra de pole dance até o inferno, onde seduz o diabo, mata-o e depois toma o seu lugar. Apesar das críticas recebidas, o rapper é uma referência de luta contra o ódio e os preconceitos homofóbicos desde que assumiu publicamente ser gay, em 2019.

 

Além da narrativa do vídeo remeter a passagens bíblicas, a música é uma expressão da homossexualidade do rapper, o que têm repercutido nas redes sociais e serve para o debate sobre tolerância, inclusão e respeito às diversidades. Assim, os temas abordados no clipe reforçam a condenação sofrida por gays e como o movimento Hip Hop têm se transformado em um ambiente de crescente liberdade e rompimento de padrões.

O estudante André Portella (20), fã de Rap e da cultura Hip Hop, comenta a importância da obra: "Eu estava muito ansioso para ouvir a música completa e assistir ao clipe, porque ele lançou a prévia em setembro de 2020 e eu já a havia achado muito boa. Acho que o clipe é icônico e o que Lil Nas X fez, sendo um rapper, é revolucionário. Eu nunca tinha visto algo assim".

 

Legenda: Cenas do clipe Montero (Call Me By Your Name), de Lil Nas X.

Legenda: Cenas do clipe Montero (Call Me By Your Name), de Lil Nas X.


Legenda: Cenas do clipe Montero (Call Me By Your Name), de Lil Nas X.

Legenda: Cenas do clipe Montero (Call Me By Your Name), de Lil Nas X.

 

 

MÚSICA
 

A representatividade da obra, criada após uma noite na casa de um rapaz, começa no título inspirado no filme Me Chame Pelo Seu Nome, história do relacionamento homoafetivo entre dois homens. A frase é uma brincadeira amorosa do casal, que inteira diz “me chame pelo seu nome e eu te chamo pelo meu”. Dessa forma, com o início “Montero”, nome de nascença do rapper, subentende-se que o título é na verdade o nome do rapaz por quem Lil Nas X se apaixonou. 

 

Além disso, a letra conta essa experiência e mostra os seus sentimentos com trechos explícitos sobre relações sexuais, aspecto comum em raps quando referentes a envolvimentos entre héteros. Porém, explicitar tais falas como o desejo de um homem para outro é pouco usual no Hip Hop, o que mostra o esforço de Lil Nas X em combater tabus e defender a normalização do sexo entre gays, assunto que já foi discriminado por outros rappers na história da música.

 

Em entrevista ao canal do YouTube Genius, ao explicar os motivos por trás da letra da música, Lil Nas X comenta: “Vamos normalizar ter frases sexuais explícitas em músicas da mesma forma que alguém fala sobre transar com uma mulher ou um homem, em sexos opostos. Sinto que isso é muito importante para a representatividade em geral, e vai abrir mais portas para um dia, quando alguém falar isso, as pessoas pensarem ‘ah, ele falou aquilo e eu nem percebi’, sabe?”.

 

Legenda: Entrevista de Lil Nas X ao canal do YouTube Genius.

 

VIDEOCLIPE 
 

Como forma de combate à homofobia e principalmente à condenação e ao ódio atribuídos a pessoas homossexuais, Lil Nas X apresenta o seu videoclipe como um afrontamento ao que ouviu durante a sua vida toda. De acordo com ele, os preconceitos anti gays e as falas de que ele iria para o inferno por amar outros homens o fizeram esconder as suas emoções e odiar a si mesmo por muito tempo, realidade vivida pela comunidade LGBTQIA +. Isso é percebido na introdução do clipe, quando a sua voz em inglês diz:

 

“Na vida, nós escondemos partes de nós mesmos que não queremos que o mundo veja. Nós as escondemos e nós as banimos. Mas aqui, não. Bem-vindos a Montero.”

 

Dessa maneira, o clipe mostra Lil Nas X no paraíso, com referência bíblica ao Jardim do Éden, quando tenta fugir de uma cobra que o seduz e dá-lhe um beijo. Depois disso, o rapper aparece algemado em um julgamento numa arena grega, onde a plateia atira-lhe pedras. Morto com uma pedrada na cabeça, ele flutua em direção a um anjo no céu, mas agarra uma barra de pole dance e desce até o inferno vestido de cueca e salto alto. Por fim, ele seduz o diabo com um lapdance e mata-o para virar o próprio satanás.

 

Toda a narrativa das cenas retrata de modo literal o que homofóbicos e religiosos disseram que aconteceria com Lil Nas X, o qual mostra aceitar esse destino em prol de poder expressar a sua sexualidade de forma livre. Ademais, ele enfrenta os estereótipos de rappers “másculos” com aparência e comportamentos padronizados, ao vestir os diferentes figurinos e fazer danças consideradas femininas, como o pole dance e o lap dance.

 


legenda: Videoclipe de Montero (Call Me By Your Name), do rapper Lil Nas X.

 

 

REPERCUSSÃO

Duas semanas após o lançamento do clipe,
Montero (Call Me By Your Name) ficou em 1º lugar na Billboard, revista norte-americana que divulga rankings semanais de popularidade de músicas ouvidas no mundo. Inclusive, a canção também atingiu o top 3 das mais ouvidas no Brasil pela Apple Music, o que gerou muitas mensagens de carinho de Lil Nas X aos fãs brasileiros. Porém, além do apoio pelo lançamento, surgiram muitas reações negativas.

 

Tweet do rapper Lil Nas X em comemoração e agradecimento ao sucesso da música no Brasil.

Tweet do rapper Lil Nas X em comemoração e agradecimento ao sucesso da música no Brasil.

 

Um fato que intensificou as polêmicas foi o de Lil Nas X ter feito uma parceria com o coletivo MSCHF para transformar 666 tênis da Nike em “Tênis do Satanás”, com vendas esgotadas em menos de um minuto. Tudo isso proporcionou diversos tweets de conservadores e religiosos, que usaram argumentos como chamar o rapper de satanista ou criticar o conteúdo do vídeo como prejudicial para as crianças que assistissem-no. 

A marca Nike processou a venda de seus tênis sem autorização.

A marca Nike processou a venda de seus tênis sem autorização.


 

Com disposição e humor, o artista respondeu a várias críticas na rede social, como à da Republicana Kristi Noem, representante da Dakota do Sul (EUA). A governante publicou: "Estão dizendo às nossas crianças que esse tipo de produto é, não apenas "ok", como também "exclusivo". Mas vocês sabem o que é mais exclusivo? A alma eterna delas dada por Deus. Estamos em uma luta pela alma da nossa nação. Temos que lutar duro. E de forma esperta. Temos que vencer." Em resposta, Lil Nas X diz: "Você é uma governante e está aqui tweetando sobre uns sapatos idiotas. Faça o seu trabalho!":

Print do tweet no perfil de Kristi Noem

Print do tweet no perfil de Kristi Noem

 


Print do tweet no perfil de Lil

Print do tweet no perfil de Lil

 
 

Depois desses acontecimentos, em uma live com o YouTuber Anthony Fantano, Lil Nas X explicou sobre sua religiosidade, afirmando que no passado já considerou-se “anti religião”, mas hoje apenas defende que cada um acredite no que quiser, desde que não tente controlar a vida dos outros nem ditar o que cada um deve ser. 



legenda: Live com Lil Nas X no canal do YouTuber Anthony Fantano.

 

 

DIVERSIDADE

Diante desse contexto, percebe-se um exemplo das mudanças ocorridas na música, mas principalmente na cultura do
Rap e do Hip Hop. Com origem em cenários nos quais seus precursores têm a tendência e até a necessidade de agir de modo raivoso e agressivo para serem respeitados e sobreviverem, inseridos no sistema machista e patriarcal, desenvolveu-se a figura do rapper “macho” e de certa forma homofóbico. 

 

Como evidência, pode-se perceber a incidência de usos de ofensas preconceituosas com o feminino e com o homossexual em batalhas de rap ou nas próprias letras de músicas de alguns artistas. Porém, como todos os movimentos de minorias sociais, são notórias as transformações com foco no respeito coletivo às diversidades. Assim, a cultura Hip Hop, que exerce importância para a ascensão da raça preta e da classe baixa e periférica, passa a abraçar e incluir outros grupos, com incentivo à liberdade de expressão.

 

No Brasil, nota-se por exemplo a participação da cantora Majur, mulher trans, e da drag queen Pablo Vittar na música AmarElo, do rapper Emicida. Em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura, ele afirma que a ideia de masculinidade que é empurrada para os rappers os afasta do humano que tem amor e sensibilidade, que compartilha emoções. E completa: “Ainda estamos muito distantes do que precisamos produzir para ser um Hip Hop que se orgulhe de ser um movimento inclusivo”, “é movimento político, de coletividade e luta por inclusão.” 
 

Legenda: Entrevista de Emicida ao programa Roda Viva, da TV Cultura

 

Confira outros exemplos do Queer Rap brasileiro:
 

legenda: Canal do YouTube do rapper homossexual Rico Dalasam
 




legenda: videoclipe de Quebrada Queer, do canal Rap Box

 

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