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27/05/2021 às 18h40min - Atualizada em 27/05/2021 às 18h26min

Obras literárias com características apocalípticas em cenário brasileiro

Narrativas fictícias muito próximas da realidade atual nos levam a questionar sobre ser pessimista ou otimista

Ianna Oliveira Ardisson - Editado por Andrieli Torres
Fonte/Reprodução: Google
Será que estamos vivendo o apocalipse? São dias tão difíceis que muitos já devem ter feito essa pergunta em algum momento de tamanha crise. O “Apocalipse” é um livro bíblico de revelação, profecias, a respeito do fim dos tempos em que é possível encontrar o relato de dias maus com a vinda de catástrofes, pestes e destruição. Quando algo assustador acontece logo ligamos isso a definição de apocalíptico, de sinal do fim do mundo. Muitas mortes, medo presente nas mais diversas situações cotidianas, aumento do número de pessoas passando fome, desemprego crescente, essas são algumas características do tempo real que estamos vivendo, e não, de uma história fictícia de terror. Em meio a tudo isso ser pessimista é algo bom ou ruim?
 
No livro “O último gozo do mundo”, Bernardo Carvalho conta a história de uma professora de sociologia que é surpreendida pelo marido com o comunicado de que não podiam viver mais juntos. O que a surpreende é receber essa notícia de separação exatamente no momento de isolamento social imposto pela pandemia em que se torna necessário afastar-se do convívio comum. Na obra  há a  apreciação de que “a leitura do mundo tornou-se descontínua e episódica”, e dessa forma, as pessoas passam a viver sem muita referência de tempo nesse momento pandêmico. A obra relata o momento eufórico de um “desconfinamento” em que as pessoas tomadas por um forte sentimento se entregam com tudo nas mais diversas situações de convívio social “liberadas”. Refletir sobre as características do tempo tem também ligação com a visão bíblica do fim dos tempos, no evangelho de Mateus, Novo Testamento, considera-se que “os dias seriam abreviados”, o tempo passaria, então, de uma forma diferente do habitual. De certa forma é o que alguns têm sentido com tantas restrições trazidas com a chegada do vírus. 
 
Outra história fictícia que também apresenta uma narrativa com aparência apocalíptica é “No tempo da morte, a morte do tempo” do brasileiro Julián Fuks. O conto de Fuks faz parte do projeto Decameron, do "The New York Times". O narrador conta em meio aos dias confusos de pandemia o momento em que sai em uma caminhada sem rumo e acaba, sem planejar, na casa dos pais. E é ali naquele contato familiar e com lembranças da infância que ele resgata o sentido do tempo em meio a tanta aflição. Neste trecho percebe-se a relação confusa que o personagem passa a estabelecer com os ciclos do tempo: “O que se produzia era um inchaço do presente, como se seu vulto engordasse tanto que ocultasse o passado e bloqueasse a vista do futuro inteiro. Mesmo dos dias próximos, dias ensolarados de liberdade e inocência, já me restavam apenas lembranças remotas, carregadas de nostalgia, à beira do esquecimento.”
 
“É melhor ser otimista ou pessimista na quarentena?”, esse é o nome de um dos vídeos do psiquiatra Daniel de Barros no canal dele no Youtube, onde faz uma análise desse tema. Ele considera preocupante a figura de um otimista ingênuo, bobo, que não enxerga com clareza a realidade que vivemos e o contrapõe ao otimista realista que pondera sobre o futuro tendo o momento atual como norteador. O psiquiatra apresenta o “Paradoxo de Stockdale” o qual propõem ser otimista com uma dose de realismo. James Stockdale, foi um prisioneiro na guerra do Vietnã que ficou mais de sete anos preso. Quando regressou aos Estados Unidos e foi interrogado sobre quem mais morria nas prisões, respondeu que eram os otimistas, afinal, criavam expectativas que logo eram frustradas e, por fim, perdiam a vontade de viver.
 
No momento de pandemia é também preocupante, segundo o médico, ficar fazendo as contas de quando as coisas voltarão ao normal e ir se frustrando com expectativas não atendidas. Nesse contexto, então, ser otimista demais é alarmante. Daniel alerta sobre a importância de se ter uma dose de otimismo, mas se adaptar ao que é possível fazer agora.  Além disso aconselha a não se prender ao momento difícil e deixar para começar algo só depois que tudo isso passar.
 
Daniel de Barros adverte sobre o perigo dos extremos: tanto ser otimista ou pessimista demais é preocupante. Os dois extremos revelam certa ‘preguiça’, as pessoas acabam por ter a mesma atitude de nada fazer ou porque no final tudo vai dar certo ou tudo vai dar errado mesmo. Ele enfatiza que é preciso ser realista e trabalhar para que as coisas deem certo, ter atitude, então, é fundamental.
 
O psiquiatra Daniel, descreve uma propaganda que viu certa vez que tratava do pessimista, otimista e realista: “O pessimista fica reclamando dos ventos. O otimista fica sentado no barco só esperando o vento mudar. É o realista que levanta e vai ajustar as velas”, conta. Ele comenta, então, que dá trabalho se levantar e analisar o vento, levantar e puxar a corda, ajustar etc. Considera que é trabalhoso ser realista e que o realista age, claro, com otimismo de que irá funcionar. Pondera que não adianta ficar parado só esperando o vento mudar sozinho, é preciso trabalhar, e segundo ele, é essa dose de realismo que a gente precisa no nosso tempo atual de pandemia. Daniel declara:
“Sim, vai passar. Vai passar e a gente vai sair dessa, mas a gente não sabe como. Então, o que eu posso fazer hoje pra quando eu sair daqui? (...) Eu posso fazer alguma coisa como Stockdale fazia dentro da cadeia e sobreviveu por quase oito anos e nos ensinou o paradoxo do otimista realista, eu acho que o otimismo realista é uma lição pra todos nós. Faz pensar, né? A gente sempre acha que o otimista que é legal, bom é ser otimista, mas a gente não para pra pensar que otimismo demais acaba deixando a gente também preguiçoso.”
Ser “otimista realista”, uma opção que se aproxima muito do pessimismo, parece ser a mais coerente nesse cenário verídico de pandemia que parece o de uma obra de ficção do gênero terror. Ao olhar e analisar as circunstâncias é o mais lógico a ser feito, não adianta ter uma postura “otimista ingênua” na realidade caótica em que estamos. É possível sim agir de forma otimista dentro das possibilidades que temos, entretanto atentar-se para não criar expectativas demais para a chegada rápida do fim de tudo isso.

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