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09/06/2019 às 14h45min - Atualizada em 09/06/2019 às 14h45min

Roteirista não complica

Sobre a série documental Bandidos na TV, Netflix

Socorro Moura - Edição: Lavínia Carvalho
Foto: Adoro Cinema

O exercício ético é diário. É entrelaçado intimamente como cada gesto, cada ação, cada decisão. É você com o outro, com o trabalho, com o seu amor. Arrisco dizer: mais do que seguir o que é moralmente aceito, é a pitada de humanidade que se dá as mais variadas situações nada convenientes da vida. É tão natural e internalizada que quando há a falta, escandaliza. Assim, ao assistir “Bandidos na TV”, série documental Netflix, me senti o tempo toda contrariada, porque solicitei o resgate da minha ética o tempo todo, ou seja, me vi em uma balança moral a qual não consegui ser conclusiva, afinal, o que é certo para mim, pode não ser para o outro.

Wallace Souza foi um líder como apresentador, como empresário, como político. Tinha aquela retórica manjada, suave, de quem consegue vender os mais esdrúxulos produtos. Tinha carisma no olhar. E tinha também acusações das mais graves. Sobre ele pesavam imputações dignas de roteiro mexicano de tão inverossímil, de tão inacreditável: matava, ou melhor, encomendava mortes para fazer a “roda girar” e obter audiência. Em um documentário dividido em sete episódios, numa produção de 17 meses, com direção do britânico Daniel Borgado (antes trabalhou com o documentário "Trump: The American Dream" e em canais como BBC, Channel 4 e PBS), Bandidos na TV retrata a carreira de Wallace e possíveis tramas associada a sua ascenção. Sim, possíveis porque quando eu era convencida de sua participação nos crimes, era dissociada logo em seguida por conta de uma rede que o admirava e defendia. Como ficar imune?

O roteiro segue entre defesas e acusações. Os mesmos que acusavam eram postos em dúvida, afinal, estavam a serviço de um governo que se sentiu ameaçado por Wallace em uma ação investigativa. Essa investigação era legítima ou alguma forma de trampolim político? Me jogaram este enredo e tentei me posicionar. Não consegui. Em tempos de Najila e Neymar a ordem é ponderar. Mas, em meio a essa confusão toda, teve um personagem secundário, mas em sua teia, emblemático: Moa. Delator, misterioso, esposo amoroso, amedrontado que teve um final digno de quem dançou conforme a música de ninguém e em meio a ciranda do desespero praticamente definiu destinos.

A minha ética me permite defender os Moas e Wallaces da vida? Merecem o propalado benefício da dúvida? A todo momento, os profissionais envolvidos - jornalistas, policiais, produtores, advogados, secretário do executivo - de uma forma subtendida, são questionados quando a idoneidade do que fazem e as consequências. Já nos capítulo finais, a jornalista investigativa - uma das narradoras presentes - dirige uma reflexão a quem assisti, mas sobretudo, a si mesma sobre o filho de Wallace tê-la interpelado e questionado quanto a sua satisfação com o resultado de tudo. Eis que ela declara:“...realmente aquilo me impactou, porque a gente se questiona quanto profissional até que ponto o jornalista, ele tem essa interferência na vida das pessoas, né”.

Isso, todos os envolvidos naquela história, deveriam ser convidados para esse momento honestidade e confronto consigo mesmo. Ela foi corajosa e no meio do documentário com ares de inquérito, colocou a própria postura, a ética profissional dela, na balança inquisitiva. É o que dá para depreender. Enfim, são disputas, vieses, famílias, reputações, vidas, políticas, ou como melhor resume Tom Zé:

“Oh senhor cidadão,
eu quero saber,
eu quero saber
Com quantos quilos de medo,
Com quantos quilos de medo
Se faz uma tradição?"

Com quantas mortes no peito,
Com quantas mortes no peito
Se faz a seriedade?”

Em muitos momentos fiquei confusa, tentando fazer todas as associações possíveis, e me vi com a possibilidade de cogitar se o bandido bom, não seria mesmo o morto. A relativização bateu a porta por conta de tantos cadáveres, tantas injustiças, e no final de forma mais clara, com inocentes vítimas. Logo, transita-se nessa ponte porque o homem não é a dualidade bem ou mal, ele é a ética que carrega. E dependendo de onde se localiza, ordinário e extraordinário, marginal e bem feitor. Tudo misturado. E como diz um trecho da trilha final que me inspirou e foi para a playlist: “roteirista, não complica, capricha o céu pra nós, escreve um bom final pra nós”. Ah se fosse assim!Talvez para alguns a série tenha se arrastado um pouco, afinal se o estilo dos programas policiais a época rendia público, falar deles – e o melhor, dos bastidores - não seria diferente agora. Ainda assim recomendo.

* Os trechos das músicas citadas fazem parte da trilha da série. Fazem a diferença. Se liga.

 

 

 

 

 

 

 


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