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07/10/2021 às 22h05min - Atualizada em 07/10/2021 às 21h17min

Fernando Sabino: o menino do espelho e de nossos corações

O mineirinho de Belo Horizonte deixou um grande legado através da escrita

Letícia Franck - Editado por Andrieli Torres
“O homem disse que tinha de ir embora – antes queria me ensinar uma coisa muito importante: - Você quer conhecer o segredo de ser um menino feliz para o resto da sua vida? - Quero – respondi. O segredo se resumia em três palavras, que ele pronunciou com intensidade, mãos nos meus ombros e olhos nos meus olhos: - Pense nos outros. Na hora achei esse segredo meio sem graça. Só bem mais tarde vim a entender o conselho que tantas vezes na vida deixei de cumprir. Mas que sempre deu certo quando me lembrei de segui-lo, fazendo-me feliz como um menino”.

Fernando Tavares Sabino. Para alguns, somente a mescla do primeiro ao último sobrenome. Para muitos, um meninão. O mineirinho de Belo Horizonte, filho de Domingos Sabino e Odete Tavares Sabino deu o ar de sua graça em 12 de outubro de 1923, quando é comemorado o Dia da Criança. Coincidência ou não, Fernandinho chegava, disposto a mostrar ao mundo como se faz uma boa história – igual a que deixou para nós: cheia de imaginação, aventura, alegria. Escrever era um hábito diário, deixar feliz quem lesse suas palavras, era uma satisfação.

Quando aos dezoito anos publicou sua primeira obra, o livro de contos “Os grilos não cantam mais”, ele já tinha na bagagem mais quatro de espera. Aos quatorze anos, Sabino já tinha certeza do dom que lhe foi dado. Ele seria escritor. Isso só veio a se confirmar.
Escrevendo livros em parceria com grandes nomes como Murilo Rubião e Mário de Andrade, a carreira prodigiosa só estava começando. Um dedo de prosa com Vinícius de Moraes, troca de cartas com Clarice Lispector e lá vai seu nome, estendendo-se igual fumaça de avião: ninguém parava.

“O encontro marcado”, uma de suas obras mais conhecidas, foi lançada em 1956. Devido ao sucesso imediato, Sabino decidiu, um ano depois, viver exclusivamente como escritor e jornalista; e aí, meus amigos, ninguém mais controlava o aventureiro do espelho: o menino colocou asas nos pés e voou cada vez mais longe. Novas obras, diversos prêmios, ótimos contatos. A literatura crescia com um novo nome e Sabino sabia, que me perdoem o trocadilho.

Com mérito, já em 1960, Fernando acabou fundando em parceria com Rubem Braga, a “Editora do Autor”, onde publicava nomes importantes da literatura brasileira e latino-americana, mas seis anos depois, a deixa e voa para fundar a “Editora Sabiá”. O apego aos pássaros não para por aí, em 1973 lança ao mundo a Bem-te-vi Filmes, com David Neves, por meio da qual produzia uma série de curtas com escritores brasileiros.

Quando em 1982, após receber o Prêmio Jabuti (1979) pelo livro “O grande mentecapto”, Fernando escreve, talvez, a sua obra mais característica – uma quase autobiografia, podemos dizer assim: “O menino no espelho”, adaptada para o cinema em um filme homônimo, uma produção voltada quase que exclusivamente para o público da mesma faixa etária dos seus personagens principais: um deles, é claro, o travesso menino Fernando.

Narrado através de histórias simples, carismáticas, engraçadas e fantasiosas, o filme resgata boa parte da infância do mineiro, que a muito pão-de-queijo depois, chegou ao sucesso: teve sua “Obra Reunida” publicada em três volumes pela editora Nova Aguilar, recebeu da Academia Brasileira de Letras o prêmio Machado de Assis pelo conjunto todo de seu trabalho.

Nos anos 2000, ainda publicou “Livro aberto”, “Cartas perto do coração”, “Cartas sobre a mesa” e, em 2004, “Os movimentos simulados”. O que ninguém simularia -nem nas mais fantasiosas brincadeiras de espelho- era que exatos 80 anos e 364 dias depois, em 11 de outubro de 2004, Fernando Sabino deixou cair da mão o brinquedo e foi descobrir desenhos em nuvens no céu. Quanto a nós, meros mortais, resta a saudade. Resta-nos olhar no espelho e esperar uma aventura fantasiosa que faça nossa vida mais alegre, como Sabino fazia.

“Por que diabo eu queria encontrar alguém igual a mim? É o que ficava pensando, a olhar a minha própria figura refletida no espelho. Eu não achava graça nenhuma em mim, confesso que desde então eu já não era o meu tipo. Mas era comigo mesmo que eu tinha de viver e, neste caso, um menino feito aquele ali diante de mim é que eu gostaria de encontrar, sem tirar nem pôr”.

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