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15/10/2021 às 11h13min - Atualizada em 15/10/2021 às 07h10min

As problemáticas do sertão brasileiro em “Penúria em um Sertão (Diálogo), de Cícero Oliveira

O livro foi lançado em 2017 e aborda questões importantes do cenário sertanejo

Daiane Ferreira - Editado por Talyta Brito
Arquivo Pessoal: Daiane Ferreira
A obra de Cícero Oliveira, lançada em 2017, é um romance com base nas adversidades recorrentes do sertão brasileiro. O livro aborda problemáticas sociais que emergem do sertão brasileiro, através da trajetória extremamente penosa de uma família de retirantes. Os personagens principais do enredo são: Zefa, a mãe e esposa; Zé, o pai e esposo; Joãozinh, o filho; e o burro, Calunga.
Desprovido de interlocutor, o livro é estruturado integralmente na forma de diálogo, seguindo fielmente o dialeto característico dos personagens ali presentes. Personagens esses que, obviamente, não possuem grau de instrução. O dialeto do sertanejo é representado na obra trazendo á tona uma realidade de muitos deste nicho, a problemática do analfabetismo. 

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Educação, divulgada no dia 15 de Julho de 2020, a taxa de analfabetismo no Brasil passou de 6,8%, em 2018, para 6,6%, em 2019. Apesar da queda, que representa cerca de 200 mil pessoas, o Brasil tem ainda 11 milhões de analfabetos. As regiões Sul e Sudeste têm as menores taxa de analfabetismo, 3,3% entre os que têm 15 anos ou mais. Na Região Centro-Oeste a taxa é 4,9% e na Região Norte, 7,6%. O Nordeste tem o maior percentual de analfabetos, 13,9%.

A pesquisa da Pnad reforça a problemática abordada na obra de Cícero Oliveira, confirmando com os dados apresentados como o analfabetismo ainda está longe de ser um problema resolvido no Brasil, principalmente nas regiões do nordeste. 
Além do analfabetismo, também é exposto na obra outras problemáticas como o dilema da seca e a pobreza, um dos maiores desafios da gestão de políticas públicas. No livro, a seca é representada a partir do cenário descrito, das características do nicho ao qual os personagens estão inseridos, cenário este contraposto ao cenário ao qual os personagens desejam alcançar, se retirando do nicho onde estão suas raízes. A pobreza é uma adversidade que é constante e rigorosamente "companheira" da família de retirantes. 
Em entrevista, o autor, Cícero Oliveira relata o processo de idealização e produção do livro, dentre outras curiosidades sobre a criação de "Penúria em um Sertão (Diálogo)":
Daiane Ferreira:  Penúria é algo que todos sabemos e até já atravessamos; mas, por que  “em um Sertão” e não no Sertão como se era de esperar? 
 
Cícero Oliveira: O objetivo era caracterizar o sertão como um todo. Contudo, o sertão é logo ali. Mas um sertão, esse é difícil de se chegar. O sertão como um todo poderia ser delimitado no estado do Ceára, no estado do Alagoas, na Bahia.. mas, um sertão ele pode estar em cada uma dessas regiões que eu mencionei.
 
DF : Qual o sertão que o autor Cícero Oliveira quer retratar?
 
CO: Eu tive essa ideia de falar sobre sertão, apesar de não ter conhecimento amplo sobre isso, porque precisa ter conhecimento não é... para mostrar sobre essa questão dos retirantes...
 
DF: A respeito da idealização da história, o senhor não teve como base nenhum evento em específico? Como foi esse processo? 
 
CO: Em 2011 eu fui convocado para fazer um trabalho de sinalização náutica no Piauí, numa cidade chamada Guadalupe, numa represa de nome "Boa Esperança". Eu fui de Slavador até Teresina de avião, chegando lá encontrei meu patrão e de lá nós tomamos um carro e fomos para Guadalupe, que é onde fica localizada a represa. Eu não sei exatamente à distância, mas eu fui observando a paisagem enquanto meu patrão dirigia e fui vendo muita coisa seca, muita tapera, muito casebre.. naquela sequidão, esturricada. Tinham também lavouras bem secas, que não progrediram. Eu via algo desolador, entende? Eu via isso tanto na ida quanto na volta, e ficou marcado isso na minha cabeça, daí veio a ideia de escrever a história. 
 
DF: Quanto tempo levou da iniciação da obra até a sua publicação?
 
CO: Eu inicei a obra em 2011, logo após chegar desta viagem. Depois de ter escrevido um bocado, inclusive, o título não era "Penúria em um Sertão" era "Diálogo no Sertão". E de uma hora pra outra eu deixei a ideia pra lá, passaram-se anos e uma vez, mexendo nos meus alfarrábios aí encontrei o caderno, eu gostava de escrever à mão.. eu então retomei a história em 2016, mais disposto a terminar.
 
DF: A mudança no título surgiu por alguma opnião externa ou o senhor achou eu seria melhor mudar?
 
CO: Tudo que a gente escreve, depois a gente vai revisar, eu pelo menos sou assim. Depois a gente vai descobrindo que precisa ajeitar aqui e ali. Então eu  cheguei a conclusão de que não havia gostado do título, e me veio a ideia de mudar.

DF: Qual foi a parte mais difícil da construção da obra no geral? 
 
CO: A parte mais difícil era a questão dos personagens. Sempre que um personagem ia entrar em cena, essa era a parte mais difícil, porque eu tinha que ter todo um zelo, todo um cuidado para não cometer nenhum deslize que vinhesse a dificultar a compreensão do leitor.
 
DF: É pontuado no tópico “Agradecimentos” a colaboração de algumas pessoas e amigos, como a produção da capa da obra, feita pela sua filha, Naiane Marina. Você concorda que a participação dessas pessoas foi de extrema importância para o êxito da obra? 
 
CO: Eu diria que foi muito importante, não de extrema importâcia. Pois essa palavra é algo muito tocante não é? Muito decisivo. O incentivo da minha filha e amigos foi muito importante, mas eu já estava decidido a concluir... 
 
DF: "Verifica-se também, no Romance, a presença de alguns dialetos, provavelmente utilizados pela gente do sertão, alguns deles pronunciados de forma diferente pela diversidade de personagens aí contida. Isso não se constitui numa dissonância linguística ou dialética?
 
CO: Eu tive oprtunidade de conviver com pessoas da mesma região e até da mesma família, falando os dialetos de forma diferente. Isso depende muito do tronco, da família onde a pessoa foi estruturada. Então o mesmo casal nascidos e criados em famílias diferentes vão sim ter dialetos diferentes pois cada um aprendeu a falar em seus respectivos troncos, ou seja, famílias. Assim como os personagens Zé e Zefa, que cada um fala da sua forma... eu acho que o poeta, sobretudo o poeta, ele tem que ser livre, ele tem que escrever segundo a alma, do jeito que vem da alma, ele tem que escrever... 
 
DF: Você acha que foi difícil caracterizar, de forma tão fiel, a realidade de muitos que vivem no sertão brasileiro? 
 
CO: A trajetória do retirante é algo a parte, eu diria que seria o último estágio do sertanejo no sertão porque nesse estágio ele não suporta mais viver naquela situação, apesar da bravura, chega um ponto que ele não suporta mais... hoje pode estar um pouco diferente, mas naquela época o estado era totalmente ausente.
 
DF: Observa-se na obra que o senhor dá um certo enfoque para essas problemáticas que existem no sertão do Brasil, como a pobreza, a seca e o analfabetismo. O senhor acha que é importante para os escritores que pensam ou que estão começando a escrever sobre essas problemáticas, o senhor pensa que é importante abordar esses temas?
 
CO: O fato de se deixar de abordar esses temas eu diria que é quase um pecado. Porque na medida em que aborda problemas abrangentes que fazem parte desta constituição na vida do sertanejo, se sensibiliza, ou busca sensibilizar, outras pessoas, o leitor de modo geral, e até o próprio governo para se correr os olhos por essas linhas, para quem sabe tentar minimizar a penúria dessa gente que vive ali tão desprezada. Gente essa que é tão brasileira quanto o presidente da república, senadores e deputados que estão aí muito mais pensando em si do que nos brasileiros.
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DF: No livro, você também dá um “spoiler” sobre a elaboração de uma coletânea para reunir todo o seu acervo literário. Já tem alguma previsão de lançamento?

CO: Essa coletânia foi iniciada tem anos, mas tudo o que eu tinha na época, já foi inserida dentro de todo o contexto, dos livros que eu tenho, fora as poesias, poemas, pensamentos, eu possui uma estrutura muito grande de pensamentos e dentre outras coisas como frases, críticas e etc. Mas eu ainda não tomei a decisão de terminar, pois ainda tem muita coisa pra entrar, porque depois que eu abandonei, entre aspas, este projeto, que eu vou retomar, eu já escrevi bastante coisa que deve entrar... porém eu não tenho ainda uma previsão de terminar. Uma coisa que me desanima muito é o fato de você escrever e não ter reconhecimento. No meu caso, por não ser um escritor de nome. Como na vez em que eu fui apresentar minha obra numa livraria, aquela que faliu, uma muito renomada.. 
DF: A Saraiva?
CO: Saraiva, isso. A pessoa que me recebeu disse "Cadê a editora, não tem? Isso é produção independente, a gente não trabalha com produção independente.", então eu respondi 'Então, o que importa pra vocês não é o conteúdo, mas sim a editora, é isso que importa.". Então esse tipo de situação é algo que já desanima muito. É um procedimento errado. Infelizmente é assim que as coisas funcionam no nosso país. 
 
DF: O senhor quer deixar algum recado para os escritores que estão começando agora, ou os que pensam em escrever? Quer dizer algo para aqueles que pensam em colocar seus pensamentos e opiniões?
 
CO: Eu gostaria de dizer algo que eu costumo escrever quando faço uma dedicatória que diz assim: "Ler um livro, é fazer uma trajetória com o autor, ou autora, em meio a seus devaneios ou tecnicalidades, por quê? Eu mesmo quando pego um livro para ler, eu entro na história. As vezes eu sou um obervador mas também me transformo num personagem. E tudo o que eu penso de tudo o que se escreve, existe um tanto da pessoa. A pessoa que conhece o autor, que ler o que foi escrito, vai identificar que aquele texto pertence, foi escrito por Cícero Oliveira. Então, em tudo o que se escreve, existe parte do autor. Como pessoa, como ser humano, você demonstra através das linhas que você escreve, eu penso assim, eu acho que eu sou assim. Então eu diria para as pessoas que vierem a tomar o livro "Penúria em um Sertão (Diálogo) em suas mãos, que leia com carinho e que possa entender e que aprenda algo, que fique como aprendizado. Porque na história também existe muita religiosidade, não fala diretamente, mas tem muita fé embutida ali. Eu gostaria de dizer que escrevam, que tomem um lápis, um caderno, ou um computador mesmo e tentem elaborar alguma coisa como escritor (a), como um poeta.. ainda que não vá publicar. Busque publicar, no Brasil a gente sabe que é difícil publicar, gasta-se muito e colhe-se quase nada e infelizmente é assim. A lei rouanet está aí só para os grandões, os que já são famosos... Então, eu recomendo que escrevam mesmo que seja para deixar para seus filhos, netos, deixa alguma coisa, porque eles vão lembrar. Vão dizer: "Olha, isso aqui foi meu avô que escreveu, foi meu pai que escreveu, minha mãe que escreveu.. 
 
DF: Meu padrinho que escreveu...
(risos)
CO: ... então é por aí. Eu acho que escrever, é como eu costumo dizer: "Quando a caneta "faiar" e o papel acabar, me acharam a banqueta imaginária na areia que margeia o grande mar. Não venha o vento bravio, com seus mortais assobios, desmanchar o que eu estive com meus dedos a deitar, mas uma brisa suave com branduras de arazio concertar o que estive com o punho a martejar.



 







 
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