Lab Dicas Jornalismo Publicidade 728x90
04/06/2022 às 22h49min - Atualizada em 04/06/2022 às 22h45min

A negligência das redes em conter conteúdos que espalham o negacionismo climático

As redes, principalmente o Facebook e Youtube, apresentam uma enorme quantidade de postagens que reproduzem negacionismo climático e o número de alcance dessas postagens é considerável

Emily Prata - Editado por Andrieli Torres
Agência Pública
Foto: Reprodução

As consequências das ações humanas ao planeta não é segredo nenhum, mas existem pessoas que contradizem ou minimizam esse fato e disseminam suas ideias negacionistas em posts nas redes sociais, ou sinalizam suas opiniões em comentários a posts feitos por outras pessoas. Mas a discussão que vem crescendo é a permissão dessas grandes plataformas para a publicação desses conteúdos e número alto de engajamento que eles recebem, como é o caso do Facebook e o YouTube. Essas plataformas são acusadas constantemente acusações de lucrar em cima desse tipo de conteúdo, já que a grande maioria dessas publicações são monetizadas e recebem um grande número de visualizações e compartilhamentos. 

 

É importante observar que ambas plataformas afirmam possuir políticas de combate a desinformação, mas que se mostram ineficientes e proporcionam pouquíssimas mudanças quanto ao alcance desses conteúdos ao público alvo. Enquanto a denúncia ao Facebook foi feita de maneira muito mais formal, onde Zuckerberg é criticado abertamente por funcionários e ex-funcionários dentro da própria plataforma. O Youtube recebe críticas muito mais indiretas e pouco é observado, onde as críticas são apontadas pelos próprios usuários e a maior parte das informações encontradas foram de investigações realizadas pela Agência Pública. 

 

FACEBOOK

 

De acordo com documentos vazados ao Congresso dos Estados Unidos em outubro de 2021, até abril daquele ano a plataforma não era capaz de moderar a desinformação sobre mudanças climáticas de maneira significativa. Mas dentro da própria empresa, funcionários já apontavam essa deficiência do Facebook e falavam sobre a necessidade de controlar essas publicações com informações falsas sobre o aquecimento global. Durante o ano de 2019, várias discussões sobre o assunto foram levantadas dentro da empresa e discutidas abertamente na plataforma. “Nós precisamos de mudanças drásticas. Nós precisamos fazer mais para demonstrar nosso comprometimento em ajudar o mundo a resolver esse problema”, escreveu um funcionário. No ano de 2021 várias dessas denúncias foram levadas à Comissão de Valores Mobiliários dos EUA e fornecidas ao Congresso, denominadas de Facebook Papers, elas foram apresentadas pela assessoria legal de Frances Haugen, ex-funcionária da empresa.

 

O Facebook não deu a importância necessária às questões levantadas pelos funcionários em um período em que o tema está em alta relevância e em que conteúdos falsos começam a ser disseminados e cresce uma onda de anti cientificismo. Durante as eleições de dois presidentes muito polêmicos e que possuem suas campanhas e governos baseados nesse tipo de conteúdo, Donald Trump e Jair Bolsonaro, reforçam ainda mais esses movimentos de negacionismo climático. Somente no ano de 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, o Brasil identificou a maior extensão de desmatamento na Amazônia desde 2008: 10,9 mil km², recorde superado no ano de 2021 quando foi registrado um incremento de aproximadamente 12 mil km² de destruição, dados esses que foram omitidos pelo governo durante a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima.


No ano seguinte, mas especificamente em setembro de 2020, o Facebook lança a plataforma Climate Science Information Center (CSIC) para tentar contornar as inúmeras críticas que havia recebido no ano anterior. A plataforma que inicialmente estava disponível em países do norte do globo, como Estados Unidos, Reino Unido, Inglaterra e França — o Brasil e outros países do sul, como México e África do Sul, foram adicionados à lista cerca de cinco meses depois. Ela pode ser acessada ao digitar o termo “climate change” na barra de busca da rede, trazendo posts feitos por especialistas e dicas de como as pessoas podem diminuir o impacto nas mudanças ambientais. Mas, “não tem como uma informação que é entregue diretamente no bolso da pessoa, como as fake news são, competir com uma informação que está escondida em uma funcionalidade que pouquíssimas pessoas conhecem e que é de difícil acesso”, avalia David Nemer, pesquisador e professor de estudos das mídias na Universidade da Virgínia. 

 

Porém, a iniciativa não resolveu em nada o problema, na verdade apenas destacou o quanto as grandes empresas capitalizam em cima desse tipo de conteúdo, já que além do alcance em cima daqueles que apoiam esses discursos de ódio, geram também o engajamento daqueles que se indignam com esse tipo de post. Isso fica comprovado com o quanto esses dados são mantidos em sigilo e em como a empresa segue ignorando as sugestões de funcionários e até mesmo dos próprios usuários dessas plataformas, principalmente uma tão grande e de tanto alcance como o Facebook.

 

YOUTUBE

 

Outra plataforma que também lucra com esses discursos de ódio e negacionistas, é o YouTube, o usuário não precisa ir a fundo para perceber que não está sendo feito um trabalho muito propício para lidar com esse conteúdo. Quem busca por “aquecimento global” na barra de pesquisa do YouTube recebe vídeos negacionistas e recheados de desinformação sobre mudanças climáticas, um tema que já é consenso entre os renomados cientistas da área. Em uma reportagem investigativa realizada pela Agência Pública, em uma busca na plataforma por meio da ferramenta YouTube Data Tools e dos 121 vídeos analisados, 37 possuem informações que contradizem o senso científico, destes 15 são monetizados, ou seja, geram lucro para quem os publicou e para a plataforma. Nesses vídeos dois cientistas se destacam, seja aparecendo nessas publicações ou com respaldo em suas ideias, são eles Ricardo Felício e Luiz Carlos Molion, além de que ambos já foram financiados pelo agronegócio brasileiro. 

 

No ano de 2020, a ONG Avaaz solicitou que a plataforma parasse de recomendar vídeos tóxicos e parar de monetizar conteúdos ligados ao negacionismo climático, já em outubro de 2021, a plataforma se comprometeu apenas com a questão da monetização de conteúdos que “contradizem o consenso científico sobre a existência e as causas das mudanças climáticas”. Mas não houveram muitas mudanças efetivas, os vídeos continuam sendo postados e monetizados, principalmente vídeos que apresentam o tema como se ainda estivesse em debate quanto a sua veracidade, ou se a ação humana quanto a esse acontecimento ainda estivesse em questão. Vídeos como o publicado pelo canal Fatos Desconhecidos, denominado  “O aquecimento global é uma farsa? E se for verdade?”, para o pesquisador Joachim Allgaier vídeos como esses “Geram a impressão de que a opinião de alguns cientistas minoritários é tão importante quanto a opinião de muitos, muitos e muitos milhares de cientistas especialistas no tema”. 

 

Grande parte desse conteúdo negacionista é apoiado e muitas vezes financiado por representantes do agronegócio, um dos vídeos denominado “Climatologista contesta aquecimento global e inocenta a boiada”, traz o jornalista Richard Jakubaszko entrevistando Ricardo Felício, onde seu discurso central é de que os pecuaristas e agricultores “reajam contra a religião ambientalista, fazendo lobby da mesma maneira que os adeptos do clima”. Em outro canal, denominado AgroPapo, que possui mais de 2 mil inscritos, traz Jakubaszko como entrevistado no vídeo “Aquecimento global é uma mentira, assegura jornalista-escritor”, onde o canal afirma que a entrevista foi feita “sem tomar partido” e que seu conteúdo é guiado pelo que o “IPCC defende” em relação ao tema. Esse tipo de conteúdo acaba passando batido pelo algoritmo da plataforma, já que na descrição dos vídeos pouco é colocado sobre o tema principal e se não houver explicitamente o negacionismo na descrição e título do vídeo, a plataforma não o identifica como conteúdo danoso. 

 

“O que eu aprendi lendo sobre o assunto é que, para a plataforma, desinformação sobre mudanças climáticas é basicamente se você falar que o aquecimento global é uma farsa e não está acontecendo. Porém, eles [os negacionistas] usam estratégias diferentes para diminuir a credibilidade dos cientistas climáticos, como dizer que eles são corruptos e outras coisas. Isso não vai ser considerado desinformação climática do ponto de vista do YouTube e ainda vai poder ser monetizado”, afirma Joachim Allgaier.

 

É fácil observar o descaso das grandes plataformas de mídia com a disseminação desses discursos negacionistas, claramente prejudiciais ao esclarecimento e conhecimento que a humanidade já possui sobre as mudanças climáticas. Esse é um fenômeno que não é exclusivo do Brasil, o território é utilizado apenas como exemplo de uma série de manifestações que ocorrem ao redor de todo o mundo e essas denúncias devem ser trazidas à tona para identificarmos quem produz e reproduz esse tipo de conteúdo. Além de cobrar cada vez mais dessas grandes empresas que permitem o compartilhamento, engajamento e monetização desses conteúdos, que em tese são repudiados por suas diretrizes. 

 

É essencial ouvir funcionários que possuem maior contato diário com o conteúdo publicado na plataforma, dar mais atenção às denúncias dos usuários e não responder às denúncias apenas tirando aquele conteúdo específico do ar, mas ainda investigando a fundo o perfil que realiza as publicações e os compartilhamentos recebidos por aquele post e posts similares. Há uma série de medidas que podem e precisam ser tomadas para que pessoas que contradizem verdades científicas baseando-se em ideologias políticas e privilégios dados por aqueles que se beneficiam dessas falácias. 

 
 

Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »