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02/04/2023 às 11h33min - Atualizada em 02/04/2023 às 11h19min

Pantheon: A transferência de consciência neural na representação de um mundo ficcional

Manu Barioni - Editado por Marcela Câmara
A série de animação sci-fi Pantheon, criada por Craig Silverstein, teve sua estreia na TV no canal AMC, em setembro de 2022. Baseada nos contos de Ken Liu, a animação explora assuntos que trazem o questionamento da realidade existente e toda uma reflexão acerca do papel da tecnologia de inteligência artificial e da usabilidade que ela possui na construção do mundo da série.


A trama gira em torno de três personagens principais: Maddie Kim (Katie Chang), uma adolescente de 14 anos que tenta seguir em frente devido a morte de seu pai, enquanto leva uma vida difícil no colégio pois sofre bullying e não tem muitos amigos. Caspian (Paul Dano), um garoto prodígio da área tecnológica que tenta sobreviver ao drama familiar que sua família o impôs. E Chanda (Raza Jaffrey), um humilde e ambicioso engenheiro indiano da companhia Alliance Telecom, que almeja utilizar a tecnologia de Uploaded Intelligence (U.I) para alcançar uma utopia digital, no que concerne ao desenvolvimento da transferência da consciência cerebral para máquinas de computador.

Seus caminhos se cruzam quando Maddie recebe uma mensagem por meio do prompt de comando do seu computador, revelando uma sequência de emojis que alegam poder  ajudá-la  a resolver seu problema com as garotas do colégio. Assustada com o ocorrido, ela posta o chat em fóruns online, na busca de alguém que saiba quem é a pessoa misteriosa. Isso a leva descobrir uma relação com a empresa em que seu pai trabalhava, a Logarythms, uma companhia de tecnologia responsável por atuar um grande papel na trama revelada ao longo da série. E é aí que Maddie e Caspian se conectam pela primeira vez. Por outro lado, apesar de Chanda ser o responsável por iniciar todo o debate acerca das UI’s, ele descobre que sua empresa já estava em processo de testes com essa tecnologia, mas com fins de caráter maquiavélico, diferentes do que o engenheiro sonhava inicialmente.

Em um primeiro contato, é possível ver semelhanças nos debates construídos com outras obras de ficção científicas famosas, como Blade Runner (1982), Show de Truman (1998) e Altered Carbon (2018). O que Pantheon faz, de forma muito criativa, é conseguir entrelaçar todas as esferas dos personagens em uma ambientação atual e com uma carga emocional muito vívida. Caspian nos faz ter empatia com seus problemas familiares, bem como sua necessidade constante de se provar a seus pais. Já Maddie nos mostra o processo de luto e a tentativa de reconexão com seus entes familiares de forma muito simbólica.
Ainda assim, o que se revela mais fascinante é a roupagem que a animação consegue traçar com a utilização da UI, termo criado especificamente nessa obra, sendo conhecido na realidade por mind uploading ou transferência de consciência. O cientista Stephen Hawking, em uma entrevista para o The Independent em 2014, comentou sobre a tecnologia das inteligências artificiais que, em um debate promovido pela estreia do filme Transcendence (2014), comenta que não estaríamos tão distantes da possibilidade de realizar essa façanha e que a apresentar como apenas capacidades de obras de ficção cientifica seria possivelmente  o pior erro da nossa história.

Segundo Monteiro (2007 apud BORIM, 2015, p. 31), a ficção científica é um gênero literário que tem como característica exceder os conhecimentos tecnológicos e científicos da época, a fim de influenciar ou adivinhar o que será visto nos anos ou décadas seguintes. O que vemos em Pantheon é apenas um vislumbre de futuras tecnologias que teremos acesso na contemporaneidade. Inteligências Artificiais como as do Google now, Siri, Bing e, sobretudo, o ChatGPT  demonstram que as capacidades de aprendizado dessas máquinas só continuarão evoluindo e se desenvolvendo e sendo possível um vislumbre da habilidade de transferência de uma consciência humana para um computador.

Dessa maneira, os dilemas morais e existenciais  que esse conceito traz tocam diretamente no campo da ética humana. Como mensurar o impacto que o aprendizado através da cognição de seres humanos que existiram pode alcançar? Como saber que se tecnologia não pode ser utilizada para fins da exploração e roubo das pessoas, como as apresentadas em Pantheon? Como saber diferenciar, como bem retratado em Blade Runner, os limiares de humanidade em uma máquina senciente e que passariam despercebidos como humanos? E se isso acontecer, como garantir que essas máquinas sejam tratadas com os mesmos direitos e dignidade que os seres humanos?

Em resumo, Pantheon é uma obra fascinante que nos faz refletir sobre o futuro da tecnologia e sobre como ela pode afetar a nossa vida e a nossa humanidade. A série é um convite para uma reflexão profunda e necessária sobre os avanços tecnológicos que estão por vir, e sobre como podemos garantir que esses avanços sejam usados em prol da humanidade como um todo.
 


REFERÊNCIAS
BORIM, D. C. D. E.; ROCHA, Marcelo Borges. Análise do potencial didático do livro de ficção científica no ensino de ciências.

CÂMARA, Fernando Portela. MIND UPLOADING, SINGULARIDADE E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL – PARTE I. Psychiatry On Line Brasil, Rio de Janeiro, v. 19, n. 7, p. 1-1, jul. 2014. COLUNA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA. Disponível em: https://www.polbr.med.br/ano14/cpc0714.php. Acesso em: 01 abr. 2023.

MCINDOE, Ross. Pantheon Review: An Animated Sci-Fi Drama with a Deeply Human Heart: the series handles teched-up sci-fi concepts with the urgency of a conspiracy thriller and grounds them in a relatable family drama. 2022. SLANT. Disponível em: https://www.slantmagazine.com/tv/pantheon-review/. Acesso em: 21. 2023.

HAWKING, Stephen. Transcendence looks at the implications of artificial intelligence - but are we taking AI seriously enough?. The Independent, July 2014. Disponível em: http://www.independent.co.uk/news/science/stephen-hawking-transcendence-looks-at-the-implications-of-artificial-intelligence--but-are-we-taking-ai-seriously-enough-9313474.html. Acesso em: 01 abr. 2023
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