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15/10/2023 às 16h39min - Atualizada em 15/10/2023 às 16h34min

Quem tem medo de pobre?

História em quadrinhos nacional se debruça sobre a patologia social

Paulo Firmo - Editado por Letícia Nunes
Fonte e Reprodução: Editora Draco | Catarse


Pobrefobia”, nova HQ da Editora Draco, abriu a sua campanha de financiamento coletivo na plataforma Catarse no último dia 9. Com roteiros de Rogério Faria e artes de Lila Cruz, Laura Athayde, Luiza Lemos, Raphael Salimena e Wagner Loud, a obra lança luz sobre o trabalho do Padre Júlio Lancellotti e discute as angústias e desafios de milhares de pessoas que vivem nas ruas brasileiras. 
 

 

Como uma distopia

De acordo com dados obtidos no estudo “Mapa da Nova Pobreza”, desenvolvido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em 2022, a partir de dados disponibilizados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a pobreza chega a atingir 29,6% da população. Até 2021, eram cerca de 62,9 milhões de pessoas cidadãs cuja renda domiciliar per capita1 chegavam até R$ 497,00.

 

Segundo a Agência Câmara de Notícias (Órgão de notícias da Câmara dos Deputados, Brasil), o salário mínimo em 2021 era de R$ 1,1 mil. E de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), de janeiro a dezembro do mesmo ano, tendo como base o valor da Cesta Básica, o salário mínimo nominal necessário2 variou entre R$ 5.495,52 e R$ 5.800,98.

 

Neste complexo cenário, não bastasse a natureza árida do viver, pessoas em situação de pobreza no Brasil convivem com atos de preconceito e descriminação. Situações constrangedoras e humilhantes como as que foram vividas por alunos bolsistas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), relatados em matéria do jornalista Jefferson Puff, publicada pelo Portal G1 em 2016. Originadas de professores e alunos, falas como "Você é pobre? E bolsista? Não sabia que a PUC misturava o tipo de gente que estuda Relações Internacionais, até porque é um curso que exige inglês, né?”, eram comuns de acordo com os estudantes. 

 

Um outro exemplo é o trazido pelo jornal Folha de S. Paulo, em uma matéria de 2021, da jornalista Daniele Madureira. São exemplos de discriminação levantados por um estudo da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE) obtidos através de experimentos. Em um foi fornecido uma certa quantia em dinheiro para pessoas moradoras da Maré (bairro localizado na Zona Norte da capital fluminense), para que comprasse chinelos detalhe: as pessoas poderiam ficar com o troco. Existiram duas opções. Numa delas o calçado poderia ser comprado em uma banca de jornal, por um preço maior. Em outra, o produto estava mais barato, em meio a uma liquidação elaborada por uma loja de luxo no shopping. A maioria das pessoas preferiu não entrar no shopping e pagar mais caro pelo produto na banca.
 

 

Lugar da pobreza 

Quando a pobreza chega ao nível do insustentável, pessoas em situação de pobreza tornam-se, também, pessoas em situação de rua. Aqui, os considerados mais pobres entre os pobres, além do preconceito e discriminação, passam a enfrentar também ações de violência. É o que mostra a jornalista Roberta Quintino, em matéria para o site de notícias Brasil de Fato no ano passado. Um dos relatos colhidos pela profissional é bastante elucidativo. Trata-se da perceção de José Salustiano, que precisou viver nas ruas de Brasília, DF. Diz ele: “Algumas pessoas veem o morador de rua como um lixo que tem que ser limpo e retirado de uma determinada área. Mas, para muitos, o que falta é uma renda mínima para conseguir se sustentar, que possa garantir esse direito da moradia”.

 

E é diretamente ligado a essas pessoas, pobres, e na rua, que está voltado os esforços, a vida (há mais de 35 anos) do padre Júlio Lancellotti. Padre responsável por administrar a paróquia São Miguel Arcanjo, que fica no bairro da Mooca, zona leste de São Paulo, o distinto senhor paulistano de 74 anos tem um compromisso regular com a população em situação de vulnerabilidade. Entre o servir o café da manhã e organizar rodas de conversas um espaço de acolhimento , Padre Júlio se coloca a disposição de uma população sofrida, com poucas expectativas, que luta para sobreviver e manter a esperança em dias melhores. 

 

Como pontua a assistente social Isabela Santos Cabral em seu trabalho de conclusão de curso, Júlio Lancellotti realiza um reconhecido trabalho junto à população em situação de rua de São Paulo, atuou durante anos como coordenador da Pastoral do Povo da Rua de São Paulo3 assim como no Observatório de Aporofobia Dom Pedro Casaldáliga4  neste espaço, ao lado sociólogo e escritor chileno-brasileiro, Paulo Escobar, dedicou grande parte da vida em defesa dos direitos humanos das pessoas vulneráveis nas ruas. 
 

 

O nome da violência

A parceria entre Júlio Lancellotti e Paulo Escobar, como saliente a assistente social, permanece em inúmeras projetos que visam promover a inclusão social e a dignidade das pessoas em situação de rua. Portanto, são a criação de abrigos temporários, a oferta de serviços básicos de saúde, assim como a promoção de atividades culturais e esportivas. Dentre estes, a denominação do termo Pobrefobia

 

A palavra foi cunhado pela filósofa espanhola Adela Cortina, que denominou de aporofobia5. Vem do grego e une o termo áporos, que significa pobre, sem recursos, com o sufixo fobia; medo aversão. Em português o termo foi traduzido com a mesma grafia. No entanto, Paulo Escobar deixa claro que “pobrefobia” é um termo mais acessível para o brasileiro uma vez que este não está habituado com o idioma grego , ao mesmo tem em que permite às próprias pessoas em situação de rua estabeleceram uma identificação e motivarem-se a lutar por seus direitos.

 

Neste sentido, algumas conquistas estão em andamento. Como aponta o Projeto de Lei (PL 1.636/2022), de autoria do Senador Randolfe Rodrigues (Sem partido AP), atual Líder do governo Lula no Congresso Nacional, que “torna crime de injúria o ato que envolva discriminação contra a pessoa em razão de sua condição de pobreza, assim denominada aporofobia, além de qualificar o crime de homicídio e majorar o crime de lesão corporal praticado pela mesma razão”.

 

Dessa maneira, lidar com a aversão sofrida pelos que vivem a pobreza, sobretudo ao ponto de precisarem estar na rua, é uma contente na vida do padre Júlio Lancellotti. E a fim de estabelecer mais uma frente de luta a favor dessa população, com conhecimento e dignidade (a exemplo das atividades culturais desenvolvidas pelo padre, citadas anteriormente), surge a ideia para o livro de histórias em quadrinhos "Pobrefobia Vivências das Ruas com Padre Júlio Lancellotti”. 

 

É sobres essa obra e todo o complexo contexto envolvido que o site de notícias Lab Dicas Jornalismo entrevistou o Editor-assistente da Editora Draco, roteirista de quadrinhos, autor das HQs Marighella #LIVRE, Paulo Freire #PRESENTE (que foi selecionado pelo edital ProAC de quadrinhos de 2021 e indicado ao 35º Troféu HQMix como Novo Talento Roteirista), Corpos-Secos e Retratos Brutos (dentre outros), Rogério Faria.

 

Em um bate-papo descontraído e bastante elucidativo, eu pude questionar Rogério a respeito das motivações do gibi, algumas particularidades do processo de criação e as expectativas presentes. A participação dos artistas que ilustram a obra e a relação com o padre Júlio também se fazem presentes na entrevistas. 

 

Mais uma vez, o Lab Dicas Jornalismo e eu agradecemos ao Rogério Faria, desejamos sucesso na campanha de financiamento coletivo na plataforma Catarse, criada para viabilizar o quadrinho e convidamos a todos para conhecer o projeto. 

 

Para acessar a campanha basta clicar neste link e para ver e ouvir a entrevista, é só dar play no vídeo abaixo. 

 

Notas: 

1. É a soma dos rendimentos dos residentes de um domicílio obtidos durante o mês e dividida pelo número de seus moradores.

2. Assim denominado o salário estabelecido pelo Governo Federal, regulado por lei e, que em teoria, é o valor mensal suficiente para a pessoa trabalhadora garantir uma vida digna para si e sua família.

3. Uma pastoral (pastoral deriva de pastor, um elemento constante no mundo bíblico)

é o conjunto de atividades através das quais a Igreja Católica Apostólica Romana realiza a sua missão, que consiste primariamente em continuar a ação de Jesus Cristo na Terra. Nesta caso, especificamente, na cidade de São Paulo. Uma das atividades de uma pastoral, segundo a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), é dar visibilidade à população de rua e denunciar ações violentas e discriminatórias. Assim como apoiar a articulação desta população e dos catadores de material reciclável na sua organização em movimentos.

4. Local usado para observações e estudos, pesquisas e denúncias contra a Aporofobia. O nome é uma homenagem ao bispo católico espanhol naturalizado brasileiro Pedro Casaldáliga (1928-2020).

5. O termo surgiu oficialmente em 2017 no livro escrito por Adela Cortina, chamado Aporofobia, el rechazo al pobre: Un desafío para la democracia (Estado y Sociedad), pela editora Ediciones Paidós. No Brasil, chamou-se Aporofobia, A Aversão ao Pobre: Um Desafio Para a Democracia (2020) e foi publicado pela Editora Contracorrente, em 2020.



 

REFERÊNCIAS:

BETIM, Felipe. Padre Julio Lancellotti: “Não se humaniza a vida numa sociedade como a nossa sem conflito”. Blog. Brasil. El País. 20 set. 2020. Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2020-09-20/padre-julio-lancellotti-nao-se-humaniza-a-vida-numa-sociedade-como-a-nossa-sem-conflito.html >. Acesso em: 12 out. 2023.

 

CABRAL, Isabela. S. APOROFOBIA – POBREFOBIA: PROBLEMATIZANDO O CONCEITO FRENTE À HISTÓRICA E PERSISTENTE DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL. Orientadora: Juliana Biondi Guanais. 2023. 67 f. TCC (Graduação) – Curso de Serviço Social, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2023. Disponível em: < https://repositorio.unifesp.br/bitstream/handle/11600/68729/TCC_Isabela Santos Cabral_PDFA.pdf?sequence=6&isAllowed=y >. Acesso em: 13 out. 2023.

 

MADUREIRA, Daniele. 'Não quero ser tachado de bandido': como a discriminação limita consumo dos pobres à periferia. Economia. Folha de S. Paulo. 7 jan. 2023. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/01/nao-quero-ser-tachado-de-bandido-como-a-discriminacao-limita-consumo-dos-pobres-a-periferia.shtml >. Acesso em: 14 out. 2023.

 

PUFF, Jefferson. Padre Julio Lancellotti: ‘A professora não gostava de pobre’: bolsistas criam página contra preconceito em universidade carioca. Educação. G1. 7 out. 2016. Disponível em: < https://g1.globo.com/educacao/noticia/2016/10/a-professora-nao-gostava-de-pobre-bolsistas-criam-pagina-contra-preconceito-em-universidade-carioca.html >. Acesso em: 14 out. 2023.

 

QUINTINO, Roberta. Criminalização e preconceito: a dura realidade das pessoas em situação de rua no DF. Direitos Humanos. Brasil de Fato. 29 jun. 2022. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/2022/06/29/criminalizacao-e-preconceito-a-dura-realidade-das-pessoas-em-situacao-de-rua-no-df >. Acesso em: 14 out. 2023.

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