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22/11/2023 às 18h12min - Atualizada em 22/11/2023 às 17h29min

A magia por trás dos álbuns da banda The Lumineers: entenda as histórias contadas em “III” e “Brightside”

As complexas narrativas sobre a vida, o amor, a perda e a família geram identificação e fazem com que você se sinta parte daquilo que a banda canta.

Gabrielly Leopold - Revisado por Danielle Carvalho
Integrantes da banda The Lumineers. (Foto: Reprodução/The Lumineers via Instagram).


Como de costume para a banda, seus álbuns são carregados de significados e apresentam muitas canções que se complementam. Depois da análise feita sobre os dois primeiros álbuns, vamos conhecer agora as narrativas de “III” e “Brightside”, seus últimos lançamentos.

III: um álbum sobre vícios, perda e amor

Continuando com as narrativas através de seus álbuns, The Lumineers lançou “III” em 2019 e conta a história de 3 gerações da família fictícia Sparks, também nos contemplando com canções que se complementam e clipes que dão origem a mais um curta-metragem, retomando o aspecto cinematográfico que a banda traz aos seus projetos. Dessa vez, Wesley Schultz e Jeremiah Fraites nos apresentam Gloria, a avó, seu filho Jimmy e Junior, seu neto. 

O primeiro capítulo é sobre a história de Gloria, abrangendo as canções “Donna”, “Life In The City” e “Gloria”. Na primeira canção, “Donna”, já percebemos que a protagonista da vez tem uma vida extremamente conturbada e isso vem de criação, afinal, Gloria nasceu em uma família supostamente ausente também, sendo a responsável por cuidar dos seus irmãos na ausência de seus pais Donna e Frank, o que representa uma das causas para o seu vício em álcool. Ela é a mãe de Jimmy Sparks, mas se mostra completamente perdida com relação a isso, então o ambiente familiar da criança é prejudicado pela situação do vício de Gloria e os constantes desentendimentos que ela tem com o marido. Vale lembrar que alguns versos de “Donna” nos permitem entender que a mãe de Gloria já está morta: “Você está rezando por um funeral /  Você cantou como aleluia”, “Sua mãe nunca foi uma”.

Na canção “Life In The City”, conhecemos um pouco mais sobre o descontentamento de Gloria e entendemos o seu jeito devasso de viver a vida. Durante as noites da cidade, ela deixa seu marido e o filho em casa e vai para festas, onde além de consumir drogas, como cocaína, ela também comete traição. Em alguns versos da canção podemos perceber o quanto o seu comportamento é um reflexo do trauma de ter crescido numa família disfuncional, como em: “E eu sinto falta de meu pai, Cleopatra sentada ao telefone”. É perceptível o quanto a maternidade a deixou mais confusa e entregue aos seus vícios, isso porque ela não consegue sequer cuidar de si mesma.

Quando “Gloria” começa, somos conectados ainda mais com o vício da protagonista e suas consequências e assistimos dolorosamente a uma overdose que faz referência aos versos : “Gloria, te encontraram no chão / Gloria, minha mão estava atada a sua”. Ela consegue sobreviver, mas ainda não entendeu que tudo o que passou já foi o suficiente, as brigas com o marido continuam e o lar se torna cada vez mais confuso e doentio para o bebê Jimmy Sparks. O primeiro capítulo se encerra de maneira trágica, pois em uma de suas discussões ela acerta o marido com uma garrafa e, ao levá-lo para o hospital, acaba provocando um grave acidente de carro e, ao invés de prestar socorro ao cônjuge, Gloria foge desejando nunca mais ser vista.

O segundo capítulo é composto por mais três canções e é a vez de contar a história de Junior Sparks. Ele é o neto de Gloria e foi criado por Jimmy Sparks, seu pai — o filho agora crescido de Gloria e William Sparks, mencionado no primeiro capítulo. Desde que “It Wasn’t Easy To Be Happy For You” começa já se entende que o adolescente sofre com o jeito do pai, o trauma de fato é passado de geração a geração nessa família. Em “Leader Of The Landslide” vemos que Jimmy não se preocupa em dar um lar adequado para o seu filho, o adolescente vê o pai se envolver com álcool, drogas e também com crime. É evidente que ele sente falta da mãe e de ser amparado por alguém, assim como tem dó da situação do pai e tem a vontade de quebrar esse ciclo vicioso da família. Solitário e sem saber qual rumo seguir, em “Left For Denver” vemos Junior tentando entender o que pode ter acontecido com a sua mãe, inconformado de continuar vivendo a vida daquela forma. Sua decisão, encerrando o capítulo, é partir em busca do paradeiro dela.

Jimmy Sparks foi criado pelo pai após a partida de Gloria, sua mãe. Sem dinheiro e sem saber muito bem o que fazer, William não recebia o suficiente para sustentar a casa e aos poucos foi sucumbindo aos piores caminhos para conseguir o que precisa, cada vez mais distante do filho. É no capítulo três que vamos conhecer a história de Jimmy com outras três canções do álbum. Logo em “My Cell” percebemos que ele cresceu envolvendo-se com o crime e, apesar de ter se apaixonado, sua amada decidiu partir em busca de seus próprios ideais e o deixou. Seguindo para a canção que leva o nome do personagem, “Jimmy Sparks” conta um pouco mais sobre o homem, que se perdeu em jogos de azar e no alcoolismo depois da partida de Bonnie, sua esposa. A música instrumental “April” acompanha a tentativa de fuga do jovem Junior, que encontra seu pai ensanguentado e perdido na beira da estrada e tenta seguir em frente.

“Salt And The Sea” é a conclusão da história, a prova de que Junior Sparks tenta ser diferente da família mas não consegue simplesmente deixar seu pai para trás. Para ajudá-lo, seu último favor é um pouco controverso: rouba um banco para pagar suas dívidas. Quando volta para casa, Junior vê o pai em um estado terrível após ter sido agredido pelas pessoas a quem devia dinheiro, é aí que o filho decide fugir e levá-lo junto enquanto a polícia já se aproxima da casa. No entanto, para sua surpresa, o pai não aceita e quer que ele fuja com o dinheiro que conseguiu, enquanto isso, ele decide confrontar a polícia e possivelmente não consegue escapar da situação com vida. Sendo assim, Junior encerra o ciclo da família Sparks com o coração partido, mas foge sem seu pai.

O álbum ainda tem 3 faixas bônus que não fazem parte dessa história, mas são igualmente profundas. A primeira é “Democracy”, que aborda os desafios de uma sociedade democrática. Já “Old Lady” traz uma letra melancólica e com acordes suaves, falando sobre a saudade de um amor materno. Por fim, “Soundtrack Song” traz uma melodia divertida em uma letra que reflete os sentimento de não se acomodar nas adversidades encontradas na vida.

Curta-metragem com as canções do álbum 'III'. (Reprodução: The Lumineers - Youtube).

Brightside: o álbum de conforto

Lançado logo após a pandemia do COVID-19, esse álbum é praticamente uma luz no fim do túnel, com 9 músicas que abordam as diferentes manifestações do amor em nossa vida, assim como outros sentimentos que consomem tanta gente há muito tempo: a ansiedade de querer ser alguém na vida a todo custo, a saudade, o arrependimento por ter dado tudo de si para alguém que não faria o mesmo jamais. De fato, são muitas reflexões e, apesar de não ser como “Cleopatra” e “III” em que todas as canções fazem parte de uma história só, “Brightside” ainda é um álbum muito humano e que nos traz um conforto após tempos tão sombrios.

A começar pela canção título, “Brightside” já inicia com acordes de felicidade, você se sente mais leve desde os primeiros segundos. É impossível que a letra não te cative: ela fala de amor e esperança mesmo após a perda. Vale mencionar que o clipe é como um abraço quentinho em dias frios, de tão acolhedor. O início dele reúne pequenos depoimentos de pessoas respondendo o que o amor significa para elas e, ao longo do clipe, vemos diferentes demonstrações desse sentimento genuinamente feliz. Esse trecho transmite a essência da música:

“Perdendo todos os outros amigos

Não encontrando nada na vida após a morte

Mas a luz em seus olhos

Sozinho em um sentimento

Eu serei seu lado bom, querida, esta noite”

Sabe aquela música que fica ainda melhor quando cantada ao vivo, principalmente acompanhada de uma multidão feliz cantando a plenos pulmões? A faixa “A.M. Radio” é o perfeito exemplo disso. Essa é a história do fim de um relacionamento no qual ainda existem esperanças de que as coisas podem voltar a ser como eram antes, o narrador claramente ainda tem sentimentos pela amada. Por falar em otimismo, a próxima do álbum é “Where We Are” e ela foi inspirada num acidente de carro que quase levou o vocalista Wesley Schultz e sua esposa, Brandy Schultz, à morte. Ele inclusive compara o ocorrido com os terríveis 18 piores meses da pandemia, nos shows ele comenta que é como se todos nós estivéssemos juntos em um acidente de carro nesses quase 2 anos. 

Na sequência temos “Birthday”, que fala sobre o misto de sensações que nos preenchem em nosso aniversário, da nostalgia à angústia, é nesse momento também que nos damos conta do quanto a vida tem passado rápido e fica o questionamento: estamos mesmo aproveitando? Para continuar com a reflexão sobre as nossas vivências, “Big Shot” é a próxima canção e traz o combo harmônico entre a melodia suave, a letra sincera e o clipe reflexivo. Essa música questiona a necessidade de estarmos sempre em evidência, querendo ser “o tal” e quais são as consequências dessas atitudes, servindo como um lembrete do efeito “ação e reação”. O clipe traduz muito bem essa narrativa, vale a pena conferir.

Para todos aqueles que, eventualmente, descobriram que estavam amando sozinhos num relacionamento que deveria partir das trocas entre dois: “Never Really Mine” é pra vocês, ela representa esse momento da ficha caindo. A letra mostra um esforço praticamente unilateral para salvar uma relação, mas talvez ela já estivesse fadada ao fracasso desde sempre. Como sempre acontece nesse tipo de história, o vilão tenta se tornar a vítima com seus frágeis argumentos.

“Diga uma vez para que todos os vizinhos possam ouvi-lo

Eu sou o único que nunca ia jogar para perder

De repente você está saindo do quadro

Eu estava olhando pela câmera, você estava procurando uma saída”

“Rollercoaster” tem um instrumental que é a personificação da paz. A letra dessa canção referencia a montanha russa de emoções pelas quais passamos no período da pandemia, ainda que não diretamente, mas foi a intenção de Wesley Schultz. Vimos amigos partindo, tivemos nossos planos adiados para um futuro incerto e ficamos cada vez mais divididos. “Remington” mistura nostalgia com a esperança de dias melhores. Essa canção é como acordar de um sonho sem saber se ele foi real ou não.

Por fim, “Reprise” é a obra de arte que encerra o álbum e repete versos das outras canções, trazendo uma sonoridade que parece realmente juntar um pouco da essência de cada parte do “Brightside”. Os versos “Estou indo para as luzes / Estou indo para o lado bom, querida, essa noite” parecem abrir interpretações para duas metáforas distintas, uma sobre a morte e a outra sobre o desejo de voltar a viver intensamente.

Esse álbum não traz personagens específicos para contar sua história, mas isso acontece porque o ouvinte é o verdadeiro protagonista ali. Todas as canções parecem uma descrição de situações vivenciadas por muitos, e é claro, em várias delas você se sente íntimo de Wesley Schultz, parece até que as letras foram compostas para conversar conosco.


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