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10/09/2021 às 11h41min - Atualizada em 10/09/2021 às 11h34min

Crônica: medo de voltar ao normal

Eu deveria estar feliz, não é? Então por que meu coração se descontrola quando penso em voltar a sair de casa?

Ana Paula Alves - Editado por Andrieli Torres
Imagem: Engin_Akyurt / Pixabay

Eu deveria estar feliz, não é?

Eu estou finalmente vacinado com a segunda dose, assim como muitos na minha família. As mortes diminuem a cada dia, parecemos cada vez mais perto de superar tudo isso.

Então por que meu coração se descontrola quando penso em voltar a sair de casa? 

Queria que o medo passasse, mas mesmo com a vacina, as variantes cruéis me assustam. E se meu sistema imunológico se render a uma delas? E se alguém da minha família for a “excessão”? Perco noites de sono pensando nisso.

Me aproximar de outras pessoas ainda parece assustador. A insistência de alguns em usar máscaras das formas mais erradas possíveis me causa um temor profundo. Eu não quero voltar a trabalhar presencialmente desse jeito.

Além disso, faz tanto tempo desde que tive que conviver com outras pessoas, será que ainda sei fazer isso?

Eu não sei se ainda consigo dar sorrisos forçados e cumprimentos animados. Não sei se ainda sou capaz de manter uma conversa com alguém parado na minha frente. As pessoas ainda falam sobre o clima para preencher o silêncio desconfortável? Ou será que esse assunto já está defasado e agora elas agora falam sobre a Covid enquanto xingam o presidente? Fico nervoso só de pensar em mim mesmo, em um silêncio constrangedor diante de um estranho, sem saber o que dizer para encerrá-lo.

Também não tenho vontade de voltar para aquelas situações estressantes que aconteciam no escritório. Em casa, pelo menos minha chefe não vigia a tela do computador por cima dos meus ombros, pra ter certeza de que estou fazendo meu trabalho direito. Também não preciso mais lidar tão frequentemente com aquele colega chato e inconveniente, que conseguia me irritar todo santo dia, bastava que ele estivesse na sala.

Essas coisas me fazem querer ficar em casa para sempre, nunca mais encarar esse mundo assustador e desconfortável.

Mas alguma hora vou ser obrigado a colocar os pés para fora, o que quase me deixa em pânico. Só de pensar em ter que entrar em um trem novamente, minha respiração entra em descompasso. Imaginar tantos corpos amontoados, se espremendo uns aos outros, as janelas fechadas, não dá para abrir, o suor, o ar quente, os vírus viajando pelo ar, tentando invadir o meu corpo, me encolher não adianta, prender a respiração não adianta, estou preso em uma câmara de doença e morte. 

Minhas mãos suam quando eu penso nisso, começo a ficar ofegante, eu não tenho controle sobre minha respiração, meu coração acelera tanto que eu sinto suas batidas pesadas como um solo de bateria no meu peito. Eu sinto que posso morrer a qualquer momento, meu corpo me diz isso. Meu corpo me avisa do perigo que eu não posso controlar, me implora para fugir. Eu preciso de muito tempo para relembrar a mim mesmo que eu não estou em um trem, estou em casa, não estou em perigo. 

Tento controlar minha respiração, contando os segundos para inspirar e expirar. Tento listar os objetos que vejo em minha frente agora, quais suas características, cor, forma, tamanho… Repito o processo até que meu corpo se convença que eu não estou em situação de morte iminente.

A vacinação não consegue evitar minha ansiedade, eu poderia tomar dez doses, nada mudaria. Ainda tenho medo, aprendi a ter medo durante quase dois anos. Esse terror, essa fobia, não vai sair de mim tão cedo. Eu não consigo deixá-lo, assim como não consigo deixar a segurança da minha própria casa.


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