Há uns anos, não era incomum as pessoas, em uma roda de conversa, expressarem sua saudade dos tempos de criança em que se sentavam com seus pais, tios e avôs para ouvir e contar histórias. Infelizmente, essa realidade não é mais tão comum nos dias atuais.
Recordo da minha infância com carinho, quando sentava-me em frente de casa com meus irmãos para ouvir as histórias contadas por nossos pais, tais como “A fonte das três comadres” e “O bicho manjaléu". Anos mais tarde, descobri que essas histórias também fazem parte do livro “Histórias de Tia Nastácia”, de Monteiro Lobato.
Monteiro Lobato (1882-1948) foi um grande escritor brasileiro que utilizava das características folclóricas brasileiras para abrilhantar sua obra. Se destacou por seu caráter nacionalista e social. A maior parte de suas obras são formadas pela literatura infantil, e dentre elas está o Sítio do Picapau Amarelo, uma de suas obras mais conhecidas, tendo sido adaptado para a televisão.
No livro Histórias de Tia Nastácia, a personagem que dá nome ao livro e que surgiu do Sítio do Picapau Amarelo, conta a Pedrinho, Narizinho e a Emília (boneca de pano com língua de trapo), histórias que lhes foram contadas, típicas do folclore brasileiro.
A história inicia com Pedrinho que questiona o que é folclore. Após a explicação dada a Emília, por Dona Benta, eles decidem que querem ouvir as histórias de Tia Nastácia:
“— Uma idéia que eu tive. Tia Nastácia é o povo. Tudo que o povo sabe e vai contando, de um para outro, ela deve saber. Estou com o plano de espremer tia Nastácia para tirar o leite do folclore que há nela.
Emília arregalou os olhos.
— Não está má a idéia, não, Pedrinho! Às vezes a gente tem uma coisa muito interessante em casa e nem percebe.”
O objetivo de Monteiro Lobato em reunir essas histórias, é fortalecer a cultura brasileira e o seu valor perante a sociedade nacional. Quando Tia Nastácia reúne os netos de Dona Benta para lhe contar seus “causos”, Lobato reforça a importância da introdução literária na infância, despertando-lhes a curiosidade e o interesse por aventuras característicos das crianças.
Em diversos momentos do livro, enquanto Tia Nastácia vai narrando as histórias, as crianças interrompem para fazer perguntas ou questionar seus sentidos. Esse artifício é utilizado por Monteiro Lobato para demonstrar a atenção das crianças no que lhes está sendo contado.
“— Eu já li essa história em Andersen — disse Emília — e agora estou vendo bem claro como o nosso povo faz nela os seus arranjos. Foi Andersen quem a inventou.
— Não — disse dona Benta. — Andersen nada mais fez do que colhê-la da boca do povo e arranjá-la a seu modo, com as modificações que quis. Essas histórias são todas velhissimas, e correm todos os países, em cada terra contada de um jeito. Os escritores o que fazem é fixar as suas versões, isto é, o modo como eles entendem que as histórias devem ser contadas.”
Tia Nastácia, ao contar a história de “João e Maria”, faz com que as crianças percebam que uma mesma história pode ser contada de diferentes maneiras.
Dentre tantas histórias presentes nessa obra, não é de se estranhar que os jovens e crianças da época atual não as conheça. A causa do desconhecimento dessa parte da cultura brasileira tem diversas razões: a qualidade do ensino no Brasil, a dedicação dos pais com a educação de seus filhos e por fim, a tão aclamada tecnologia.
Não se pode negar que os avanços tecnológicos conquistados nas últimas décadas conseguiu melhorar muitos aspectos da vida humana. Contudo, em relação ao aprendizado e disseminação da cultura brasileira, os avanços não foram tão positivos quanto se esperava. Atualmente, uma criança de seis anos é capaz de utilizar sem problemas um tablet ou um smartphone sem mesmo saber ler ou escrever.
É possível que muitos digam que as famílias possuem costumes diferentes, por isso não costumam sentar com seus filhos para lhes contar histórias. Porém, segundo indicadores, a infância é a fase ideal para o desenvolvimento comportamental, psicológico e educacional das crianças.