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09/11/2019 às 21h54min - Atualizada em 09/11/2019 às 21h54min

Livros-reportagens que todos deveriam ler

Yorrana Maia - Edição: Lavínia Carvalho
Pixabay
Ao chegar quase no final do segundo período de jornalismo, volta e meia me perguntei se faria mais ao me formar do que apenas cumprir o prazo de deadline e escrever lides fiéis à velha regra dos 6 (o quê? onde? por quê? quem? como? quando?). Seria negligente se não contasse que já escutei de colegas a mesma coisa, a mesma preocupação em passar os dias tão sonhados de jornalista escrevendo sobre pequenos roubos, ou brigas, ou qualquer mínimo acidente, ou acontecimento da cidade. 

Mas - como tudo nessa vida parece ter sempre um "mas", para um trabalho da faculdade fui empurrada a ler um livro-reportagem e fazer um breve resumo, e acabei escolhendo A Sangue Frio, sem perceber o que me aguardava. Não sabia nada sobre Truman Capote ou do trabalho por trás da obra antes de pegar o livro na biblioteca da faculdade. Sinceramente, se tivessem me avisado antes eu não teria demorado tantos anos para lê-lo. As mais 400 páginas me mostram algo inusitado, foi como se Capote tivesse escrito para, na mais afrontosa maneira, dizer em alto e bom som que jornalismo não se resume apenas ao quê, quem e por quê. 

Capote já era um jornalista e escritor renomado, quando, em 1959, leu uma notícia em um jornal sobre o brutal assassinato de uma família inteira na pequena cidade de Holcomb, no Kansas.  Decidiu logo naquele momento que a história daria uma bela reportagem,  fez, então, suas malas e partiu para cidade antes mesmo das investigações concluírem. Capote ficou em Holcomb por um ano e meio, entrevistando os moradores da pequena cidade e os assassinos, depois que eles foram identificados, e o resultado foi uma obra que revolucionou o modo de se fazer jornalismo. A Sangue Frio apresentou uma narrativa extremamente descritiva, o leitor é mergulhado dentro da história e passa a conhecer Herb Clutter, Bonie Clutter e seus os filhos Nancy e Kenyon. Truman traça em detalhes  os hábitos, rotina e personalidade de cada membro da família, ao mesmo tempo em que apresenta os assassinos, Richard Hickock e Perry Smith, na estrada a caminho da chacina, criando um ar de suspense e perigo iminente na narração. 

O objetivo do trabalho da faculdade era aproximar os estudantes do jornalismo, nos apresentar algumas possibilidades que temos pela frente. Pensando nisso, pesquisei outras grandes obras do jornalismo-literário e decidi resumir o trabalho do(a) jornalista por trás do livro e apresenta-los a qualquer estudante que queira se inspirar também. 


 

Hiroshima, John Hersey


Em 1946, Hersey, aos 32 anos de idade, estava cobrindo a pós-guerra no Oriente pelas revistas Life e The New Yorker. Em maio deste ano, ele embarcou na China em um navio para o Japão, como conta Ben Yagoda, no livro About Town. Na viagem, Hersey leu na biblioteca do navio o relato de uma catástrofe no Peru (colapso de uma ponte de corda inca) sob o ponto de vista de cinco sobreviventes, no livro The Bridge of San Luis Rey, de Thornton Wilder. A partir dessa leitura, ele teve a ideia de como abordar a sua reportagem. John Hersey permaneceu no Jopão do 25 de maio ao 12 de junho. Levou seis semanas para escrever a reportagem. Ao entregá-la, os editores do The New Yorker, William Shawn e Haraold Ross, fizeram inúmeras observações (Ross sozinho fez mais de 200) e obrigaram John a mudar uma série de coisas, como o título original "Alguns eventos em Hiroshima", e reescrever a reportagem. 

Com a reportagem pronta, William Shawn convenceu Harold Ross (publisher) a publicar a reportagem completa em uma única edição, algo inédito para a revista, que tinha o costume de dividir reportagens longas. Assim, na edição do dia 31 de agosto de 1946, das 68 páginas da revista apenas uma das seções foi mantida, a programação cultural semanal de Nova York, e uma nota editorial foi acrescentada: "Esta semana The New Yorker devota todo o seu espaço editorial a um artigo sobre a quase completa obliteração de uma cidade por uma bomba atômica e o que aconteceu à população daquela cidade. Isso é feito na convicção de que poucos de nós compreenderam ainda todo o inacreditável poder destrutivo dessa arma e de que todos possam ter tempo para considerar a terrível implicação do seu uso".

A reportagem de John Hersey foi publicada em um período em que muito norte-americanos ainda não compreendiam a dimensão do ataque nuclear ao Japão, a não ser que este significou o fim da Segunda Guerra Mundial. John forneceu, portanto, algo novo ao jornalismo da época, mas essencial hoje, outra perspectiva sobre o evento. 

 

Eichamann em Jerusalém- Um Relato sobre a Banalidade do Mal, Hannah Arendt 


Muitos já devem ter escutado algum professor de história ou de filosofia falar sobre a banalidade do mal ou sobre Hannah Arendt. O que poucos sabem é que a filósofa alemã era jornalista e foi até a Jerusalém em 1961 cobrir o julgamento histórico de Adolf Eichmann para a revista New Yorker. Eichamenn é um dos responsáveis pelo holocausto de judeus, ciganos, homossexuais, deficientes e testemunhas de Jeová nos campos de extermínio da Polônia. Ele geria a logística de deportação em massa para esses campos, ou seja, ele literalmente decidia quem morreria ou não. 

Como judia que fugiu para os Estados Unidos para não morrer pelo regime nazista, Arendt possuía uma bagagem que não podia ser ignorada, além da sua formação filosófica, na construção da reportagem. Mas, justamente por sua experiência e formação, a jornalista foi além de uma simples reportagem e fez um perfil detalhado do assassino, que não passava de um "medíocre funcionário burocrático", segundo ela. Dois anos depois o livro-reportagem foi publicado e com ele uma nova teoria filosófica: a banalidade do mal. 

 

Rota 66, Caco Barcellos

Escrito a partir da morte de três jovens em São Paulo, em 1975, a investigação levou mais de um ano para identificar as mais de 4mil e 200 pessoas mortas pela ROTA (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar), conhecido como o batalhão da morte. Um dos três jovens assassinados, Francisco, era namorado da atriz Iara Jamra, com 20 anos na época. Ela disse em entrevista à Folha de São Paulo que recorda de ir ao julgamento dos PMs, todos absolvidos, e que o livro de Caco Barcellos foi a única reposta à injustiça contra Francisco, seus amigos, João Augusto e Carlos, e a ela própria. Publicado em 1992, o livro trouxe nomes dos oficiais e detalhes dos assassinatos de pessoas inocentes ou apenas suspeitas, e devido à repercussão entre os militares, a Rede Globo foi obrigada a enviar Caco ao exterior, para protegê-lo.
 

Holocausto Brasileiro, Daniela Arbex 


Mais de 60 mil pessoas morreram dentro do maior hospício brasileiro, o Hospital Colônia de Barbacena, de pneumonia, fome, frio, abandono, maus tratos e tortura. Porém, mais de 70% dos internados não sofria de nenhum distúrbio psicológico, eram alcoólatras, prostitutas, meninas grávidas recusadas pela família, mulheres rejeitadas pelos maridos, e outras pessoas portadoras de doenças curáveis. Ao saber dessa história por um livro de fotografia de Luiz Alfredo, intitulado "Colônia", Daniela Arbex reservou um mês para se dedicar exclusivamente aos relatos de sobreviventes e antigos funcionários. 

A reportagem foi dividida em uma série de reportagens publicadas regularmente no jornal Tribuna de Minas e tornaram-se as mais comentadas do periódico, chegando a receber o prêmio Esso regional (Centro-Oeste) e menção honrosa no Prêmio do Instituto Imprensa e Sociedade (IPSY)

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