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01/12/2019 às 16h10min - Atualizada em 01/12/2019 às 16h10min

Resenha do livro “A Sangue Frio”, de Truman Capote

Yorrana Maia - Editado por Socorro Moura

Truman Capote, escritor de contos, novelas e romances, além de jornalista, tornou-se, nas palavras do autor do prefácio Ivan Lessa, “festejadíssimo” no final da década de 1950. Ele era astro de coluna social, festas e figura indispensável em reuniões- as famosas “café-society”. No meio da sua vida social agitada, em 1959, ele se depara com uma pequena nota no The New York Times sobre o assassinato brutal do sr. e sra. Herbert Clutter e de seus dois filhos- Nancy e Kenyon, na cidade de Holcomb, no Kansas. Bastou apenas isso para levar o famoso escritor e jornalista até o interior do Kansas em busca de uma história para o seu novo livro.

Capote passou ao todo um ano e meio no Estado analisando aspectos da história e conversando com quem podia, entre eles os dois assassinos, Perry Smith e Richard Hickock. Depois foram quase cinco anos isolados em seu pequeno chalé, nos Alpes Suíços, para a analisar as informações que coletara, e mais um ano para terminar seu trabalho em seu apartamento, em Brooklyn Heights. O resultado desses seis anos foi, nas palavras do próprio Capote, “uma obra prima” ou “o melhor texto da literatura e da reportagem americana do século XX”, de acordo com Lessa.

O diferencial do livro dos demais livros-reportagens da época é a forma como os personagens são apresentados ao leitor. Com as informações que coletou, Capote traçou o perfil psicológico dos envolvidos e conseguiu transmiti-lo ao leitor em uma narrativa digna de Agatha Christie e seus romances policiais. A Sangue Frio é divido em quatro capítulos: os últimos a vê-los; pessoas desconhecidas; respostas; o canto. Eles foram divididos de acordo com a trajetória dos assassinos, assim, o primeiro apresenta os integrantes da família e seus executores; o segundo, a fuga de Perry e Richard e a investigação policial; o terceiro a identificação dos suspeitos e a prisão; e o quarto, o desfecho.  

Na primeira parte da narrativa, há uma apresentação dos personagens. O livro nos mostra  as realizações do sr. Clutter na comunidade de Holcomb, ele era um homem religioso que odiava qualquer tipo de vício (mas, sua filha Nancy desconfiava que o pai estava fumando), rico, humilde e prestativo. Sempre tentava ajudar todos da comunidade, moradores de Holcomb ou seus funcionários, por isso, e pelas suas conquistas econômicas com a fazenda, era admirado por todos da cidade. Já sua esposa Bonnie Clutter era o oposto. Acometida por depressão pós parto com o nascimento do seu quarto filho, Kenyon, Bonnie passou por vários tratamentos psicológicos e chegou a ser internada em uma clínica fora da cidade, mas nada surtiu efeito. Assim, a sra. Clutter era quase como um fantasma da família, sempre escondida em seu quarto - cômodo separado do marido - com suas camisolas brancas.

Nancy Clutter, por sua vez, puxara o pai. Era uma jovem de 17 anos que parecia fazer de tudo, estava sempre atarefada com trabalhos escolares e domésticos, atividades na Igreja, ou ajudando conhecidos. Assim como Herbert Clutter, Nancy era querida por todos da cidade. Seu irmão mais novo, Kenyon, era mais introvertido como a mãe, gostava de trabalhos manuais - estava terminando uma arca de madeira para presentear a irmã no aniversário - e devido aos óculos de armação grossa que usava, não podia participar de esportes, o que o impedia de se relacionar com praticamente todos os meninos de Holcomb.

  
A família Clutter. Crédito: Reprodução

 À medida que transcorremos as primeiras páginas parece que uma sensação de perigo iminente fica cada vez mais nítida, pois ao mesmo tempo em que a família Clutter é apresentada, Perry Smith e Richard Hickock também o são. Porém, ambos são introduzidos ao leitor já na estrada em direção ao brutal assassinato que irá se suceder justo à família mais prestigiada da pequena cidade. Capote consegue esse ar de suspense com textos intercalados, mostrando detalhes sobre a vida e personalidade de cada um dos integrantes da família e, logo em seguida, seus assassinos cada vez mais próximos do destino.

Após o homicídio, a cidade entrou em um estado de choque e apreensão. Ninguém esperava que o homicídio de quatro pessoas ocorresse em Holcomb, mas principalmente, ninguém pensava que isso pudesse ocorrer justamente com os Clutters. A polícia não conseguiu provas ou pistas que pudessem ajudar na investigação, e Perry e Richard conseguiram por muitos meses ficarem impunes. Mas, eventualmente foram presos e levados de volta até Holcomb para julgamento.

Capote descreve a chegada dos dois criminosos à cidade, onde todos esperavam na praça para ver quem eram os monstros que atormentaram a paz entre os moradores de Holcomb. Parecia que estavam “à espera de um desfile”, escreveu Capote. Alunos da escola secundária, a tropa inteira dos escoteiros, famílias, jornalistas, cinegrafistas, policiais, todos estavam presentes para vê-los. Segundo Truman Capote, “embora nenhum dos jornalistas estivesse esperando violência, vários previram que haveria muitos insultos. Mas quando a multidão viu os assassinos, (...) ficou em silêncio, como se espantada de constatar que os dois tinham forma humana”.


Perry Smith (à esquerda) e Richard Hickock (à direita). Crétido: Reprodução

Talvez essa seja a coisa mais impressionante na obra de Capote, o fato de ele apresentar os assassinos como humanos. O jornalista conversou inúmeras vezes com os dois na prisão e, ao ganhar intimidade, teve acesso a história do passado desses indivíduos, que na narrativa permite ao leitor uma ideia de quem eles eram  e porque chegaram até aquela situação. Perry Smith possui maior destaque na história, nesse sentido, devido a seu passado, sua deformidade e sua sensibilidade. Entretanto, tanto a narrativa, quanto os próprios prisioneiros (principalmente Perry) não utilizam um passado difícil como justificativa para o crime hediondo que cometeram.


Perry Smith e Trumam Capote. Crédito: Reprodução

Ao folhear A Sangue Frio pode-se ver o incrível trabalho jornalístico de Capote por trás da obra, entrevistando moradores, vizinhos, policiais e os próprios criminosos. Ele conseguiu, por meio de conversas com amigos, parentes e conhecidos da família Clutter, traçar o perfil de Herbert, Bonnie, Nancy e Kenyon Clutter e apresentá-los ao mundo como de fato deveriam ser. Mas, ele foi além de qualquer reportagem jornalística feita até então, pois além de nos apresentar as vítimas, nos contou a triste história de Perry Smith e seu comparsa, Richard Hickock.

 


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