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18/12/2019 às 00h15min - Atualizada em 18/12/2019 às 00h15min

O Sol na Cabeça de Geovani Martins

Vendido para mais de 09 países, o livro lançado pela editora Companhia das Letras teve grande destaque por trazer relatos sobre o cenário caótico, violento e desigual das favelas do Rio de Janeiro.

Nathália Dias - Editado por Socorro Moura
Twitter Companhia das Letras
É foda sair do beco, dividindo com canos e mais canos o espaço da escada, atravessar as valas abertas, encarar os olhares dos ratos, desviar a cabeça dos fios de energia elétrica, ver seus amigos de infância, postando armas de guerra para depois de quinze minutos estar de frente para um condomínio com plantas ornamentais enfeitando o caminho das grades e então assistir adolescentes fazendo aulas particulares de tênis. É tudo muito próximo e muito distante. E quanto mais crescemos, maiores se tornam os muros.”

Nascido em Bangu, criado no Vidigal (RJ), filho de uma cozinheira com um jogador de futebol amador. O destino de Geovani Martins como escritor parecia distante, mas com apenas 26 anos estreia no mundo dos contos com o livro intitulado “O Sol na Cabeça”. Vendido para mais de 09 países, o livro lançado pela editora Companhia das Letras teve grande destaque por trazer relatos sobre o cenário caótico, violento e desigual das favelas do Rio de Janeiro.

Composto por 13 contos, o autor nos apresenta a realidade de um periférico, em que a dificuldade de ter acesso à educação, o subemprego, o uso de drogas, a parceria de amigos, o convívio com policiais, o racismo e a diferença de classes são assíduas.

No primeiro conto “Rolezim”, o autor destaca a diferença de classes sociais vivenciada em um dia de praia com os amigos, onde o preconceito é notório quando esse grupo tenta tomar um banho de mar na praia da Zona Sul e é repreendido pelos policiais. “Tinha dois menó ali perto de nós com mó cara de quem dá um dois. Desde que nós chegou que eles tava ostentando. Passava mate eles comprava, passava biscoito eles comprava, açaí comprava, sacolé comprava. Deviam tá mermo era numa larica neurótica”.

O segundo conto “Espiral”, retrata o olhar de reprovação da sociedade para com o personagem principal, onde ele se sente excluído ao ver o comportamento das pessoas para com ele, pelo fato de ser menos favorecido socialmente.

“Começou muito cedo. Eu não entendia. Quando comecei a voltar sozinho da escola, percebi esses movimentos. Primeiro com os moleques do colégio particular que ficava na esquina da rua da minha escola, eles tremiam quando meu bonde passava. Era estranho, até engraçado, porque meus amigos e eu, na nossa própria escola, não metíamos medo em ninguém. (...) Tinha vezes, naquela época, que eu gostava dessa sensação. Mas, como já disse, eu não entendia nada do que estava acontecendo”.

Em “Roleta Russa”, conhecemos a história de Paulo. Um garoto que representa tantos outros que tem e tiveram seu primeiro contato com a arma de fogo. O pai do jovem tem em sua casa uma arma que é instrumento de trabalho. Paulo por sua vez, estabelece uma relação de amor e medo, na qual deseja a arma, mas não quer trair a confiança de seu pai. 

“Quando aceitou o emprego de segurança e passou a portar o trinta e oito, Almir resolveu conversar com Paulo. Uma conversa de homem pra homem, ele disse, embora o moleque tivesse acabado de completar dez anos. Contou que precisava do emprego, que a vida seria melhor pros dois, que ganharia mais dinheiro do que no posto de gasolina. Disse que confiava no menino com todo seu coração, por isso não precisou pensar duas vezes antes de aceitar o trabalho e levar o revólver pra casa.”

 “O Caso da Borboleta” é um conto que relata os sonhos de Breno, um menino observador que reparava tudo a sua volta. Em sua inocência de criança, Breno sonhava em voar como uma borboleta, mas como ele não sabia voar, a observava de forma exata. “Aos nove anos de idade, da enorme janela da sua cozinha, que antes era quarto, mas para ele sempre foi cozinha, acompanhou uma borboleta com os olhos e com ela aprendeu que homens não voam.”

Os textos de “O Sol na Cabeça” são escritos de acordo com o dialeto dos moradores da favela. Martins narra os fatos ao leitor de forma natural e cotidiana e nos remete a vivenciar de forma imaginária a vida nas comunidades.

Pra quem sente vontade de conhecer o lado menos favorecido do Rio de Janeiro, onde as atrocidades são assíduas, é uma leitura que traz exatamente esse contexto de forma clara através da literatura de contos, pois Geovani com tamanha propriedade de fala no paralelo do sujo e poético nos mostra o verdadeiro sol na cabeça do carioca suburbano convicto.

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