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04/12/2020 às 15h04min - Atualizada em 04/12/2020 às 14h58min

Ana Cristina César: ícone da poesia marginal brasileira

Representante da poesia marginal brasileira, Ana Cristina César deixou um vasto legado à literatura

Isabel Dourado - Editado por Gustavo Henrique Araújo
Foto/Reprodução: Ana Cristina César

O florescimento da poesia marginal é fruto do choque entre a atmosfera repressiva - no âmbito político - e a metamorfose comportamental. Absorveu o grito silenciado pelos tempos sombrios de autoritarismo do regime militar no Brasil. Produção literária dos anos de 1970, a poesia marginal também é conhecida como Geração Mimeógrafo. 

 

Diferente do que o leitor leigo pode pensar, a poesia marginal não está ligada a algo considerado "fora da lei". O termo se aplica aos escritores que tinham dificuldades para terem obras publicadas em grandes editoras. Recorriam, então, às pequenas tiragens de cópias dos trabalhos escritos. As tiragens das obras eram feitas pelo mimeógrafo - uma máquina para realizar cópias.

 

Teve a participação de diversos poetas, como Torquato Neto, Chacal, Paulo Leminski, Waly Salomão e Ana Cristina César, esta uma grande voz feminina que marcou a poesia de 1970.
 

Curiosamente, a poetisa começou a ditar poemas à mãe desde os seis anos de idade. O pai era jornalista; a mãe, professora. Essa questão influenciou o ambiente em que ela cresceu. Ana Cristina César foi singular e tornou-se uma das vozes mais importantes da poesia marginal brasileira. Ousada, a poetisa não tinha medo da rejeição. Era singular não apenas no trabalho, mas também como pessoa.

 

Ela procurava outros leitores e propunha novas leituras. A escrita dela era marcada pelo pudor e pela provocação. Depois de uma viagem a Londres, ela voltou com obras de Sylvia Plath, Emily Dickinson e Katherine Mansfield. 

 

Ana Cristina era capaz de falar abertamente em seus poemas sobre o próprio corpo e a sexualidade, com a delicadeza, os jogos de palavras e o feminismo enérgico que marcou a época. Em um dos seus poemas, intitulado "Anônimo", a poetisa carioca escreveu: "Sou linda; gostosa; quando no cinema você roça o ombro em mim aquece, escorre, já não sei mais quem desejo (...)".

 

O livro "Cenas de abril" foi publicado no ano de 1979. Apesar de ser um livro curto, os assuntos não seguem na mesma linha. Ana Cristina salta por entre temas complexos e variados; deixa aberto ao leitor do poema uma interpretação própria. Há no livro diversos poemas excepcionais, entre eles "Casablanca".

 

Te acalma, minha loucura!

Veste galochas nos teus cílios tantos e habitados!

Este som de serra de afiar as facas não chegará 

 

Publicou a obra "A teus pés" em 1982 e dedicou-a ao melhor amigo, Armando Freitas Filho. As obras "Inéditos e dispersos" e "Antigos e soltos" foram publicadas postumamente.

 

Alguns poemas da autora chamam a atenção pela dualidade do tempo. Ora fala do passado e do presente, ora do futuro. Escreveu a respeito dos livros os quais arrumava nas prateleiras sem ordem, mas deixando espaços vazios depois de retornar a casa dos pais no Rio de Janeiro. 

 

Tenho arrumado os livros.

Tiro de uma prateleira sem ordem e coloco em outra

com ordem. Ficam espaços vazios.

Hora em hora.

 

Cedo ou tarde reencontro – o ponto

de partida

 

Similar à escritora Sylvia Plath, Ana Cristina César também cometeu suícidio. Jogou-se da janela do apartamento dos pais aos 31 anos. Conversou com o melhor amigo Armando Freitas Filho 40 minutos antes e desabafou sobre estar sentindo-se emparedada. Apesar da breve passagem pela literatura brasileira de 1970, a poetisa carioca deixou um grande legado com seus trabalhos.

 

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