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19/02/2021 às 11h26min - Atualizada em 19/02/2021 às 11h22min

A trajetória de Agnes Grey

Romance de Anne Brontë, publicado em 1850, traz uma temática realista do século XIX

Larissa Bispo - Editado por Gustavo Henrique Araújo
Foto: Reprodução/Amazon
É inegável o legado deixado pelas irmãs Brontë e a contribuição de suas obras para a literatura inglesa. Charlotte, Emily e Anne fizeram história através das suas palavras e personagens que ousavam desafiar as convenções sociais da época. Anne Brontë, a caçula das irmãs e, ouso dizer, a menos aclamada entre elas, nos apresenta em "Agnes Grey" uma representação realista das limitadas opções de trabalho para a mulher e o papel de preceptora em famílias abastadas do século XIX.

"Agnes Grey" nos apresenta a personagem que carrega seu nome no título. Filha mais nova e, consequentemente, sempre protegida e poupada, Agnes é criada dentro de um lar feliz e educada segundo os bons valores morais. Quando sua família entra em uma crise financeira, ela se vê diante da necessidade de trabalhar para ajudar e, especialmente, da oportunidade de ver mais o mundo e realizar o desejo de ser preceptora. Narrado em primeira pessoa, Agnes relata o seu caminho de aprendizados e frustrações, trazendo nas entrelinhas críticas pertinentes quanto à mulher, ao trabalho e à relação da preceptora com as famílias.

É interessante ver como os acontecimentos do livro refletem as características de Agnes e da sua própria criação. A partir das suas ambições, podemos considerar que Agnes leva consigo uma visão idealista. Dessa forma, ela tem em mente que deve cultivar em seus pupilos a mesma educação recebida por seus pais. Mas, em diversos momentos do livro, suas tentativas de ensinar valores como respeito, humildade e bondade acabam falhando diante do desafio de como a própria era vista tanto pelas crianças quanto por seus empregadores.

No entanto, é perceptível como, na maioria das vezes, a preceptora não recebia o respeito e a consideração esperada. Assim, a educação preceptoral estava submetida aos vícios aristocráticos das crianças, que não enxergavam a figura da preceptora como alguém digna de ser ouvida pela posição de simples empregada, e aos pais, cujo direcionamento da culpa pelas falhas e repreensões estavam no papel da educadora e sua forma errada de manejá-los.

Não podemos deixar de considerar o despreparo de Agnes, embora muito mais alimentado por seu deslumbramento e idealismo sobre sua influência para com os alunos do que por sua própria incapacidade. Entretanto, é nesse paralelo que encontramos a crítica de Anne Brontë em relação as poucas opções de trabalho para as mulheres de classe média naquela época. Estando diante da necessidade de contribuir financeiramente com a família, Agnes encontra no papel de professora talvez a única opção a qual poderia exercer um trabalho e receber por isso. Quantas mulheres tinham sonhos além dessa ocupação e não podiam realizá-los diante das inexistentes oportunidades de independência?

As lamentações de Agnes também nos levam a questionar a solidão do seu cargo. Frequentemente a protagonista narradora é vista se relacionando com ninguém além dos seus pupilos, seus empregadores e pessoas do vilarejo. Agnes encontra companhia em Nancy Brown, uma senhora a qual faz constantes visitas, mas no seu ambiente de trabalho é pouco vista se relacionando com os criados, visto que eram considerados socialmente distantes da sua posição. Anne coloca nessa realidade mais uma crítica, dessa vez sobre a inexistência social e o sentimento de viver como um ser vagante.

Afinal, longe de suas famílias, quem eram essas preceptoras? Quais eram suas vontades e sobre o que gostavam de conversar? Obviamente não eram vistas como parte da família, tampouco no mesmo degrau de um criado. Assim, não parece haver em Agnes alguma certeza sobre pertencimento. Embora ocupe uma ocupação social considerada digna, seus dias parecem solitários e frustrantes, principalmente estagnados e apáticos.

Mais uma vez Agnes se submete ao mesmo trabalho para outra família abastada e permanece com ela os mesmos desafios e problemáticas acerca do seu papel e a sua relação com seus pupilos. A partir dessa segunda experiência, fica nítido perceber o paradoxo criado pela autora sobre os valores de Agnes ao lado dos vícios elitistas das famílias.

É nesse contraponto da obra que Anne Brontë consolida a reflexão a respeito de como Agnes poderia exercer uma boa educação para as crianças se elas nada mais eram do que o reflexo das atitudes dos próprios pais. Ainda, de que forma ela poderia executar um bom trabalho se as ações desses jovens tinham o consentimento e incentivo de anos da matriarca?

Dessa forma, acredito que o que faz "Agnes Grey" ser uma obra que se diferencia está em sua narrativa direta e realista. Com uma grande contribuição autobiográfica, diante das próprias experiências de Anne como preceptora, o livro abre mão de paixões avassaladoras para retratar, sob um tom intimista, as situações reais da época e deixar sua crítica para a relação da mulher e do trabalho, atrelado às dificuldades do papel preceptoral vivido por Agnes e a própria Anne Brontë.

Sobre a autora: Anne Brontë (1820-1849) foi uma poetisa e romancista britânica, a caçula da talentosa família Brontë. Em 1846, publicou um volume de poesias junto com suas irmãs chamado Poems by Currer, Ellis and Acton Bell, pseudônimos usados por elas. No ano seguinte, publicou "Agnes Grey", romance que retrata suas experiências como governanta; e em 1847 publicou seu segundo e último romance, "A inquilina de Wildfell Hall". Anne faleceu ainda jovem, vítima de tuberculose pulmonar, mas seus escritos ainda permanecem indispensáveis.

 

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