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25/02/2021 às 23h36min - Atualizada em 25/02/2021 às 23h24min

Aruká, o último guerreiro Juma

A etnia juma pertence à família linguística tupi-guarani e ao subgrupo Kagwahiva, que inclui também os uru-eu-wau-wau, segundo a Funai

Sara Moreira - Editado por Roanna Nunes
GABRIEL UCHIDA / KANINDÉ
Povo da família linguística Tupi-Guarani, os Juma possuem território localizado no entorno da Transamazônica em Canutama (AM). A história desse povo é marcada por violência e massacres desde início do século XX. Os Juma saíram de 15 mil pessoas no início do século passado para apenas cinco sobreviventes. O maior massacre ocorreu em pleno ano do golpe de Estado que deu origem a ditadura militar.
 
No início de 1964, próximo ao rio Assuã, comerciantes de castanha e seringalistas armados desembarcam no território Juma. Então, com requintes de crueldade matam cerca de 60 pessoas, sendo crianças e idosos. Entre os poucos sobreviventes estava o menino Karé de seis anos, o guerreiro Aruká, sua mulher Mariná, as filhas adolescentes Borehá e Maitá, e a menina Mandei.  Também os tios idosos, Tuxaua Marimã e sua mulher Inté.
 
Somente quinze anos depois em 1979, a polícia federal abriu inquérito para apurar e identificar os responsáveis pela chacina, que foi considerada genocídio já que houve um extermínio parcial do povo Juma. Porém, o inquérito foi arquivado como todos os outros semelhantes a esse caso, sem solução alguma e sem culpados.
 
Passados alguns anos, uma matéria publicada no Jornal do Brasil, pelo repórter amazonense Orlando Farias descreve o ataque de uma onça pintada, ao índio Karé, de 35 anos, que resultou na sua morte em janeiro de 1992. Ele era o único homem Juma em condições de reproduzir, já que os outros membros restantes são patrilinear, que seguem a mesma linhagem paterna. Karé era o único homem da etnia que poderia casar com uma das três jovens, dando continuidade ao povo Juma.
 
Em 1998 os membros sobreviventes da família Juma foram retirados de forma ilegal e sem estudo antropológico da sua terra tradicional. Levados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Alto Jamary, na aldeia dos Uru-eu-wau-wau, onde as filhas de Aruká se casaram com membros dessa aldeia. Com isso seus descendentes são uma etnia mista entre os Juma e os Uru-eu-wau-wau. No ano de 2002 eles já estavam reduzidos a cinco indivíduos e em 2010 a apenas quatro, Aruká e suas três filhas. 


A Terra Indígena Juma ficou abandonada, mesmo demarcada e homologada em 2004. O retorno definitivo dos Juma ao seu território tradicional começou em 2012 e só foi concluído pela Funai em 2013, após 14 anos de afastamento deles da terra e quatro tentativas de regresso mal sucedidas entre os anos de 2008 a 2011.
 
Em entrevista ao portal Amazônia Real a cacique Mandeí Juma, afirma que foi difícil deixar a aldeia.

 

“Eles (servidores da Funai) chegaram aqui dizendo que a gente era pouco, que minha tia estava doente, meu tio estava doente também. E falaram que era melhor a gente sair daqui. E que a gente era para se inteirar com os Uru-eu-wau-wau porque eles são a mesma língua da gente. A gente não queria sair daqui, não. E fomos para o posto do Alto Jamari. Foi muito difícil. Os meus tios ficaram muito tristes porque saíram daqui. Ficaram apavorados e morreram lá. Foi muito triste. A gente pensava que ia sair, mas que ia voltar logo. E a gente ficou lá.  Eu saí daqui, acho que com 11 anos de idade”, afirmou.


 
Na aldeia Juma não há saneamento básico e nem água encanada. As temperaturas são altas mesmo na sombra, no início da enchente na bacia do Purus a água de beber e de tomar banho é puxada do rio Assuã e não é tratada, os banheiros são precários. Dos casamentos interétnicos realizados entre os índios Juma e Uru-eu-wau-wau, em 1999, foram constituídas três famílias com 20 pessoas, sendo 13 netos de Aruká. Todos moram na aldeia Juma desde final de 2013.
 
O sofrimento histórico dos Juma é refletido em sua aldeia, diferentedo que é encontrado em outras terras: ali não tem posto de saúde, nem igreja, nem pajé e nem campo de futebol. Também não tem eletricidade somente um gerador a gasolina. No entorno da aldeia encontra-se mandioca, castanha e milho. Eles mantêm a tradição de caçar e pescar, principal fonte de alimento e também diversão para as crianças.

 
Apesar da idade, Aruká tem um corpo imponente, anda com firmeza e caça sozinho. Ele fala pouco e quando o faz é breve e apenas na língua indígena, já que não entende o português. Ainda assim, seus olhares são poderosos e ele está sempre atento. Em entrevista para o portal Amazônia Real ele diz como é ser o último dos seus.

“Hoje em dia sinto sozinho e penso muito em antigamente, que tinha muita gente”, desabafa. “A gente era muitos e depois vieram o seringueiro e o garimpeiro para matar o povo Juma todinho. Antigamente o Juma era mais feliz e hoje só tem eu.”

 
Os pais de Aruká morreram há tempos. A mãe faleceu por conta da malária, enquanto o pai foi assassinado por um seringueiro. Aruká sonhava em construir uma nova aldeia para seu povo, mas o número reduzido de índios impediu que isso se torna-se realidade. Ele afirma ainda:
“Não gosto muito da cidade porque tenho rancor do branco. Ele matou meus parentes.”
 
O descaso com povos indígenas é recorrente seja com desmatamento, invasões, garimpo e agora também a Covid-19. Com a falta de ações concretas do atual governo a pandemia se impulsiona e segue avançando nos territórios indígenas brasileiros. Em agosto de 2020 o Supremo Tribunal Federal (STF) atendeu a uma ação movida pela Articulação dos Povos indígenas do Brasil (apib) em conjunto com PSB, Psol, PCdoB, Rede, PT, PDT e determinou que o Estado brasileiro tome medidas efetivas de enfrentamento da pandemia nos territórios indígenas.
 
As dificuldades enfrentadas pelos indígenas que vivem no contexto urbano foram apenas um indicativo do drama desses povos. A pandemia avançou rapidamente entre os povos indígenas porque não houve uma estratégia de prevenção por parte da Secretária Especial de Saúde Indígena (Sesai), e nem a escuta das organizações na elaboração do plano de combate à doença. A Sesai está ligada ao Ministério da Saúde e nasceu como fruto da luta do movimento indígena.
 
É nesse contexto precário que a pandemia se disseminou entre os indígenas. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) vem realizando um levantamento independente dos casos. Os números são superiores aos notificados pela Sesai, que tem contabilizado somente casos em terras indígenas homologadas. A compilação de dados da Apib tem sido feita pelo Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena e pelas Organizações indígenas de base da APIB.
 
Segundos dados das Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde e do Ministério Público Federal existe um total de 162 povos afetados pela Covid e o total de mortos já passa dos 900. O número de casos confirmados atualizado em 25 de fevereiro contabiliza um total de 49.331.
 
Entre os quase mil mortos está o ancião Aruká Juma que tinha entre 86 e 90 anos, quando morreu na última quarta-feira, 17, na UTI de um hospital de Porto Velho, capital de Rondônia, a 120 quilômetros de estrada e a duas horas de barco de sua aldeia. O último homem de seu povo foi ao encontro de seus ancestrais e assim se perdeu um conhecimento irrecuperável. Como também mais uma cultura, que não significa somente artes, tradições e costumes, mas também ciências, como a medicina tradicional.
 
O último guerreiro Juma lutou agora a última batalha, lado a lado com tantos índios brasileiros esquecidos pelo governo atual. As associações dos povos nativos em um comunicado pela morte de Aruká mostram uma revolta profunda. Criticam o descaso “criminoso” do governo brasileiro pelo destino dos indígenas em época de pandemia. E sem receio, acusam:
“O Governo assassinou Aruká”. 

 

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