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26/02/2021 às 08h34min - Atualizada em 26/02/2021 às 08h21min

Resenha: "A Metamorfose", de Franz Kafka

Como um inseto gigante pode nos ensinar sobre a rejeição e o valor do ser humano? - Contém spoilers

Bruna Lima - Editado por Gustavo Henrique Araújo
Foto: Capa do livro (Edição exclusiva Amazon) | Reprodução: Amazon

A princípio, “A metamorfose", de Franz Kafka, aparenta ser complexo: autor tcheco de língua alemã, considerado um dos escritores mais influentes do século XX, discorrendo sobre as subjetivas transformações do ser humano. A obra, concluída em apenas 20 dias, não é um bicho de sete cabeças; na verdade, é um inseto com uma cabeça e antenas. 
 

A narrativa começa de forma direta: Gregor, filho mais velho e provedor da família, acorda metamorfoseado em um inseto gigante. O clímax é apresentado logo na primeira página e o desenvolvimento decorre a partir disso. Com uma escrita de poucos floreios, linguagem simples e quatro personagens principais, Kafka propõe maiores interpretações além das palavras.
 

Após a descoberta de sua nova forma, o primeiro pensamento do ex-humano é o emprego - seu atraso e como explicar a demora ao chefe. Afinal, com um pai idoso e lento, uma mãe asmática e uma irmã jovem inexperiente, a vida de Gregor se resumia ao trabalho e a situação financeira da casa. A preocupação, entretanto, não pertence somente à ficção e integra o cotidiano de milhares de pessoas que se configuram dentro da sociedade capitalista. 
 

Na sequência, a família também se preocupa com as economias. Ainda que os sentimentos de pânico e repulsão estejam presentes, a necessidade de sobrevivência é maior. A tentativa de adaptação às mudanças é frustrante; se antes Gregor era amado, agora é penoso e precisa ser descartado. 
 

O inseto gigante tenta conviver com suas pernas finas, o isolamento em seu quarto e a rejeição da família. Entre entradas e saídas da porta do cômodo, o protagonista causa desavenças naqueles que estão em cena. A descrição das angústias de ambos os lados é categórica; sem rodeios e empática a ponto de as dores físicas e psicológicas serem sentidas.
 

O desconforto gerado em todos é resolvido quando o filho morre. O sentimento de luto não é duradouro e a obra termina com o pai, a mãe e a filha saindo em um trem em direção ao campo. Lá, conversam sobre “perspectivas futuras, que, bem vistas as coisas, não eram más de todo. Discutiram os empregos que tinham, o que nunca tinham feito até então, e chegaram à conclusão de que todos eles eram estupendos e pareciam promissores. (...) E quando, terminado o passeio, a filha se pôs de pé antes deles, distendendo o corpo jovem, sentiram, com isso, que aqueles novos sonhos e suas esperançosas intenções haviam de ser realizados.” (2002, p. 57)
 

O desfecho da obra possibilita o questionamento dos interesses em nossa sociedade. Em sua forma humana, Gregor era útil; após a metamorfose, a família revela suas habilidades e até imaginam um futuro promissor… logo após a perda de um ente querido. A situação econômica da casa foi condicionada ao filho, que tomou a responsabilidade para si de modo a se dedicar excessivamente. Seu valor só existia quando seu trabalho servia de sustento. 
 

Afinal, qual o valor dos indivíduos? Se for preciso faltar ao trabalho por um problema de saúde, a preocupação será com as condições físicas e/ou mentais ou com o acúmulo do trabalho? Se esta enfermidade afetar a produtividade, mas não a qualidade, há desvalorização do serviço? Somos importantes quando úteis. Se temos algo a oferecer, somos vangloriados; caso contrário, somos descartados. As pessoas possuem interesses e, quando você não atende às expectativas, é pisado como um inseto.
 


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