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05/03/2021 às 11h51min - Atualizada em 05/03/2021 às 10h46min

Anne de Green Gables: uma leitura que provoca questionamentos sobre a sociedade atual

Como Anne de Green Gables nos faz questionar os posicionamentos e atitudes da sociedade

Hellen Almeida - Editado por Roanna Nunes
Livro Anne de Green Gables/ Reprodução: Autêntica Infantil E Juvenil/Saraiva
Uma menina órfã de 11 anos: cabelos ruivos como o fogo, sardas que parecem constelações, olhos que transmitem em seu brilho toda a sua fértil imaginação e amor pela literatura. Essa é a melhor forma de definir Anne Shirley, protagonista da obra literária “Anne de Green Gables”, primeiro dos 8 livros que compreendem a vida de Anne, escrita por L.M.Montgomery e publicada em 1908.

Se trata de um grande sucesso da literatura juvenil nos dias atuais, tendo ganhado várias adaptações para o mundo televisivo sendo a série “Anne with an E” (2017-2019) a mais atual. A jovem protagonista acidentalmente adotada por um casal de irmãos fazendeiros e donos de uma pequena propriedade chamada Green Gables tem muito o que ensinar para a sociedade atual, sendo seus posicionamentos e confiança em si mesma os aspectos centrais dessa matéria.

Na obra, Anne é à primeira vista fortemente criticada pela sociedade de Avonlea, seu novo lar. Neste local, repreendem desde a sua aparência até a sua personalidade: tagarela e com uma forma particularmente romântica de enxergar cada detalhe do que a cerca. Contudo, tais comentários nunca a impediram de ser fiel a si mesma e com o passar do tempo, ser admirada por cada indivíduo que com ela convivia. Tal autoconfiança pode nos levar ao questionamento: quantas vezes, graças a comentários alheios, já repreendemos desde os traços de nossas personalidades até nossa aparência?


Críticas a Anne X Sociedade atual

1.   Críticas à aparência e suas consequências à autoestima
Quando paramos para pensar nas críticas inicialmente direcionadas a protagonista podemos refletir sobre as reações imediatas da sociedade atual quando se depara com algo ou alguém diferente do tradicional, muitas das vezes essa reação é de crítica (não construtiva) e zombaria como as observações de Rachel Lynde ao conhecer Anne:

 
“Bem, eles não ficaram com você por causa da aparência; isso é óbvio e certo [..] Ela é terrivelmente magricela e desengonçada, Céus, alguém já viu sardas como essas? E esse cabelo avermelhado como uma cenoura?!”

Possivelmente a resposta esperada seria o silêncio e a repreensão a si mesma, mas Anne nos surpreende ao dizer com a indignação nítida em cada palavra pronunciada:
 
“Como se sentiria se dissessem coisas assim sobre a senhora? Gostaria de ouvir que é gorda e desajeitada, e que provavelmente não tem nem um pingo de imaginação? Não me importo se estiver ferindo seus sentimentos ao dizer isso! Espero que esteja mesmo. A senhora feriu os meus mais do que ninguém nunca fez… [...] E nunca vou te perdoar por isso… nunca, nunca!”
 

Uma atitude certamente surpreendente ao partir de uma jovem com apenas 11 anos, certo? Sua resposta pode nos levar a pensar em quantas vezes fomos criticados por adultos em nossa infância? Como reagimos a essas críticas? Kamila Silva, jovem de 18 anos admiradora da obra diz que se estivesse no lugar de Anne neste caso, teria uma reação completamente oposta: “Eu acredito que teria muita vergonha de me defender como ela fez, e provavelmente ficaria quieta por causa do choque”, declara Kamila.

Conforme mencionado, é compreensível afirmar que muitas pessoas atualmente sofrem com esses comentários passados e que estes foram responsáveis por interferir negativamente em sua autoestima e confiança já que não se adequam aos padrões estéticos, como Anne, especialmente se tratando do corpo feminino. Sobre essa reflexão, Kamila comenta: “A crítica à aparência é algo muito comum na sociedade, inclusive no meio feminino. Os julgamentos com base em características físicas infelizmente são muito frequentes”, afirma.

2.   Opinião alheia como repreensão de suas vontades

Quantas vezes já desejamos usar algo que nos alegra, mas desistimos pensando no que as pessoas poderão pensar e/ou dizer? A protagonista desta obra passou por uma situação semelhante no seu primeiro dia indo à escola dominical. No trajeto, ela encontrou belíssimas flores e decidiu enfeitar seu chapéu com elas e “independentemente do que as outras pessoas possam ter pensado desse adorno, Anne ficou satisfeita e percorreu alegremente a estrada.” E com a mesma felicidade ela pisou na escola, imediatamente todos a olharam com estranheza, começando a falarem coisas ao seu respeito e a excluem:

“Jerry Buote, o garoto contratado para trabalhar em Green Gables, tinha dito que ela falava o tempo todo consigo mesma ou com as árvores e as flores, como se fosse maluca. As meninas olhavam para ela e cochichavam umas com as outras, por trás de seus periódicos. Nenhuma delas fez qualquer tentativa de aproximação com Anne.”

 

Ainda assim, a jovem não se entristeceu, estava muito contente com sua aparência e com a possibilidade de admirar a paisagem da janela próxima à onde se sentava, tendo mil possibilidades para a sua imaginação.

Infelizmente, cenários como esse são mais reais e frequentes em nossas vidas do que gostaríamos de admitir, constantemente repudiam e criticam o que é diferente, mas essas pessoas já pararam para pensar que podem estar se privando de conhecer uma pessoa incrível como Anne? A sociedade é sempre crítica, então por que não ser você mesmo e usar o que desejar? Sobre isso, Kamila Silva compartilha seu posicionamento: “O ser humano mesmo inconscientemente deixa de fazer muitas coisas por medo de julgamentos, principalmente na questão de aparência, e eu como uma pessoa tímida já passei muito por isso. Mesmo sem querer, muitas vezes nós cedemos a esse medo de parecer ridícula ou diferente”, relata.

3.   Bullying nas escolas e falta de apoio à vítima

Até aqui está claro que a personagem principal é uma pessoa de opiniões fortes, imaginação fértil e muitas das vezes não dá importância aos comentários alheios. Contudo, assim como todos, ela tem um ponto fraco: seu cabelo ruivo e suas sardas, sempre afirma que não é bela e que sua inteligência nada significa, pois “Eu preferiria ser bonita a ser inteligente”, afirma Anne. Então, pode-se concluir que quando Gilbert Blythe a chamou de cenoura pela cor de seus cabelos, ficou ofendida e irada:
“– Menino maldoso e desprezível! – exclamou, revoltada. – Como se atreve?! Em seguida, “Tum! Plaft!” – Anne bateu com a lousa na cabeça do garoto e a partiu – a lousa, não a cabeça – ao meio.”
 

Certamente sua atitude foi repreendida pelo professor, todavia, nada fez a Gilbert, pois ele se trata de um aluno exemplar. Podemos usar esse caso para refletir sobre a nossa realidade: quantas vezes alguém já foi vítima do bullying e nada foi feito para ajudar quem sofre, ou ainda, as responsabilidades vendam os olhos para a atitude do agressor? Essa atitude pode continuar sendo aceita atualmente?

Sobre o Bullying, Kamila acredita ser praticado por indivíduos rudez e sem empatia para com o próximo: "O bullying é uma prática ignorante, de quem não sabe respeitar o próximo e acaba agindo de forma hostil”. Além disso, ela enfatiza a importância do posicionamento ético das instituições escolares para driblar tal ação: “Com certeza esta prática deveria ser mais combatida, não apenas com projetos e trabalhos de escola, mas com ações adequadas no momento que acontecem. [...] se a escola desse mais apoio à vítima e educasse os alunos que praticam tal ato talvez veríamos uma mudança.” Conclui.

Por que ler Anne de Green Gables?
Não é por acaso que a obra mesmo após aproximadamente 113 anos de sua publicação conquista tantos admiradores a cada dia, pois se trata de uma obra que ensina sobre amizade, amadurecimento, amor próprio, buscar a beleza em cada detalhe que nos cerca, entre diversos fatores. Anne de Green Gables se trata à primeira vista de uma leitura infantil, porém, em meio ao folhear de páginas é possível encontrar lições para a vida e reflexões sobre atitudes e posicionamentos que continuam enraizados na sociedade.

Kamila deixa aqui seu apelo para iniciar essa leitura: “É um livro maravilhoso, a protagonista é apaixonante e essa leitura traz valores muito importantes de respeito, amizade, aceitação e amor”.

Opinião geral de Kamila:
Anne é um exemplo admirado por muitos que leem a obra, sua personalidade assim como seus impasses ajudam na criação desse vínculo entre protagonista e leitor: “Ela é muito inteligente, esperta e altruísta, é uma das minhas personagens favoritas da literatura. Um dia quero ser dedicada que nem ela, e ajudar os outros também. Admiro muito ela” Kamila ainda diz que com Anne aprendeu a valorizar mais sua imaginação, sem a rotular como uma característica infantil: “Eu sempre tive minha imaginação como algo bom, mas com a Anne eu percebo que isso é bom não apenas na infância, mas em cada fase da vida, e pode ser usada para o bem, não é algo infantil demais nem exagerado, é algo lindo e incrível", reitera.

Sob meu olhar:
Anne de Green Gables é uma leitura que me fascinou à primeira vista. Certamente me identifico com a protagonista e a admiro, aos meus 21 anos, Anne me incentiva a cada dia confiar mais em mim mesma, a me posicionar quando necessário se defender e buscar um olhar belo sobre a vida. Vindo de quem sofreu bullying e sempre foi insegura, digo que Anne Shirley é uma inspiração para cada dia vivido.

E você, quantas vezes já permitiu que a opinião social moldasse como deve ser e quais são as qualidades aceitas pela mesma? Ainda acha que vale a pena viver por esses moldes, ou deseja ter a oportunidade de ser simplesmente você mesmo?

 
 
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