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06/04/2021 às 16h22min - Atualizada em 06/04/2021 às 16h22min

Reunião de família vs Redes socias

"Tudo era motivo para que alguém começasse uma discussão..."

Ana Paula Alves - Editado por Gustavo Henrique Araújo
Foto: Reprodução/Pxhere

Depois de um dia longo, ele finalmente chega em casa, completamente exausto. Tudo que ele queria era deitar no sofá e ficar um pouco sozinho. Assim ele o fez, jogando todo seu peso sobre o móvel, de uma vez só, com um dos braços como um pêndulo na beirada.

Você poderia vê-lo e imaginar que acabou de chegar de um dia cheio no trabalho, ou de uma aula muito cansativa da faculdade. Mas ele apenas voltou de um almoço de domingo em família. Algo tão exaustivo mentalmente quanto as opções anteriores.

Não que ele não gostasse de ficar com a família, ele os amava, mas isso não quer dizer que era perfeito.

Sua mãe não parava de falar, como sempre, de seu primo que, aos 20 e poucos anos, já tinha o emprego dos sonhos e um salário maior do que o necessário para qualquer pessoa comum. “Por que você não tenta seguir o exemplo? Por que você não é como ele?”, eram perguntas que ela ficava repetindo, talvez para tentar incentivá-lo, mas que só o faziam sentir totalmente inútil e atrasado na vida.

Do outro lado da mesa, ele também podia ouvir a discussão calorosa entre seu pai e seu tio. O assunto era política, como sempre, eles tinham opiniões opostas demais para habitar na mesma mesa. Ele preferiria ignorar, mas era impossível não ouvir quando eles aumentavam cada vez mais o tom de voz e a carga de indignação com a posição do outro sobre o assunto.

E na sala, ele podia ver seu irmão mais novo sofrendo nas mãos do primo, que tinha alguns poucos anos a mais que o pequeno. Ele humilhava e ria do menino, zombava de suas roupas e seus brinquedos. Ele não sabia como reagir, apenas se encolhia sobre si mesmo, o que levava a mais deboche sobre ser um “mariquinha chorão”.

Como som de fundo para tudo isso, ele também podia ouvir as notícias na TV, que não paravam de falar sobre as tragédias do dia, dando o toque final para o seu ânimo com o ambiente.

Depois de um dia inteiro lidando com essas situações, ele só queria uma pausa. Então, enquanto descansava no sofá, se ajeitou de uma forma confortável e puxou o celular para a mão. O que foi uma péssima decisão para tentar dar uma pausa.

Descendo seu feed no Instagram, tudo que ele viu eram pessoas perfeitas, com vidas perfeitas. Isso inclui fotos de seu primo, que estava de férias em um paraíso tropical qualquer. Parecia que todos estavam fazendo algo legal ou interessante, uma viagem, um passeio no parque, exercícios na academia, uma comida diferente que parecia muito saborosa… Todas essas coisas, e muitas outras, passavam por seus olhos enquanto olhava para a tela. “Por que eu não sou assim? Por que minha vida não é assim?” Era tudo que conseguia pensar. No Instagram, ele não precisava de sua mãe para compará-lo com outros, ele mesmo podia fazer isso, repetidamente, o que o fazia sentir cada vez mais inferior, com a sensação de que havia algo de errado com ele.

Após muito tempo de autocomparação, ele saiu do Instagram e migrou para o Facebook. Olhou alguns posts e decidiu entrar em alguns comentários, em que não demorou muito para encontrar uma discussão calorosa entre outros usuários, mesmo que o post fosse totalmente inofensivo, nenhuma polêmica ou algo do tipo; mas uma palavra mal interpretada foi o suficiente para que as pessoas começassem a brigar, adicionando ofensas e xingamentos. Por ver coisas do tipo, ele sempre pensava duas, três, quatro, cinco vezes… Antes de postar ou comentar qualquer coisa na internet. Tudo era motivo para que alguém começasse uma discussão.

E abaixo desses comentários, ele viu uma postagem nada inofensiva. Era a foto de uma garota, provavelmente tirada de seu perfil pessoal, mas que estava sendo repostada por outra pessoa, com uma legenda bem cruel sobre sua aparência, em que zombava da boca da garota e do quanto seu nariz parecia desproporcional. Nos comentários, haviam diversas montagens que outros usuários fizeram, a humilhando ainda mais, além de “sugestões preocupadas”, dizendo que ela deveria fazer uma cirurgia plástica ou algo do tipo. As pessoas podem ser cruéis quando estão na internet, mostram seu pior lado sem pudor algum. Ele torcia muito para que essa garota jamais visse essa publicação.

Decidido a sair do Facebook depois de ver aquilo, ele começa a navegar por redes variadas, intercalando a cada 10 ou 20 minutos. E em cada rede que ele acessava, além das publicações comuns de outros usuários, também apareciam as dos jornais, falando detalhadamente sobre cada tragédia da semana, quem morreu, o novo golpe que bandidos estão aplicando nas pessoas, quem perdeu tudo que tinham em uma enchente, etc. Ele já estava começando a se sentir mal vendo tudo aquilo. 

Por isso, pegar o celular e olhar as redes sociais para dar uma pausa foi uma escolha ruim. No fim, elas se parecem com um eterno e caótico almoço em família, daqueles que deixam qualquer um exausto emocionalmente e mentalmente. E se, em um dia, um ambiente caótico e tóxico como esse já causa exaustão e mal estar, é possível imaginar o que ele faz a longo prazo.

Ele deveria ser mais cuidadoso com o que consome na internet, assim como deveria ser mais cuidadoso em estabelecer limites dentro do círculo familiar. A falta de prioridade dada à saúde mental é o que aproxima essas situações. E, se tratando da vida virtual, existem estratégias que ele poderia ter, coisas que permitiriam que ele utilizasse as redes sociais sem tanto desgaste.

Antes de comparar sua vida com as vidas absolutamente perfeitas que vê na internet, ele poderia se lembrar que o enquadramento de uma foto ou um vídeo só mostra uma pequena parte da paisagem, míseros aspectos meticulosamente escolhidos para parecerem perfeitos. Vidas perfeitas não existem na realidade. Enquanto ele deseja ter uma vida profissional como a de seu primo, o outro gostaria de um pouco mais de tempo de descanso para passar com a família.

E antes de rolar as postagens do feed, ele deveria fazer uma filtragem do que acompanha. Não há motivo para seguir alguém cujas postagens o fazem sentir mal. Para que continuar vendo coisas que só geram frustração e indignação? 

É possível acompanhar as redes de uma forma mais saudável, vendo perfis que geram sentimentos positivos, de motivação e comunidade, que mostrem a ele que não está sozinho em suas preocupações e sua vida imperfeita. Ele também poderia ver perfis e páginas voltadas para o cuidado da saúde mental, há uma infinidade delas, com diversos psicólogos que atuam como criadores de conteúdo para esse fim.

E mesmo que isso não fosse suficiente, ele ainda poderia buscar ajuda profissional para lidar com as situações. Não importa como, ele deveria colocar sua saúde mental em primeiro lugar. Tanto na internet, quanto no almoço de família.
 


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