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09/04/2021 às 11h20min - Atualizada em 09/04/2021 às 10h26min

Amar na quarentena: benção ou desafio?

Uma retratação do dia a dia de um relacionamento em isolamento social

Hellen Almeida - Editado por Gustavo Henrique Araújo
Foto: Casal na quarentena | Reprodução: iStock
Clara...
 
Hoje posso afirmar: o amor nasce nos lugares e momentos mais improváveis, afinal, quando eu imaginaria que um sentimento como esse iria me atingir em meio a uma pandemia?! Certamente a hora mais inadequada... mas como minha avó costuma dizer: “estou colocando a carroça na frente dos bois”. Portanto, vamos do início, ok?!

Chamo-me Clara, e há pouco completei 21 anos (compartilhei essa história por aqui há algumas semanas, caso tenha interesse), e eu, que sempre fui o que conhecem como “anti-amor”, conheci alguém especial no último dia de liberdade social (depois o isolamento chegou na minha cidade).

Esse sentimento foi crescendo de forma tão singela em mim que quando notei sua presença já era tarde: começamos como conhecidos, depois colegas, amigos e, quando percebemos que um dia sem nossas conversas factuais simplesmente não era um dia bom, notamos ser amor recíproco (raridade, não?). Todavia, nada é perfeito...
 
Pois, visto que estamos em quarentena, ver a pessoa amada é um risco, mas estar sem ela presencialmente chega a ser tão doloroso quanto mil facas afiadas no peito.

Momentos em que a solidão vem sem aviso, a rotina excluída do mundo lhe causa ansiedade, o chefe crítica duramente aquele trabalho no qual passou semanas em claro para concluir... Casos já factuais no “mundo normal” são intensificados por toda a incerteza do caos atual,  e a única coisa que deseja é justamente a que não pode ter: aquele abraço daquela pessoa especial, o que te faz lembrar de como se respira.
 
Ainda assim, agradeço a evolução da tecnologia por tornar essa distância mais amena: assistindo a filmes remotamente aos fins de semana; conversas ao celular antes de dormir (que são tão boas que quando se nota, o primeiro raio de sol já está em sua janela); poder, apesar de tudo, criar boas lembranças...

Infelizmente, há dias em que as obrigações diárias fazem com que o tempo compartilhado seja mínimo e as conversas de boa noite sejam interrompidas bruscamente, pois alguém apagou em decorrência da exaustão.

Narradora...

Não é fácil e digo mais, muitas das vezes é desanimador, mas nem o diamante mais valioso se compara a saber que ao seu lado, nos bons e, principalmente, piores momentos, alguém fará o possível para lhe acolher e dizer: “eu te amo!”.

Manuel...

Conheci Clara da maneira mais inusitada possível, sendo bem honesto com você, eu nem queria ir àquela festa, mas meus amigos insistiram tanto que pensei: “será rápido, tomo apenas uma bebida e depois de meia-hora vou para casa."
 
Enquanto estava lá, fiquei irritado pela batida repetitiva e alta da música, conseguindo pensar apenas em como finalizar um trabalho que estava acabando com o meu mês.
 
Mas eis que um conhecido me apresentou Clara e não sei como, mas em instantes a batida anterior já não era incômoda, e esqueci de qualquer questão relacionada ao serviço.

Quando notamos estarmos apaixonados um pelo outro, fiquei extremamente feliz, mas preocupado, pensei: “tenho uma rotina tão apertada, como terei tempo para nós? E pior, com essa pandemia, apenas Deus sabe quando poderei finalmente tê-la em meus braços."
 
Há dias em que não quero sair da cama, recuso-me a levantar e passar o dia inteiro em frente a essa tela fria e tudo o que quero é estar com ela. Aliás, isso é surpreendente: ela tem uma habilidade nata de se fazer presente nos meus dias, mesmo que distante.
 
Exemplos: quando brigo com um colega de trabalho ou ainda um familiar, sinto que o mundo está prestes a cair, então desabafo com Clara, ela sempre me lê uma crônica engraçada do Moacyr Scliar, ou se grava tocando minha música favorita no teclado (instrumental acompanhado por sua voz, que apesar dela insistir ser desagradável, para mim é a melodia mais bela já ouvida).
 
Ela pintou uma tela e enviou para mim quando sabia que eu estava exausto dessa quarentena e que a queria ao meu lado. A tela tinha um fundo gradiente que ia do preto ao cinza ao branco, o único ponto de cor era as folhas azuis da árvore em frente. Com ela, veio uma carta: “para que tenha um pouco de mim no seu dia, e lembrar que, ao meu lado, você sempre terá calmaria em meio ao caos."
 
Ter uma relação no isolamento social é no mínimo desagradável, sinto medo de deixar a rotina me consumir, tornar sua presença algo comum nos meus dias e acabar não cuidando do que temos. Apesar disso, sei o quão forte é o que construímos a cada dia, e não imagino esta época angustiante sem ela ao meu lado (figurativamente falando, infelizmente).

Clara e Manuel...
 
Por qual razão decidimos compartilhar nossa relação com você? Porque sabemos que muitos estão passando pelo mesmo que nós. Infelizmente nem todos os casais têm a oportunidade de “quarentenar” juntos e isso entristece.
 
Naturalmente, uma discussão pode surgir (interpretar a intonação de algo escrito é complexo), contudo, apesar de todos os desafios, se realmente há amor e parceria, fiquem juntos, cuidem da relação de vocês como uma flor de pétalas delicadas que precisa de muita atenção.

Pois todos esses impasses valerão a pena quando o vírus for embora, e vocês poderão se ver, abraçar e beijar... mas principalmente estarão ali um para o outro como antes não era possível.
 
Narradora...

O amor na quarentena não é para todos, mas para aqueles que têm a sorte de encontrá-lo, vale a pena lutar.
 

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