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23/04/2021 às 10h47min - Atualizada em 23/04/2021 às 10h35min

“O amanhã não está à venda”

Livro com reflexões de um líder indígena sobre a pandemia e o futuro

Ianna Oliveira Ardisson - Editado por Andrieli Torres
Fonte/Reprodução: Google
Ailton Krenak, autor do livro “O amanhã não está à venda”, nasceu em 1953, na região do vale do rio Doce, território do povo Krenak. Ele é ativista do movimento socioambiental e de defesa dos direitos indígenas. Percebe-se que a luta dele nas décadas de 1970 e 1980 foi determinante para a conquista do “Capítulo dos índios” na Constituição de 1988. Em 2016 recebeu o título de doutor honoris causa pela Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais.
 
A realidade do povo Krenak é bem diferente da vivida nas grandes cidades. Ailton destaca que vivem refugiados no próprio território, em uma reserva de 4 mil hectares, há muito tempo. O isolamento vivenciado lá permite um contato amplo com a natureza, como exemplo do que se pode fazer na situação em que estão, ele cita que naquele dia em que escrevia já havia plantado milho e uma árvore, o contato direto com a natureza possibilita uma vivência diferenciada na quarentena.
 
Certa vez em uma conversa com engenheiros sobre a situação do rio Doce, para recuperação do mesmo, Ailton foi advertido que o mundo não podia parar que isso era impossível, e de repente, em 2020 o mundo parou. O isolamento social tornou-se uma realidade mundial. A pausa que parecia impossível tornou-se o normal.
 
Ailton considera que a situação de tantas mortes pelo mundo devido à pandemia possa gerar um despertar no ser humano sobre a importância da vida. A dor da perda incomoda e leva-nos a questionar o sentido do que é ser humano, ele afirma:
“Essa dor talvez ajude as pessoas a responder se somos de fato uma humanidade.”
 
Tratar como “natural”, normal, que tantas pessoas vivam em grande miséria sem chance de sair dela, é uma das questões apontadas pelo autor que merecem ser repensadas. Não é natural uns terem tanto e outros viverem com quase nada, é preciso questionar o porquê de olharmos para isso como irremediável.
 
“A natureza segue. O vírus não mata pássaros, ursos, nenhum outro ser, apenas humanos.”
É importante perceber esse alerta feito pelo autor, além disso ele considera que os povos humanos é que estão “em pânico” com a situação e funcionamento do “mundo artificial” criado por eles mesmos. Nos horrorizamos com a destruição trazida pelo vírus e continuamos destruindo florestas, rios e animais, é o que Ailton pondera.

Pensar a Terra como uma coisa e nós, humanidade, como outra é uma falha que cometemos de acordo com o autor. Não somos algo separado, superiores e donos do restante, é preciso ter ciência de que “tudo é natureza”.

 
Ailton ao perceber a Terra como “mãe” a considera como aquela que cuida e quer nos fazer aprender algo com esse “recolhimento” que nos foi imposto:
“Filho, silêncio. A Terra está falando isso para a humanidade. E ela é tão maravilhosa que não dá uma ordem. Ela simplesmente está pedindo: ‘Silêncio’. Esse é também o significado do recolhimento.”

O que temos é o hoje. Acostumamo-nos a fazer planos como se tivéssemos controle do futuro, isso revela a arrogância humana. O autor expressa a ligação dele com o presente:
“Há muito tempo não programo atividades para ‘depois’. Temos de parar de ser convencidos. Não sabemos se estaremos vivos amanhã. Temos de parar de vender o amanhã.”

Voltar para a “normalidade” tem sido o anseio de muitos. Entretanto, a reflexão proposta, com tantas mazelas evidenciadas e agravadas pela pandemia, é a de que se precisa de um novo jeito de viver diferente daquele “normal” com o qual estávamos acostumados. Como será o amanhã? O que temos para viver é o hoje, não se sabe se haverá a possibilidade de um “ano que vem”. Adiar compromissos apenas e ajustá-los a um novo calendário não é o que devemos fazer. Somos convidados a olhar para o que realmente importa. Ailton considera que não podemos voltar àquele ritmo de vida e tem esperança  em não voltar à “normalidade”:
“Tomara que não voltemos à normalidade, pois, se voltarmos, é porque não valeu nada a morte de milhares de pessoas no mundo inteiro.”

Vale a pena a leitura de “O amanhã não está à venda”, é um livro pequeno e cheio de ricos detalhes que nos fazem perceber melhor o mundo que nos rodeia. É preciso entender que o amanhã não pertence a nós, cheios de certezas fazemos planos para um futuro de forma arrogante como se tivéssemos controle sobre o que virá, a leitura da obra nos desperta para essa compreensão da nossa pequenez e impotência diante da vida. A convocação imposta a nós nesses dias de confinamento, foi a de parar e perceber o todo do qual somos parte.
 

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