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21/05/2021 às 10h22min - Atualizada em 21/05/2021 às 10h07min

“Elogio da vaidade”: um conto instigante de Machado de Assis

Para refletir sobre a vaidade e modéstia como características pessoais

Ianna Oliveira Ardisson - Editado por Brenda Freire
Fonte/Reprodução: Google
“Desejo imoderado de atrair admiração ou homenagens”, essa é uma das definições da palavra vaidade encontrada no dicionário Aurélio. Característica comum de quem busca ser admirado e notado, essa atribuição faz parte da personalidade humana. No conto “Elogio da vaidade”, Machado de Assis dá voz à essa particularidade e a transforma em um personagem. Ela que vangloria-se da sua importância na sociedade e na vida de cada um, quem pronuncia um elaborado discurso em elogio a si,  encarna perfeitamente essa definição do desejo de ser percebida, admirada, louvada e engrandecida. Em contrapartida, ela se compara com a “Modéstia” sempre em busca de apontar a inferioridade dessa, em relação a si mesma, que vez ou outra nos freia em nossa autoadmiração.

Cláudia Parreira, professora de literatura, faz uma breve análise do momento histórico da publicação do conto e relata que “no ano de publicação do conto, 1878, a literatura ainda era considerada romântica, mas Machado de Assis, antes da consagração do movimento realista já escrevia contos com essa característica. Em “Elogio da vaidade” a crítica social, a ironia, o humor ácido e o pessimismo são representados pela ideia de que os homens são todos vaidosos e mal-intencionados”, afirma.

Cláudia  também comenta sobre o autor, “Machado de Assis é o grande representante da Literatura Brasileira do século 19. Sua biografia é de destaque, uma vez que era mulato, gago e filho de um pintor de paredes, assim, rompeu limites a partir desse cenário. Foi jornalista e um observador inquieto do comportamento humano, o que se manifesta em seus contos. Sua escrita é de um estilo conciso, frases curtas e diretas e, por essa razão, de uma crítica mordaz e cortante.”, explica.

A “Vaidade”, ao se apresentar na obra define-se como a primeira das virtudes, embora alguns a classifiquem como vício. Desde cedo aprendemos que ser modesto é uma qualidade e ser vaidoso não é muito admirável. No conto, essa personagem procura nos convencer que está presente em todos os lugares: desde o salão do rico ao albergue do pobre. A vaidade é um traço da personalidade do ser humano e ao olharmos para nós mesmos e nossas atitudes, certamente, a encontraremos, assim como o autor retrata sobre essa procura: “busca-me em ti mesmo, nas tuas botas, na tua casaca, no teu bigode; busca-me no teu próprio coração.”

Além disso, Machado de Assis deixa explícita a crítica em relação aos comportamentos vaidosos da sociedade, Cláudia Parreira percebe essa posição atrelada à moral cristã. “A crítica ao comportamento vaidoso do homem no conto é inquietante, uma vez que a vaidade, em sua defesa, se associa ao prazer, à alegria e à realização. Interessante perceber como a personagem vaidade se apresenta como protagonista em ações de modéstia como o perdão, o cavalheirismo, o companheirismo.”, relata.

A professora completa que, “[...] Com um olhar mais humanista para nós mesmos, sem as lentes da moral cristã, vejo a crítica presente no conto de Machado como uma realidade que não é digna de penalização, uma vez que a própria vaidade no conto diz: “ porque se o amor de mãe é a mais elevada forma do altruísmo, o dele é a mais profunda forma de egoísmo, e só há uma coisa mais forte que o amor materno, é o amor de si próprio.” Quem pode ser julgado por amar-se a si mesmo?”, diz.

É a presença da vaidade em nós que nos leva a ter certas atitudes como comprar os mais diversos bens e adornos para que quando os outros olhem para nós, de certa forma, nos apreciem. A vaidade nos impulsiona a certos comportamentos. Em um trecho de “Elogio e Vaidade”, o escritor traz essa abordagem da seguinte forma: “E tu, que nada tens, porque aplicas o salário de uma semana ao jantar de uma hora, senão porque eu te possuo e te digo que alguma coisa deves parecer melhor do que és na realidade? Por que levas ao teu casamento um coche, tão rico e tão caro, como o do teu opulento vizinho, quando podias ir à igreja com teus pés? Por que compras essa joia e esse chapéu? ”, afirma.

Vivemos em um tempo de grande exposição das pessoas em redes sociais e no ambiente virtual como um todo. Nota-se a vaidade presente cada vez mais nas nossas interações pelas diversas telas. A psicóloga Isadora Marques analisa essa exposição relacionada a vaidade pessoal, para ela “o avanço da tecnologia contribuiu com o surgimento de novas formas de comunicação e interação entre as pessoas. Prova disso são as redes sociais que chegaram para ficar. Se antes era possível diferenciar o público do privado, hoje é cada vez mais comum a superexposição nas telas.”, conta

E completa a análise, “de famosos a anônimos, todos querem compartilhar um pouquinho da rotina e esse comportamento está sim relacionado à vaidade que, nesse contexto, nada mais é do que uma tentativa, quase que desesperada, pelo reconhecimento e aprovação a partir do olhar do outro.  A avaliação que pode ser feita, diante desse fenômeno, é que esse outro vai assegurar a partir de curtidas, comentários e compartilhamentos que determinada pessoa está sendo aceita e inserida uma cultura predeterminada”, diz.

Percebe-se, também, em nossa sociedade a necessidade crescente das pessoas em alimentar sua vaidade para se sentirem melhor. A busca pela aprovação dos outros é uma tendência humana cada vez mais evidente, principalmente no mundo virtual, com as diversas redes que conectam as mais diversas pessoas.  Isadora avalia o porquê dessa necessidade:
“[...]Muitas vezes imaginamos que só seremos felizes ou alcançaremos o sucesso com o retorno positivo de nossos pares e quando encontramos essa ratificação na sociedade temos uma vivência gratificante de aceitação o que faz com que nossa vaidade seja alimentada e endossada. Isso nos faz sentir melhores e, por consequência, contribui para que o comportamento se repita.”, explica.

A “Vaidade” em seu discurso enuncia algo que percebemos com frequência nas atitudes das pessoas, a personagem fala sobre ter a “vaidade da modéstia”, seria o que chamam de falsa modéstia. Alguns não admitem ser vaidosos e acabam apresentando essa característica disfarçada na modéstia, mostram-se e buscam reconhecimento, entretanto se justificam tendo em vista suas boas ações para um bem maior, para o bem dos outros. Dentro dessa perspectiva, a “Vaidade” destaca no conto, que vive da opinião e para a opinião. Em uma ação de gentileza feita por alguém, por exemplo, ela está presente quando a intenção é ser visto pelos outros e admirado devido ao seu bom gesto e, assim, fazer com que os outros tenham uma boa opinião sobre a pessoa que pratica tal atitude de gentileza.

A psicóloga Isadora faz uma apreciação geral sobre sua percepção a respeito da modéstia e vaidade na obra apresentada. Ela explica que, “no conto a vaidade tenta demonstrar sua importância fazendo sua própria exaltação e se mostrando fundamental para uma vida cheia de reconhecimento que geraria felicidade e êxito. Para provar isso, ela tenta inferiorizar a modéstia e afirma que esta, na realidade, se trataria de um obstáculo para aqueles que desejam o sucesso e a aceitação alheia. Trazendo o contexto do conto para a vida real é importante salientar que durante o desenvolvimento humano as pessoas constroem a percepção de mundo e até mesmo a autoestima a partir das experiências com o ambiente e com os indivíduos que as cercam.

Nesse sentido, a alimentação da vaidade com retornos positivos dos adultos que são responsáveis pelos cuidados de uma criança, por exemplo, são fundamentais para a constituição de uma autoimagem positiva e saudável. A grande questão é, como no conto, quando as pessoas só conseguem prosseguir e encontrar satisfação tendo a vaidade alimentada positivamente. Por isso uma dose de modéstia de vez em quando é fundamental para percebemos a realidade e sabermos lidar com as frustações que estamos sujeitos a enfrentar no dia a dia”, diz.

Precisamos ser críticos em relação à presença da vaidade na sociedade e em nossas vidas. Parar, olhar e analisar se nosso comportamento traz algum tipo de prejuízo a nós, se nos faz mal de alguma forma. Nada que nos vicie compensa, um comportamento vaidoso pode se tornar algo do qual dependemos para estar bem e isso não é saudável. Como dizem, tudo em excesso é prejudicial, acredito que isso se aplica também a nossa vaidade. A moderação é sempre bem-vinda, nesse contexto, um pouco de modéstia para equilibrar faz toda a diferenç
a.
 
 
 


 
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