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13/06/2021 às 20h45min - Atualizada em 11/06/2021 às 18h02min

Shailo e seu baú: um reflexo dos sentimentos humanos aos olhos de Marcos de Sá

Marcos de Sá irá lançar a versão impressa de seu livro 'O Baú de Shailo', que trata sobre transtornos mentais, em julho pela editora Flyve.

Jennifer Valverde - Editado por Talyta Brito
Reprodução: Jez Timms - Unsplash.com

“Por que sempre tenho que perder tudo o que amo? Ouvi no rádio alguma coisa sobre o Asteroide Florence. Ele passaria nessa noite e só voltaria a ser visto em 2500, ou seja, não estarei mais aqui. Talvez essas ondas já tenham devastado toda a orla, ou quem sabe nem haverá mais mundo.”, trecho da obra ‘O Baú de Shailo’.

 

O autor Antônio da Silva de Sá (Marcos de Sá), 34 anos, residente de Fortaleza (CE), irá lançar em versão impressa o seu livro ‘O Baú de Shailo’ em Julho, que conta a história de Shailo, uma garota de 20 anos a procura de emprego que busca seguir sua vida sem depender da sua família desordenada; mas quando um suícidio ocorre em sua casa, uma cadeia de segredos começam a aparecer contrariando a todo custo a sua vontade de escondê-los.



A obra aborda temas pulsantes e difíceis, muitas vezes, de serem digeridos, como no caso do transtorno de ansiedade, depressão e suícidio; assuntos esses que em época de pandemia ganharam mais espaço e visibilidade por conta da incerteza e dor que a Covid-19 trouxe ao mundo. 

 

Segundo dados de 2020 da Organização das Nações Unidas (ONU) retirados do site Senado Notícias, o Brasil é campeão mundial em casos de transtorno de ansiedade e ocupa o segundo lugar em transtornos depressivos que podem levar ao suícidio. O que é bastante contrastante já que o país é considerado por muitos um local de população alegre e acolhedora, mas que tem um percentual grande de desemprego e uma base salarial insuficiente, o que reforça a necessidade de se falar sobre esse tema, ainda mais na literatura. Para o autor Marcos de Sá, escrever sobre as dificuldades de Shailo não foi muito difícil, já que ele assim como muitos brasileiros passam por processos parecidos, então, Marcos se encontrou com lugar de fala e de ação, o que o motivou a escrever a obra. 

 

“Primeiro, por eu também ter sido diagnosticado com TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada). Segundo, porque como  escritor, me sinto mais seguro em abordar temas que me tocam. Não necessariamente o que vivencio em minha própria experiência, mas a história foi fluindo de uma maneira incomum.”, explica.

 

O autor conta que precisou pesquisar bastante, não somente sobre assuntos de saúde mental, mas também sobre o ser mulher, já que a história gira em torno de mulheres. Ele revela que não se inspirou somente em uma mulher específica, mas em várias, sejam da sua própria família à até mulheres que ele viu na televisão. 

 

“Tem partes da minha mãe, da minha irmã, da minha avó, de amigas, de pessoas que não conheço, mas me tocaram em muitos momentos.”, conta.

 

Nas palavras do autor, Shailo é um misto de sonhadora, caótica e profunda. Uma garota da periferia que nutre um mundo sem conseguir abri-lo. E mais que isso, uma representação de pedaços de várias pessoas.



 

“Ela é a representação mais fiel que consegui juntar dos pedaços que encontrei.”, ressalta o autor. 

 

Para Marcos que veio de uma família sem artistas e que nunca foi incentivado a escrever, criar a obra ‘O Baú de Shailo’ foi um ato de resistência, ainda mais por não ter formação acadêmica e ser discriminado por isso, mas ele afirma que sabe quem é e o que faz; e seu chamado a escrita ultrapassa todas as barreiras da desigualdade,o que contrasta com a sua protagonista que tenta alcançar um novo rumo de sua vida, mesmo sem tantas oportunidades e sem incentivo familiar adequado. 

 

“Eu venho de uma família que não tem artistas, nunca fui incentivado à leitura ou à cultura e em grande parte devido a desigualdade social. Naturalmente, não sei como, me inclinei à arte como o teatro, a música e a literatura. Não tenho formação acadêmica, o que me rende muito olhar torto como se me negassem algum respaldo, porém eu sei quem sou e o que faço.”, conta. 

 

A pré-venda da obra será lançada em Julho através do site da Editora Flyve, sendo um evento virtual no Instagram  por conta da Pandemia. O autor adianta que ao comprar o livro, o leitor estará participando de uma ação social que acarretará na doação de uma obra a outra pessoa. Ele explica que para saber mais sobre, os leitores devem estar atentos na sua conta no Instagram @eu_marcosdesa. Por fim, o escritor deixa um recado para aqueles que querem fazer da escrita sua vida, mas não enxergam meios de se fazer isso.

 

“Se isso realmente está em você, a regra é desprezar a regra! Por que a regra é sempre excludente para gente como eu! Você vai lidar com muitas comparações, com uma vitrine de renomes, com muita gente falando muita coisa, mas se você é movido por isso, de verdade, eu aconselho se disciplinar, ler aquilo que te toca, levar a sério seu propósito e fazer! Apenas fazer! Não é difícil, é desafiador!!! E extremamente maravilhoso quando o resultado começa a surgir.”, aconselha.


 

Entrevista com Marcos de Sá

 

Jennifer Valverde: Sobre a obra, quando foi que você teve a ideia de criá-la? 
 Marcos de Sá:  Um dia ao assistir uma matéria na Tv apontando o Brasil como o páis que assumiu o ranking número 1 em casos de transtorno de ansiedade generalizada principalmente entre jovens, me tocou muito. Primeiro, por eu também ter sido diagnosticado com TAG. Segundo, porque como escritor, me sinto mais seguro  em abordar temas que me tocam. 

JV: Qual foi sua maior dificuldade para escrever ‘O Baú de Shailo’?

 

MS: A preocupação excessiva com a coesão e a coerência. Como a história fala de muitas mulheres, e eu não tenho propriedade para falar intimamente (o motivo é óbvio, rs) precisei analisar muitos aspectos como a diferença do corpo, da TPM, da desigualdade social ainda existente, então pensar em uma história verossímil foi uma ousadia e o maior desafio. Tudo precisava ser muito respeitado. E eu escrevia e parava bastante para refletir sobre o que estava sendo feito. Tem cenas que são narradas na Europa, e apesar de nunca ter ido, não senti tanta dificuldade quanto abordar com verdade a vida de uma mulher. A pesquisa pode ser complexa, mas é mais fácil do que sentir alguém que não seja você.

 

JV: Você se inspirou em alguma mulher específica, em algum ponto?

 

MS: Costumo dizer que meus personagens trazem muita verdade. E eu tento falar de uma outra maneira como se fizesse uma fusão de pessoas, personalidades, acontecimentos reais e óbvio, uso a ficção. Não há ninguém específico, porém em toda página tem parte de alguém ou de alguma história que me tocou. Eu lembro muito de uma moça na matéria da TV chorando numa fila do posto de saúde implorando por atendimento à sua crise de ansiedade. Eu lembro de uma menina largada na praia, vendendo alguma coisa e depois entrando num beco escondido entre prédios luxuosos. Tem partes da minha mãe, da minha irmã, da minha avó, de amigas, de pessoas que não conheço, mas me tocaram em muitos momentos.

 

JV: Dentro disso, me conte um pouco como foi sua pesquisa sobre o tema, quem contatou, etc.

 

MS: Eu havia concluído meu primeiro livro, e estava atento a novas narrativas. O que me move de início sempre é o tema. Após defini-lo, adoto um caderno para muitas anotações, e fico me perguntando: em quais personagens essas cenas se encaixam. Daí vão surgindo protagonistas, antagonistas e afins. E como consequência a vida desses personagens vão se solidificando, então vem a personalidade, os cenários e os temas secundários. No caso, de ‘O Baú de Shailo’, pesquisei sobre o transtorno de ansiedade, história da praia de Iracema (Fortaleza, CE) que é o cenário principal, visitei diversas vezes os locais da narrativa para sentir os cheiros, os sons e como as pessoas se movem.

Eu já participava de um grupo no Facebook composto por pessoas com transtornos mentais e emocionais, e ouvi muitos relatos que me ajudaram bastante (a realidade é sempre a melhor pesquisa). Essa interação me trouxe à luz muitas ideias. Para cada detalhe existiu uma pesquisa, como o Jardim de keukenhof na Holanda, a rua Langstrasse na Suíça, o navio encalhado Mara Hope em Fortaleza, o asteroide Florence, são tantos detalhes que costurei. Difícil lembrar tudo.

 

JV: Pensando nisso, quem é Shailo e por que ela é importante?

 

MS: A Shailo é uma garota de vinte anos, periférica, sonhadora, caótica, profunda, que sustenta um mundo sem abri-lo. Ela é a representação mais fiel que consegui juntar dos pedaços que encontrei. Ela carrega uma história de amor profundo, silêncios que nunca encontraram alento, preconceitos que são tão  devastadores quanto os sintomas físicos, a dificuldade de buscar ajuda nos contextos de desigualdade social e penso que isso se aproxima das pessoas principalmente em tempos como esse.

 

JV: Certo, além de falar de uma forma mais descontraída sobre assuntos pesados... Qual é a principal mensagem como autor que você quer passar ao leitor?

 

MS: Eu desejo que o leitor desfrute de uma boa narrativa, que esqueça do mundo ao redor e mergulhe no interior da Shailo, da Suzana, da Liliane e de tantos outros. Almejo que se envolva nos mistérios, nas emoções escondidas nas entrelinhas das ações, e se possível, caso se identifique com os temas abordados compreenda que nós vamos passar a vida inteira nadando contra correntezas que tentam nos levar de volta  à ilha e que não há nada a fazer a não ser continuar nadando. Viver às vezes é isso mesmo. E a gente só descobre quando insiste, resiste, persiste! A Shailo me ensinou demais!

 

JV: Em todo esse processo de escrita, o que você mais aprendeu como escritor através da produção dessa obra?

 

MS: É uma escola, literalmente. Em todo aspecto que se imaginar, extraio coisas significantes. Primeiro, porque acredito que nenhum escritor consegue desenvolver algo sem um texto escrito. Ele é a obra prima a ser trabalhada. Aprendi desde erros de gramática à reflexão se tudo ficou bem coeso. Além das questões pessoais que envolvem os temas abordados e me oportunizaram ver um pouco melhor a humanidade nos outros e em mim.

 

JV: Conta um pouco como vai ser o lançamento, pretende trazer alguma programação especial ao seu público nas suas redes?

 

MS: A pré-venda será no mês de julho através do site da Editora Flyve. O lançamento, devido ao isolamento social, vai ser virtual através do perfil no Instagram. Ainda não sei se conseguirei organizar algum momento presencial, mas posso adiantar que comprando um livro o leitor vai participar de uma ação social e dar de presente um livro a outra pessoa. Tem que ficar ligados no @eu_marcosdesa para descobrir!!!

 

JV: Que conselho você dá a quem quer se arriscar na literatura?

 

MS: Eu venho de uma família que não tem artistas, nunca fui incentivado à leitura ou à cultura e em grande parte devido a desigualdade social. Naturalmente, não sei como, me inclinei à arte como o teatro, a música e a literatura. Não tenho formação acadêmica, o que me rende muito olhar torto como se me negassem algum respaldo, porém eu sei quem sou e o que faço. Se isso realmente está em você, a regra é desprezar a regra! Por que a regra é sempre excludente para gente como eu! Você vai lidar com muitas comparações, com uma vitrine de renomes, com muita gente falando muita coisa, mas se você é movido por isso, de verdade, eu aconselho se disciplinar, ler aquilo que te toca, levar a sério seu propósito e fazer! Apenas fazer! Não é difícil, é desafiador!!! E extremamente maravilhoso quando o resultado começa a surgir. Não falo de vendas, e sim de fazer o que se gosta e se doar de verdade a isso. Se quiser entrar, entra de verdade. Não pense muito! Quem pensa demais, nunca faz. É isso!


 

 

 


 
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