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03/07/2021 às 21h20min - Atualizada em 03/07/2021 às 21h20min

Inclusão a bordo

Experiências da vela adaptada no Lago Paranoá

Mariana Albernaz - Colaboração Lab Dicas Jornalismo
Atletas em dia de treinamento no Lago Paranoá. Foto: Mariana Albernaz
Mauro Osório, 58 anos, é presidente da Federação Brasiliense de Vela Adaptada (FBVA) e idealizador do projeto Vela Para Todos, que há 12 anos permite que pessoas com deficiência tenham condições de praticar o esporte. Para ele, velejar é um esporte muito bonito, pois possibilita aos praticantes a sensação de independência, já que eles passam a conduzir os barcos por conta própria.

Ao fundar a FBVA e criar o projeto, Mauro tinha o sonho de proporcionar melhora na qualidade de vida das pessoas e colocar em prática o que ele chama de inclusão reversa, quando crianças sem deficiência interagem com crianças com deficiência, promovendo a igualdade entre ambos. Além disso, ele sempre teve o desejo de tornar o esporte acessível a todos, algo que a iniciativa conseguiu alcançar.

Pela experiência, Mauro afirma: “Para as pessoas com deficiência, a prática de atividade física é uma oportunidade de recomeçar, aumentar a autoestima e melhorar a qualidade de vida, porque o exercício contribui para a manutenção da saúde e do bem-estar. Além disso, quem veleja tem a sensação de controle e liberdade, tudo ao mesmo tempo. Isso porque, muitas vezes, é o único momento que elas têm para controlar suas vidas e, ao mesmo tempo, aproveitar a imensidão do Lago, sem pressões ou rótulos da sociedade.”

O presidente da Federação ressalta ainda que, muito mais do que uma prática saudável, o esporte também proporciona a oportunidade de participar de competições. “A FBVA, em conjunto com outros órgãos, promove campeonatos voltados para pessoas com algum tipo de deficiência, seja física, intelectual ou visual. Além do propósito de ampliar o número de alunos do projeto Vela Para Todos, ainda temos a possibilidade de formar novos velejadores, tanto com intuito recreativo, para passeios no Lago Paranoá, quanto com a intenção de formar futuros atletas e paratletas.”

 
O projeto se mantém financeiramente com o patrocínio do Banco de Brasília (BRB) desde 2016. A Federação já participou de diversos programas, com o objetivo de conseguir verba e barcos. Porém, sempre existem demandas, que dependem de doações por parte dos empresários do Distrito Federal. Por exemplo, há dois anos eles tentam conseguir um novo cais flutuante para melhor embarcar os alunos com deficiência física. Como a verba dos patrocinadores não consegue dar conta de tudo, os participantes do projeto contam com alternativas oferecidas pelo governo.

A Secretaria de Estado de Esporte e Lazer do Distrito Federal (SELDF) criou programas como o Bolsa Atleta e o Compete Brasília. O primeiro consiste em um patrocínio de atletas e paratletas de alto rendimento, que obtêm bons resultados em competições nacionais e internacionais de sua modalidade. Ele garante condições mínimas para que se dediquem, com exclusividade e tranquilidade, aos treinamentos e competições, sejam locais, sul-americanas, pan-americanas, mundiais, olímpicas ou paralímpicas.

O Bolsa Atleta, um projeto de patrocínio individual criado em 2005, é concedido pelo prazo de um ano e o valor mensal depende da classificação dos atletas e dos níveis da modalidade, de acordo com a legislação vigente. Desde 2012, de acordo com a Lei 12.395/11, o candidato pode ter outros patrocínios. Assim, um atleta renomado pode ter a bolsa e contar com mais uma fonte de recursos.

De acordo com o site do Ministério da Cidadania, dentre os 7.427 atletas que fizeram inscrição para o edital de 2020/21, 5.560 pessoas, o que corresponde a 77,3% dos inscritos, são do esporte olímpico, ou seja, não possuem deficiência. Já os outros 1.637 (22,7%) deles são de esportes paralímpicos. Um número ainda pequeno, que pode indicar que pessoas com deficiência têm mais dificuldades de acesso ao esporte.

 

O programa Compete Brasília, que também tem como objetivo incentivar a participação de atletas e paratletas em campeonatos nacionais e internacionais, concede transporte aéreo (destinos nacionais e/ou internacionais) e/ou transporte terrestre (destinos nacionais). Segundo as regras, a concessão de transporte terrestre é feita somente por pessoa jurídica de direito privado, uma “entidade esportiva”. Já os transportes aéreos são concedidos por pessoa natural, sendo ela atleta.

Em 2019, ocorreu o Campeonato do Distrito Federal de Vela Adaptada. Os três primeiros colocados garantiram o recebimento do Bolsa Atleta, além de vagas na competição que aconteceria na Califórnia, em 2020. Em decorrência da pandemia da Covid-19, o evento foi cancelado. Este ano, porém, foi divulgado que ocorrerá o Campeonato Internacional de Palermo, na Itália, e os três campeões de 2019 têm a chance de competir.

Estevão Lopes, advogado e educador físico, é um dos integrantes do Vela Para Todos. Ele ficou paraplégico após uma bala perdida o atingir em 2012, quando estava com 34 anos e saía de uma festa de aniversário no Riacho Fundo. Aos 43 anos, é paratleta renomado, e já participou de diversos campeonatos, tanto nacionais quanto internacionais, chegando a conhecer mais de 30 países.

“Conheci o Vela Para Todos por meio da indicação do responsável por atividades náuticas do Hospital Sarah Kubistchek. Viajei para mais de 30 países como competidor, mas os principais campeonatos, para mim, foram no Japão, na Holanda e Alemanha. Através da prática da vela, melhorei minha autoestima e a sensação de bem-estar, além de ter ganhos físicos como controle de tronco e melhora dos músculos superiores. Mas o principal foi a socialização, poder contribuir com outras pessoas e servir de exemplo para elas.”

Em 2014, Estevão conheceu o projeto por intermédio de profissionais do Hospital Sarah Kubitschek, um dos parceiros da FBVA. De lá para cá, acumula títulos: bicampeão brasileiro de vela adaptada, tetracampeão brasiliense da modalidade e, em 2018, ele ficou entre os dez melhores do mundo na classe aberta do mundial, em Hiroshima, no Japão.

Ao participar do Campeonato do Distrito Federal de Vela Adaptada e ficar entre os três primeiros colocados, Estevão garantiu sua vaga no campeonato de Palermo. Durante a pandemia, ele continuou estudando a teoria, através de aulas remotas oferecidas pelo Vela Para Todos, e continuou a se exercitar, para manter a força física dos membros superiores e esperar o retorno das aulas presenciais sem perder a forma.

Além do projeto, Estevão é sócio fundador da Capital do Remo com o amigo Eduardo Freitas. Juntos, eles construíram, em 2016, a sede da Capital no Clube Nipo, no setor de Clubes Esportivos Sul. A ideia é formar atletas e ser, também, uma opção de lazer. Após problemas com o local que servia de “central” para o Vela Para Todos, eles cederam o espaço para que ambas as escolas funcionassem ali.

“Oferecemos a sede da Capital do Remo em 2019, quando o projeto ficou sem um lugar físico para realizar os treinamentos e, por isso, corria o risco de acabar. Então, arrumei um espaço dentro da Capital para abrigar os equipamentos da vela e ficamos todos muito felizes de juntar as duas escolas”, conta Estevão.



A Capital do Remo reúne mais de 50 barcos, comprados por Eduardo e Estevão, que são utilizados para remo olímpico, remo paralímpico, canoagem, paracanoagem, canoa havaiana, SUP e vela adaptada, é claro. Além dessas embarcações, outras 14, utilizadas pelos alunos do projeto, foram doadas pela Embaixada da Austrália. Recentemente, mais 12 barcos chegaram ao inventário, após uma parceria com o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e o Ministério do Esporte.

A questão da acessibilidade

Dentro do Clube Nipo, a Capital do Remo foi pensada para promover uma melhor acessibilidade para as pessoas com deficiências. As rampas de acesso, tanto para entrar em sua sede, quanto para chegar até a beira do Lago, contribuem para uma melhor locomoção. Além disso, eles contam com uma equipe treinada para ajudar os paratletas. No entanto, como o depoimento de alguns dos atletas revelou, nem todos os lugares são acessíveis.

As calçadas são de tamanhos diferentes; postes de iluminação ficam no caminho; rampas não existem em algumas ruas ou até mesmo em prédios comerciais; há pouca adaptação para pessoas cegas; os banheiros de locais públicos, muitas vezes, não oferecem o suporte necessário para cadeirantes; e a lista continua.

Nossa sociedade ainda não é desenvolvida o suficiente para que todos se sintam acolhidos. "Hoje, você lidar com o esporte adaptado não é fácil, as dificuldades são imensas. Mas, muito além do meio esportivo, no dia a dia, aqui no Distrito Federal, também é complicado ver acessibilidade nos ambientes", relata Estevão.

Histórias de exemplo

Eduardo, de 29 anos, é apaixonado pelo remo desde a época da faculdade. Ao fundar a Capital do Remo junto com Estevão, tinha em mente a criação de uma escola onde pudesse implantar suas próprias ideias. “O grande potencial do esporte é seu lado social, quando este é capaz de chegar a quem normalmente não teria acesso a alguma atividade física ou algum tipo de lazer, sendo por questões financeira ou de acessibilidade”, observa.
Além de uma escola, a Capital do Remo visa oferecer mais acessibilidade para pessoas com deficiência, e Eduardo tem em mente o próximo passo: “Queremos lançar um projeto social que consiga atender pessoas de baixa renda, em especial crianças. Nas aulas, que serão ministradas na prainha da Capital, os participantes poderão aprender a remar um caiaque”.

De acordo com Estevão e Eduardo, constantemente precisam de voluntários para ajudar com os atletas e a organização, então sempre estão abertos para a comunidade, que podem conhecer os projetos através das redes sociais da Capital e da Vela e da indicação de amigos. 

José Junior, 36 anos, é fisioterapeuta e um dos voluntários do Vela Para Todos. Ele conheceu o projeto em 2014, quando um de seus pacientes foi convidado a se juntar, e em 2015 se voluntariou. Segundo ele, o trabalho com os atletas é voltado para a prevenção de lesões e para avaliação de incômodos no pré e pós treino, atentando-se para os cuidados com os membros superiores, mais trabalhados durante a prática da vela.

“O esporte tem grande impacto na vida dos atletas, pois ajuda no fortalecimento da musculatura superior e no condicionamento físico. O alongamento feito antes de cada treino também colabora para a manutenção da saúde do corpo, já que prepara os músculos para a atividade física e evita possíveis lesões que o esforço físico possa ocasionar.”
 

Liberdade

Aos 14 anos, Beatriz Mendes é atleta do Vela Para Todos, participou do Campeonato do Distrito Federal de Vela Adaptada, em 2019, ganhou em primeiro lugar e garantiu sua vaga no Mundial, previsto para 2020 e cancelado em decorrência da pandemia da Covid-19. Bia poderia participar da disputa internacional este ano em Palermo, na Itália, mas diz não se sentir preparada e acha melhor esperar outra oportunidade. Para a mãe da adolescente, a jornalista Sâmia Mendes, e o pai, Flávio Ferreira, funcionário do Banco de Brasília (BRB), a experiência da filha reúne resultados positivos.

“Quando ela começou a velejar, era uma criança, então eu ficava um pouco preocupada de ver ela no barco. Hoje sei que ela é capaz, tenho muito orgulho e vejo o quanto ela evoluiu e melhorou na prática. As competições a ajudam a ter um objetivo, se desafiar e continuar sua evolução. Vejo ela velejar e me sinto tranquila, além de me sentir muito orgulhosa pela minha filha”, diz Sâmia.




Bia tem uma lesão na coluna, que compromete os movimentos de suas pernas e a impede de ter mobilidade plena, mas jamais deixou de enfrentar desafios e assim começou a velejar aos 7 anos, desde então não largou mais o barco: “Uma das coisas que mais gosto quando estou velejando é a sensação de liberdade e o vento no rosto. Velejar me ajudou muito a melhorar o equilíbrio, principalmente por trabalhar o quadril durante a prática e nos exercícios”.

Os benefícios

Os atletas que velejam descrevem o esporte como algo bonito, capaz de permitir aos praticantes a sensação de independência, já que são eles que estão no controle do barco e de suas próprias vidas durante os treinos e competições. Beatriz conta: “Quando estou velejando, me divirto. Me sinto livre, como se pudesse ir para qualquer lugar. Velejar é uma ótima maneira de relaxar, aproveitar o vento e ter um tempo só para você”.

O psicólogo Rafael Sfreddo, de 42 anos, trabalha com psicologia esportiva e fala sobre como o esporte pode beneficiar os atletas e ajudar na inclusão de pessoas com deficiência na sociedade. “A prática de atividade física aumenta a produção de neurotransmissores no organismo, como endorfina, serotonina e adrenalina, que propiciam a recuperação do sentido de dignidade. Além disso, o indivíduo pode se reinventar e participar da sociedade de maneira mais confiante.”



 
Experiência única: explosão de emoções
 
Para mim, uma pessoa sem deficiência e com total mobilidade, quando participei de uma aula de vela, pude perceber, observando os atletas, uma espécie de explosão de emoções: alegria, satisfação e a demonstração de realização.

Durante o passeio com eles, pude aprender a controlar o barco e tive o prazer de compreender a sensação de liberdade ao assumir o comando da navegação, apesar do desafio de ter o meu primeiro contato com a embarcação em um dia de muita ventania.

A melhor parte de navegar foi, na verdade, estar com os atletas e professores da vela. Todas as pessoas são muito acolhedoras e prestativas. A vontade que dá é de ter uma aula todo dia, para ouvir as histórias de cada um que faz parte do projeto e, claro, passar horas aproveitando a vista. Estar no Lago Paranoá, em um dia de sol e vento fresco, com pessoas acolhedoras, praticando um esporte diferente e aprendendo novas habilidades, proporciona uma série de sensações...

Buscando na memória aquela experiência, o que vem à tona é a sensação de felicidade de aproveitar uma manhã tranquila em meio a uma bela paisagem, que toma conta de nós. Os pensamentos se acalmam e tudo o que você vê é a imensidão à frente para navegar, sem querer que aquela experiência acabe.

Serviço

Os interessados em se voluntariar na Capital do Remo e no projeto Vela Para Todos devem ir até o clube no sábado pela manhã. Normalmente, a encarregada é a diretora de voluntários, Dione Tubino. No entanto, em decorrência da pandemia, a atual responsável é a jornalista Tereza Brasil. Ela providenciará a inscrição do voluntário e o orientará para as atividades.

Telefone: (61) 98342-2430
Endereço: St. de Clubes Esportivos Sul - Asa Sul, Brasília - DF, 70200-001 


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