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11/10/2021 às 11h35min - Atualizada em 10/10/2021 às 21h33min

O que é o Pandora Papers e o que o Brasil tem a ver com isso?

Os desdobramentos da investigação uma semana após o vazamento

Irion Martins - Editado por Ynara Mattos
ICIJ, REVISTA PIAUÍ, EL PAÍS, BBC
Fabio Pozzebom/ABr
O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), sediado em Washington D.C, publicou no início deste mês o Pandora Papers. A apuração, de nome alusivo ao mito grego que explica a origem de todos os males, compilou cerca de 12 milhões de documentos que apontam paraísos fiscais em todo o mundo. Reconhecida pelos principais veículos informativos como “a maior colaboração jornalística da história”, essa investigação contou com 616 repórteres de 151 veículos em 117 países e territórios. O trabalho de análise, que durou cerca de um ano e sucedeu ao Panama Papers  outro levantamento de 2016 que culminou na queda dos primeiros-ministros da Islândia e Paquistão , constatou envolvimento de lideranças políticas na maioria das provas coletadas.

Os paraísos fiscais são localidades com arrecadações de impostos abaixo dos 20% ou mesmo nulas, também definidos pela Receita Federal como “países ou dependências com tributação favorecida e regimes fiscais privilegiados”. O conceito abrange as “offshore”, de significado literal “além da costa”, que denomina todos os empreendimentos e ações exteriores ao país de nacionalidade de quem os mantêm. Anteriormente, a ideia de “offshore” era restrita aos territórios intercontinentais, o que justifica a tradução do termo e a recorrência de casos nas Ilhas Virgens Britânicas. Mas com o passar dos anos e a crescente popularização da prática, hoje qualquer lugar pode ser um paraíso fiscal e, ainda, ser planejado exclusivamente para esse fim.

Agências brasileiras como “Pública”, “revista piauí”, “Poder360” e “Metrópoles” também integraram a equipe de jornalistas responsáveis pelo Pandora Papers. O engajamento reflete o tamanho do resultado: somente na América Latina, foram descobertas 15 lideranças envolvidas nos escândalos divulgados. Destas, três presidentes ainda estão em posse do cargo: Sebastián Piñera, presidente do Chile acusado de repassar ações de uma empresa com 90% do valor assinado nas Ilhas Virgens; Guillermo Lasso, presidente do Equador que escondeu um patrimônio milionário em uma rede offshore, e Luis Abinader, presidente da República Dominicana que ocultou os beneficiários, seus irmãos, no perfil jurídico de empresas do Panamá.
A maior repercussão no Brasil envolveu o ministro da Economia Paulo Guedes. Segundo o Pandora Papers, a empresa offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, da qual Guedes é listado como dono, acumulava US$ 9,5 milhões quando ele ocupou o cargo de ministro, em janeiro de 2019. Em 2014, o saldo era de US$ 8 milhões. No Brasil, como na maioria dos países, possuir uma offshore não configura crime. Em contrapartida, o Código de Conduta da Alta Administração Federal atenta para a necessidade de transparência e impõe, no primeiro parágrafo de seu artigo 5º, que:
 
“É vedado o investimento em bens cujo valor ou cotação possa ser afetado por decisão ou política governamental a respeito da qual a autoridade pública tenha informações privilegiadas, em razão do cargo ou função, inclusive investimentos de renda variável ou em commodities, contratos futuros e moedas para fim especulativo, excetuadas aplicações em modalidades de investimento que a Comissão da Ética Pública (CEP) venha a especificar.”

O conflito de interesses é o principal aspecto a ser julgado pela CEP no cumprimento de sua função reguladora. Isto porque a alta do dólar no Brasil, a partir das políticas estabelecidas pelo próprio Ministério da Economia, implicam no crescimento de saldos em contas no exterior. Segundo o Portal R7, todos os sete membros da Comissão de Ética Pública serão indicações do presidente Jair Bolsonaro. Até então, quatro já foram feitas; três são remanescentes da Presidência anterior, mas os mandatos terminam ainda este ano.

Na última terça-feira (5), a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado solicitou o comparecimento do ministro ao colegiado para dar explicações sobre as empresas em paraísos fiscais. Em um evento virtual promovido pelo Banco Itaú, na última sexta-feira (8), Paulo Guedes falou pela primeira vez sobre suas menções no Pandora. Além de datar, sem precisão, seu último depósito de “2014/2015” na offshore, ele também alegou ter declarado os investimentos na conta em questão, dentro do prazo legal de dez dias, à CEP. “Não houve movimento cruzando as fronteiras, trazendo dinheiro do exterior ou mandando dinheiro ao exterior”, disse.

Na última quinta-feira (7) o Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu um pedido de impeachment de Paulo Guedes, a partir de uma articulação que alega crime de responsabilidade durante a gestão da pandemia de Covid-19. Mais de 200 organizações assinam o documento, que caracteriza crime “não prever no Orçamento de 2021 as despesas para o enfrentamento da Covid-19, suspender o auxílio emergencial no acirramento da pandemia e fomentar a pobreza no país”.

São de Paulo Guedes as frases “Qual o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu menos?” em agosto deste ano; “A inflação está subindo no mundo inteiro. A nossa ser 7% ou 8%, estamos dentro do jogo” no mesmo mês; “Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Vou exportar menos, substituição de importações, turismo, todo mundo indo para a Disneylândia. Empregada doméstica indo pra Disneylândia, uma festa danada”, no Seminário de Abertura do Ano Legislativo da revista “Voto”, em 2020, e “Os ricos capitalizam seus recursos. Os pobres consomem tudo”, de 2019, para o jornal Folha de S. Paulo.

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