“Infelizmente sabemos que há muitos casos de crianças abusadas que são obrigadas a conviver e até mesmo ficar sob a guarda de quem as violenta. A Lei de Alienação Parental acabou por permitir esse tipo de situação e é por isso que é tão urgente revogá-la”, explica Iracema Portella.
Mães perdem a guarda dos filhos e filhas, e em situações graves perdem até mesmo o direito de visitas quando denunciam maus tratos, negligências ou violências sexuais cometidas pelos pais, que são muitas vezes de difícil comprovação. Sendo as crianças as principais vítimas desse novo formato de proteção legal, que muitas vezes as violenta quando retira a guarda de quem sempre a protegeu e cuidou. No âmbito do Poder Judiciário, essa discriminação e valorização, por vezes excessiva em relação ao contato paterno, tem como base a Lei da Alienação Parental. Desconsiderando ser o pai, violador de direitos materno, da criança e por vezes até tendo condenação criminal. Esses fatos são desconsiderados, estando o contato paterno garantido, acima desses problemas.
Em uma denúncia de violência sexual, muitas vezes a situação se reverte em favor do violador, por vezes com apoio de laudos que nem sempre são específicos em relação à violência (a lei prevê laudos sobre alienação parental somente) cuja produção de prova é indubitavelmente mais complexa e acaba por fomentar a discussão sobre a alienação parental, como consequência à dificuldade de comprovar a prática da violência, refletindo uma apropriação cultural patriarcal, que visa desconstruir a figura feminina no processo, em verdadeira inversão de valores, pois, por vezes, seria o caso de discutir a perda do poder familiar paterno, para além do direito de visitas.
Nos contextos de violência, a criminalização não é imediata, considerando o funcionamento das instituições brasileiras, as provas aceitas e a legislação existente. A constituição de provas em delitos dessa natureza é extremamente difícil, haja vista que os autores de tais crimes os cometem com o maior grau de sigilo e com uso de ameaças à própria criança. E a acareação não é medida salutar nesses contextos. Além disso tudo, a palavra das mulheres é frequentemente colocada em dúvida e sua sanidade mental questionada.
A comunidade internacional reconhece, em países menos desenvolvidos, a cultura da naturalização da violência, métodos ineficazes de proteção à vítima, ambiente discriminatório e justiça morosa, o que promove verdadeiro desequilíbrio social, pois impossibilita a produção de provas evidentes sobre o fato criminoso, dando ensejo ao in dubio pro reo. O que não significa não ter ocorrido violência, mas demonstra a ineficiência do método utilizado, o ambiente sociocultural e o pré-conceito advindos dos profissionais envolvidos e influenciam no resultado.
Enquanto os Tribunais exigem das vítimas materialidade de provas sobre a certeza da denúncia de violências e abusos sexual, o mesmo não ocorre na acusação de alienação parental, promovendo evidente desigualdade. A dificuldade da prova por ineficiência do sistema não deve ensejar a responsabilidade automática por suposta falsa denúncia, já que a comunicação dos fatos é um dever estabelecido no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). A propósito, quando a mãe descobre a violência e não formula a denúncia ao Poder Judiciário é considerada “conivente”, ao passo que se há a denúncia e a prova torna-se excessivamente difícil de ser obtida, nos moldes exigidos pelas defesas e pelos Tribunais, a mãe acaba condenada pela alienação parental. É um paradoxo.
Apontada como primeira vítima da Alienação Parental, Joanna Marcenal perdeu a vida aos cinco anos de idade. A menina teve a guarda disputada entre os pais após a separação do casal. Seu pai, André Rodrigues Marins, ausente durante os primeiros anos de vida de Joanna, reapareceu em 2009 – após mais de dois anos sem visitá-la. Ele entrou na Justiça com um processo para reverter a guarda da filha, que acabou enquadrando a mãe da menina, Cristiane Ferraz Marcenal, na Lei de Alienação Parental.
De acordo com a denúncia do Ministério Público, Joanna foi mantida dentro da casa de André e de sua madrasta com as mãos e pés amarrados e deixada no chão por horas e dias suja de fezes e urina. Ela morreu de meningite após ter ficado quase um mês em coma e ser atendida por um falso médico. Cristiane só pôde ver sua filha pouco antes da menina falecer.