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10/12/2021 às 13h42min - Atualizada em 09/12/2021 às 17h48min

Relato de Experiência: projeto avaliativo? manifestação de sentimentos!

Como um vídeo-ensaio avaliativo resgatou meus sentimentos

Hellen Almeida - Editado por Larissa Bispo
Ilustração: Dança//Reprodução: ARTECULT.COM

Era para ser apenas mais uma noite de aulas remotas, com o ar quente do clima natural típico no interior do Rio de Janeiro, com câmera e microfone desligados em vista da minha falta de inspiração em meio a mais um semestre onde “pessoas de máscara sorriem para mim e eu nunca fui tão sozinha assim” - como já dizia Manu Gavassi - , mas, se tornou o início de uma jornada para o projeto experimental do qual mais me orgulho até então. 

 

Não por conta do 10 recebido, mas sim porque ele me salvou do poço emocional onde me encontrava desde o início deste ano, que, como para muitos, foi repleto de perdas, ao ponto em que tive a maior perda de todas: perdi a mim mesma, e não conseguia me encontrar, até agora.

 

O início da jornada


Tudo começou em mais uma aula da disciplina: Tecnologias da Imagem e do Som, onde meu professor me tira do transe de pensamentos vazios, encarando a parede cinza do meu quarto ao debater sobre o projeto avaliativo para o segundo semestre.

 

Lembro perfeitamente de ter revirado os olhos e respirar fundo, como quem busca forças para seguir uma trilha que a muito tempo perdeu seu sentido. Não me entenda mal, eu gostava da aula, mas não encontrava mais forças - ou vontade - para seguir.

 

Eis que o professor fala sobre criar um projeto audiovisual, e revirando a mente e pensando na forma mais fácil e rápida de executar esse projeto, lembrei do vídeo ensaio “Ninguém te diz como será”, da jornalista Isabella Lanave, onde ela grava suas avós de uma forma pessoal e poética, debatendo sobre o envelhecimento.

 

Ele aparenta gostar da ideia e, com um suspiro de alívio, penso: "é apenas mais um projeto".

 

Arte como escape


As ideias mais pareciam um emaranhado de sentimentos e lembrei que falo muito com minha psicóloga sobre ter perdido a mim mesma e ter dificuldade de lembrar: quem é a Hellen? Então pensei em unir todos os meus hobbys artísticos a muito abandonados pela falta de inspiração.

 

Pintar uma tela, tocar piano. Inicialmente pensava em mostrar uma Hellen calma e feliz, mas já estava farta de fingir para todos e para eu mesma que ainda era positiva como Pollyanna e seu jogo do contente: minha mente estava em desespero e agonia, enquanto eu sorria e dizia "está tudo bem!” 


 

Então, uni essas artes aos sentimentos que buscava retratar: calma, desespero e liberdade. Ainda não sabia o que iria ocorrer, até que decidi escrever o primeiro roteiro e, como há muito não ocorria, meus sentimentos tomaram conta do meu corpo e a imaginação correu solta pelas teclas do meu computador.

 

Desafios


E, sendo assim, o que inicialmente era para ser o projeto mais simples de todos, se transformou em uma mescla de: piano, pintura, leitura e a máquina de bordado eletrônico da minha mãe - uma mistura tão bagunçada como o que eu sentia que precisava gritar - , mas ainda faltava algum elemento, foi aí que pensei: dança.

 

Não, eu não sei dançar - apesar de ter feito Dança do Ventre por três anos -, mas sabia quem poderia me ajudar: minha melhor amiga de infância, Karen Freitas, uma jovem repleta de talentos artísticos e minha parceira de trabalhos por 8 anos de escola, de quem sentia tanta falta nessa cruel vida adulta. 

 

Ao ver o roteiro finalizado pensei: isso dará muito trabalho! Mas queria mantê-lo assim apesar de tudo. Mostrei o roteiro para meu professor na aula seguinte e senti um aperto no coração a cada cena que ele lia, imaginando que riria de mim pela audácia. Mas felizmente isso não ocorreu, ele me orientou de forma técnica e disse:
 

“Esse projeto será incrível se você conseguir executá-lo como imagina, mas você consegue ver que ele dará muito trabalho?” 

 

Com uma determinação e segurança em minha voz surpreendentes - pois não me sentia assim -, afirmei que sabia e daria tudo de mim para conseguir. E nesse momento dois sentimentos tomaram conta de mim: primeiramente a surpresa por me sentir tão segura e inspirada. O que durou apenas alguns segundos, até a auto-sabotagem rir em minha mente dizendo: “Até parece que você é capaz de fazer tudo isso!”

 

Primeiras filmagens


Gostaria de poder dizer aqui que não dei ouvidos a essa voz e que nem por um segundo duvidei de mim, mas essa seria uma grande mentira: o que mais fiz até a entrega desse projeto foi duvidar de mim mesma.

 

Mas, mesmo assim, iniciei as primeiras filmagens; com apenas a câmera do meu celular, um tripé de mão, ajuda e paciência dos meus familiares, passei um dia inteiro filmando as cenas de bordado, leitura e piano.

 

Gravei as mesmas cenas inúmeras vezes, de ângulos diferentes e com muita dificuldade para manter as mãos firmes, parecia que minha autoestima dependia da aprovação desse trabalho. 

 

Minha mãe, artesã há mais de dez anos, teve muita paciência em aceitar fazer os mesmos movimentos mais de cinco vezes, pois nunca me satisfazia, ao ponto que gravar passou a ser estressante; meus braços já doíam de tanto segurar o tripé e eu começava a me arrepender de iniciar tudo aquilo.

 

Eis que então ela começa a fazer brincadeiras e comentários engraçados sobre a filmagem para que eu começasse a rir. E mesmo com todo o estresse, começamos a rir juntas, e dei minhas risadas mais sinceras desde o que parecia ser uma eternidade.

 

A noite, pedi a minha irmã que fizesse as filmagens de leitura e piano, essas foram mais rápidas, mas ainda mais difíceis, uma vez que eu devia explicar a alguém como desejava a filmagem, já que eu apareceria no filme. Ao final do dia eu estava esgotada, mas feliz por ter feito duas filmagens importantes.

 

Pintar em meio a lágrimas


Gravar a pintura foi o momento mais exaustivo - física e emocionalmente -, afinal, a pintura sempre traz à tona os meus sentimentos mais reprimidos. Dessa vez, portanto, não foi diferente: passei horas pintando com uma mão e gravando com a outra em ritmo frenético e exaustivo.

 

A pintura saiu como eu imaginava, mas ela veio em volta de muitas lágrimas e desespero, pois eu desejava que minhas pinceladas acompanharem o ritmo da trilha sonora: um medley entre trilhas sonoras de calma, desespero e alegria.



Com isso, o momento do desespero foi um pesadelo, pois, junto com a música, os piores momentos do meu ano vinham à tona como um copo transbordando: as pinceladas eram pesadas e rápidas, meu corpo balançava de tanto chorar ao ponto de ter dificuldade para filmar.

 

Dificuldade essa que fez com que eu largasse a pintura por umas horas, apenas para sentar em posição fetal em meu quarto e chorar. Mas, assim como a calma após um dilúvio, após esgotar o estoque de lágrimas do meu organismo, senti como se toda a dor do meu peito fosse embora. 

 

De repente, notei que já terminava a pintura com seu ritmo final preenchendo minha alma: a liberdade. As lágrimas ainda rolavam, mas de felicidade e alívio. Todavia, a maior surpresa ainda estava por vir.

 

Transportada para um passado simples


Enquanto toda essa evolução emocional ocorria, fazia reuniões com minha amiga Karen, conversando sobre composições de vestimenta e locais de filmagem. Trabalhamos juntas desde o fundamental até o último ano do ensino médio, então nossas ideias se complementam como peças do mesmo quebra-cabeça.

 

Trabalhar com ela após tanto tempo foi gratificante, me vi transportada para aquela época dos 12 aos 18 anos, e notei que, em comparação a esse passado, cresci emocionalmente, algo que a muito tempo não notava, e isso fez com que eu fosse mais amorosa comigo mesma.



Filmamos nossa dança em meio ao verde da universidade onde ela é graduanda. Eu já conhecia a coreografia e a sua atuação, assim como havia estudado a composição com meu professor para debater os melhores planos de filmagem.

 

O dia era nublado e o ar gelado era confortante. Os pais dela nos acompanharam para auxiliar no projeto e foi um processo nostálgico. Diferentemente das gravações anteriores, peguei um tripé alto emprestado, o que otimizou nosso processo.


A coreografia tinha pouco mais de 1 minuto, o que ajudou muito, pois filmamos a mesma dança de ângulos diferentes umas 20 vezes e em todas as vezes Karen entregava expressões de impressionar, passando da calma ao desespero e liberdade com uma facilidade admirável.


Por conta da pandemia, esta foi a primeira vez em que sai do meu lar para algum projeto acadêmico, o que foi, no mínimo, gratificante; aos poucos via meu gosto pela faculdade retornar. Ao voltar para casa, dei a minha amiga um abraço apertado e agradeci por, mais uma vez, embarcar nas minhas ideias insanas.

 

“ O momento da edição deve ser feito de desapegos”


Agora, o que me restava era editar, processo do qual estava morrendo de medo por nunca ter feito algo assim. Consegui editar o primeiro momento do filme em uma tarde. 

 

Eu achei que até ali as surpresas haviam acabado, mas eu ainda teria um último aprendizado, este eu levaria para a vida. Ao editar, notei que estava tendo dificuldades para construir as cenas, mas, como era algo esperado, segui.

 

Eis que quando edito a primeira cena da dança, essa dificuldade se vai e flui como os movimentos da dançarina. Com isso, entro em um grande impasse: notei que para contar esta história, não precisava de todos aqueles elementos, apenas da dança.

 

Fiquei em estado de choque, afinal, eu havia passado 1 mês gravando inúmeras cenas, havia - literalmente - entregado minhas lágrimas e suor para não usá-las?! Me senti antiprofissional e inexperiente. 

 

Marquei uma reunião com o professor Victor Hugo Van Ralse, novamente jurando que seria criticada, e mais uma vez me surpreendi com seus ensinamentos. Ele me ouviu atenciosamente e em silêncio para dizer:

 

“Esse processo é perfeitamente normal, Hellen. A edição é o momento onde pagamos para ver o que realmente vai funcionar e devemos estar prontos para desapegar, às vezes, daquela filmagem que amamos, mas não é necessária para esse momento. Faça o filme como te flui melhor”  

  

Dizer isso justamente para mim, alguém que gosta de programar os mínimos passos da vida e tem tanta dificuldade em desapegar: de momentos, pessoas, sentimentos. Foi um sentimento de liberdade e aprendizado necessário.

 

Então assim fiz. Finalizei esse filme com pouco mais de dois minutos, mas repleto de sentimentos e aprendizados ao ponto de agradecer a ele por me fazer voltar para mim mesma.


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