O Big Brother Brasil 22 divide a opinião do público no que se trata do bom entretenimento. No entanto, algumas pautas vêm sendo discutidas fora da casa e nos levam à reflexão de temas relevantes para a sociedade, como é o caso da inclusão de pessoas surdas. Esse ano Tadeu Schimdt assume a apresentação do reality e vem surpreendendo o público com sua desenvoltura e sensibilidade sobre as temáticas abordadas. No segundo paredão da terça-feira (01), estavam na disputa pela permanência na casa três participantes do Pipoca: Jessi, Natália e Rodrigo. A votação bateu o recorde da edição, sendo ao todo mais de 120 milhões de votos, que levaram à eliminação do Rodrigo, com 48,45%.
Mas algo que chamou a atenção do público foi o discurso de eliminação do apresentador: antes de encerrar, Tadeu usou uma frase em Libras direcionada à participante Jessi, que conhece o idioma. A iniciativa repercutiu na comunidade surda e ouvinte, e muitos elogiaram a ideia de trazer a Libras para a rede aberta nacional, sobretudo num dos programas de maior audiência da Rede Globo.
A Língua Brasileira de Sinais, ao contrário do que muitos pensam, não é uma representação em sinais da Língua Portuguesa, nem um conjunto de gestos aleatórios ou mímica. A Libras é uma língua da modalidade gestual-visual em que é possível se comunicar através de gestos, expressões faciais e corporais. A Libras é, portanto, meio de comunicação porque é através dela que as pessoas surdas interagem entre si, e até mesmo com as pessoas ouvintes que já aprenderam a interpretá-la.
O aprendizado da Libras é muito mais complexo do que apenas reproduzir sinais ou aprender somente o alfabeto manual, afinal, a comunicação das línguas orais não ocorre com soletração do alfabeto, mas com a construção de palavras, frases e sentenças.
Após discurso em Libras, muita gente dentro e fora da casa, ficou curiosa sobre o conteúdo do trecho. Após o anúncio do eliminado, Jessilane explicou aos colegas de confinamento que Tadeu tentou tranquilizá-la: “Professora, não fique triste, calma”, disse ela, traduzindo a linguagem inclusiva utilizada pelo apresentador.
Acontece que houve um problema na comunicação entre o apresentador e a “emparedada”, já que o trecho em Libras proferido por Tadeu não correspondia ao que a Jessi entendeu. Mas o que o Tadeu falou em Libras ao final discurso de eliminação? Por que a mensagem não foi entendida claramente?
Para que a mensagem fosse enviada claramente, é preciso entendermos que quando falamos sobre os articuladores da língua de sinais não estamos falando apenas das mãos. São usados também, outras partes do corpo, como cabeça, face e tronco. E é a partir daí que entram os 5 parâmetros da Libras que são: articulação da mão, ponto ou local de articulação, movimento, orientação, direcionalidade, expressão facial e/ou corporal. A execução correta dos parâmetros faz com que a mensagem proferida seja clara e compreensível.
Alguns surdos, professores de Libras, comentaram acerca da iniciativa do Tadeu Schmidt, com elogios, já que a atitude dá visibilidade ao conhecimento da Língua de Sinais, outros criticaram com bom humor a ‘configuração de mão’ do apresentador.
Jorge Suede, 26, Presidente da Associação dos Surdos de São Paulo (ASSP) e ativista em prol da língua de sinais, conta ao ‘Jornal O Tempo’ que estava conversando com amigos com a TV ligada e se depara com Libras no BBB 22. "Eu estava no meio de uma conversa séria com um amigo meu e do nada vejo o Tadeu falando em libras, surtei! Foi muito lindo", diz ele. Jorge também comentou o assunto com pessoas próximas: "Depois de conversar com meus amigos surdos, chegamos na conclusão de que ele quis dizer: 'Professora, as mulheres ficam, as mulheres ficam, você fica'. Ficou um pouco confuso, porém como é o Tadeu, eu perdo".
O meu relato sobre ver o @tadeuschmidt falando em Libras para a @a_jessilane.
— jorge (@jorgesuede) February 2, 2022
Isso é tão importante para mim. Tem um significado impactante. Sem dúvidas foi uma noite muito marcante.
Está legendando para quem não sabe Libras. ️ pic.twitter.com/2BSjiWlRt1
Postagem do presidente da associação de surdos de São Paulo sobre visilibilidade da Libras. (Reprodução: @jorgesuede - Twiter)
Apesar do trecho em Libras conter poucos segundos, o ativista afirma que a iniciativa foi muito importante para trazer visibilidade à língua de sinais. “No Brasil ela é apenas reconhecida como meio de comunicação e não como uma língua oficial”, relata.
Momento histórico no BBB! A comunidade surda soube em primeira mão o resultado do paredão:
— Jessilane Alves ? (@a_jessilane) February 2, 2022
“Professora, as mulheres ficam, as mulheres ficam, você fica” (Tradução: Jorge Suede, Presidente da Associação dos Surdos de São Paulo-ASSP).#TeamJessi #BBB22
TV Globo/BBB/Globoplay pic.twitter.com/ZR6R5lQnXm
Postagem da participante Jessilane: pela primeira vez na história, a comunidade surda soube de primeira mão quem foi o eliminado do BBB. (Reprodução: @a_jessilane - Twiter)
A população de surdos no Brasil já ultrapassa a marca de 9 milhões de pessoas e mesmo assim a língua é reconhecida apenas como meio legal de comunicação e expressão desde 24 de abril de 2002, através da Lei n° 10.436. Após 20 anos da Lei, ainda há uma grande luta pela oficialização da Libras como segunda língua oficial do Brasil.
Tatianne Silva, 35, formada em Letras-Libras e professora da Língua, relata sobre a importância da Libras para a comunidade surda. Ela afirma que aprendeu a Libras quando tinha 5 anos de idade e isso facilitou o seu acesso ao aprendizado. Tatianne explica que houveram sim, avanços em relação à inclusão, mas que o país ainda precisa e deve investir no ensino da Libras. “Não tinha visto o vídeo do BBB quando passou na TV, mas depois de ver o Tadeu discursando em Libras, achei importante para a inclusão de pessoas surdas. Na TV, em alguns programas, já existe tradutores/intérpretes que buscam incluir a pessoa surda, mas não é o suficiente. A Libras deveria sim, ser ensinada nas escolas”.
A professora deixa claro que a inclusão já ocorre em determinados locais, mas que isso não é o bastante já que a pessoa surda está em todos os locais: nas empresas, nas escolas, nos shoppings, nos bares, nos órgãos públicos. A falta de conhecimento da Libras pela sociedade ouvinte brasileira, associada à ausência de intérpretes em órgãos públicos e privados fazem o surdo se sentir, muitas vezes, um estrangeiro dentro de seu próprio país. Isso deixa a comunidade surda cada vez mais restrita a grupos com outras pessoas surdas, e a inclusão acaba ficando cada vez mais distante.