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14/02/2022 às 01h36min - Atualizada em 14/02/2022 às 01h30min

Luta contra a gordofobia: entenda o que é ativismo gordo

Tiago Abravanel abre debate importante sobre corpos gordos no BBB

Sara de Farias - Editado por: Gabriela Gouveia
Maria Luisa Jimenez, Ale Mujica, Tamyres Sbrile.
Fotografa: Jú Queiroz

O famoso reality show “Big Brother Brasil” não só traz à tona diversas questões da atualidade por meio do entretenimento fornecido pela televisão aberta, mas também inúmeras discussões que muitas vezes remetem a problemas da nossa sociedade. Recentemente, o participante ator e cantor, Tiago Abravanel, levantou um debate relevante sobre a gordofobia.

"O problema social hoje é que as pessoas olham para uma pessoa gorda e automaticamente falam que ela não é saudável. Temos que desconstruir isso. A gordofobia é uma questão de condição social", ressalta Abravanel, que ainda expõe exemplos de inacessibilidade no seu dia-a-dia. A despatologização e a acessibilidade de corpos gordos são questões centrais do ativismo gordo.

Embora a luz do debate sobre gordofobia seja recente nas plataformas de mídia e nas redes sociais, o ativismo gordo vem lutando contra esse problema há bastante tempo. 

Tendo início nos Estados Unidos na década de 70, junto ao movimento hippie e o movimento feminista, e marcado pela tragédia da vocalista do grupo “The Mamas & The Papas”, Cass Elliot, sofria com fortes dores abdominais e recorreu à ajuda médica diversas vezes. Entretanto, os profissionais insistiam que o problema era seu peso e que ela precisava emagrecer. Mais tarde, Cass descobriu que tinha câncer terminal e faleceu não muito tempo depois com a idade de 33 anos. Essa catástrofe impulsionou mulheres gordas a se reunirem para falar sobre a forma como a sociedade as tratava. Apesar de anos de luta e consideráveis avanços no decorrer da história, muitas pessoas não sabem o que é ativismo gordo ou o confundem com outros movimentos como o “body positive”. 

 

Segundo Tamyres Sbrile, jornalista, criadora de conteúdo e ativista gorda, o body positive prega a aceitação corporal independente do formato, ou seja, pessoas gordas, magras, com nanismo, deformidades e deficiências. Por conta disso, o movimento visa amar corpo do jeito que ele é. Por outro lado, o ativismo gordo luta pelos direitos das corporeidades gordas. “Eu me considero do ativismo gordo. No começo do meu processo o body positive me ajudou muito, não teria chegado até aqui sem ele, mas hoje não me sinto representada por ele. No ativismo queremos ser respeitados e incluídos na rotina da sociedade”, diz Tamyres.

 

A questão da acessibilidade passa despercebida para a maioria das pessoas, pois atividades comuns, como passar em catracas de ônibus ou colocar o cinto de segurança em um avião, não podem ser realizadas porque os ambientes não foram planejados para incluir corporeidades gordas. Tamyres ainda destaca: “Não temos roupas em qualquer loja, quando achamos são caríssimas. Eu poderia dar exemplos de marcas plus size, mas ao invés de ser acessível, acaba excluindo as pessoas, pois as peças são muito caras.”

 
 


Um dos pontos centrais que também deu origem ao ativismo gordo é justamente a despatologização. De fato há casos de problemas de saúde causados por excesso de peso, mas o que se questiona é a generalização que muitas vezes é feita sem comprovação. Ale Mujica, com graduação em Medicina e doutorado em Saúde Coletiva, afirma: “Os artigos da saúde mais recentes colocam como dado pronto que a gordura ser um risco, às vezes sem sequer trazer referência sobre isso. Ou seja, uma normalização de colocar a ‘obesidade’, forma de patologização da gordura, como risco e que não precisa ser justificado".

Segundo
 Maria Luisa Jimenez, filósofa, doutora em Cultura Contemporânea, pós-doutoranda em Psicossociologia e ativista gorda:
 

“Despatologizar um corpo significa não associar esse corpo a corpos doentes, a medicina classifica como se todo corpo gordo fosse doente e nós do ativismo e das pesquisas interdisciplinares (que também são pesquisas ativistas), questionamos essa maneira de ver, de entender  ou de construir conhecimento sobre corporalidades gordas”.

Portanto, a despatologização busca desconstruir a ideia de que corpos gordos são doentes, fracos e/ou inferiores em relação ao ideal imposto e frequentemente aclamado corpo magro. "É interessante explicar que existem dois tipos de estudos distintos, um dos estudos da obesidade que são os estudos que focam nessa patologização geralmente da saúde e os estudos transdisciplinares das corporalidades gordas, que são estudos de várias áreas da ciência onde questionam essa maneira de ver, entender e construir conhecimento sobre corpos gordos” declara Maria Luisa Jimenez.
 

Ela ainda explica que o termo obesidade ou pessoa obesa são palavras de cunho gordofobico, porque associam esse indivíduo a doença. Infelizmente, a sociedade percebe a palavra “gorda” como xingamento. Ademais, os pesquisadores ativistas entendem que se trata de um fenômeno onde se apropriam e ressignificam essa palavra a um tipo físico.  “É preciso muito cuidado com a linguagem, pensar nas palavras que nós repetimos, pensar no que elas significam e como podem atingir o outro de maneira geral".

A gordofobia é uma doença sistêmica, que vai acontecendo de forma muito sutil, e também um estigma social que invisibiliza corporeidades gordas, não dá espaço para que pessoas gordas falem e sejam ouvidas. Maria Luisa Jimenez explica que o primeiro passo para mudar isso é se informar sobre o assunto, ouvir essas pessoas e, principalmente, identificar essa gordofobia dentro de si para mudar a maneira de se ver e entender o corpo gordo. Em meio a esse processo de ressignificação, se torna claro que é preciso modificar a estrutura. “Aplicar, por exemplo, disciplinas nas universidades que tratem da gordofobia é uma necessidade urgente, políticas públicas onde pensem na acessibilidade, na despatologização, na inclusão de pessoas no mercado de trabalho também são urgentes e necessárias.”

Em seu trabalho, Maria Luisa Jimenez explora esses e diversos outros pontos importantes do ativismo gordo, visto que a proposta é do empoderamento através do conhecimento para uma luta de despatologização e acessibilidade do corpo gordo na sociedade contemporânea. “Destruir a estigmatização estrutural é necessária e só se faz isso quando levamos a discussão para o entendimento epistemológico de um saber colonial patriarcal que padronizou o corpo magro como o único possível.”
 

“A gente está em constante evolução e é importante que a gente entenda que a evolução é adquirir informação, saber que muitas coisas inclusive que foram determinadas mudam”  Falas como essa de Tiago Abravanel chamam atenção simultânea para o problema social que é a gordofobia e para o combate deste mal, o ativismo gordo se mostra necessário há muito tempo, mas é só agora, em plena era da informação, que ele começa a ganhar destaque.


Referências:

Tiago Abravanel fala sobre gordofobia; 20 jan 2022. Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/10228223/. Acesso em: 12 de Fevereiro de 2022.

JIMENEZ, Malu. Se liga: body positive NÃO é ativismo gordo! 31 jan 2020.Disponível em: https://www.todasfridas.com.br/2020/01/31/se-liga-body-positive-nao-e-ativismo-gordo/. Acesso em: 12 de Fevereiro de 2022.

JIMENEZ, Malu. Gordofobia, Mercado e Representatividade da Mulher Gorda. 25 agosto 2018. Disponível em: https://www.todasfridas.com.br/2018/08/25/gordofobia-mercado-e-representatividade-da-mulher-gorda/


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