"Poucos governos, pelo que eu sei, investem maciçamente na cultura, nessa questão de gerar recursos de conquistas diretamente. A Lei Aldir Blanc, ela veio de mão cheia, mas ela veio no contexto da pandemia, né? Ou seja, um artista teve que sair daquele plano, projeto para ser lembrado, e sua vicissitude ser transformada em lei. Então, nas vicissitudes, há um ganho; nos momentos de crise que vem as soluções."
Conforme a pesquisa realizada em 2020 pela Unesco, em parceria com o ICOM (em inglês, International Council of Museums), em reportagem publicada por Maria Luiza Rodrigues pela Editora Sextante, alega-se que 85 mil centros culturais de todo o mundo fecharam durante a pandemia e com o isolamento social. Em virtude disso, muitos artistas tiveram que adiar produções, buscar novas maneiras de propagar suas obras, assim, evidenciando a precariedade da economia criativa e percurso desse setor. Vale ressaltar que as representações artísticas desempenham um exímio papel reflexivo na sociedade, corroborando tanto suas mazelas enraizadas, como na solidariedade, na reprodução de ações que estão à frente da contemporaneidade, no levantamento de questões sociais que geram bastante polêmica, que confrontam ideais do autoritarismo, racismo, machismo e a ignorância primitiva que ainda assola a civilização.
Para mais adiante dessa perspectiva, não é à toa que por ser um dos mais célebres artistas da Música Popular Brasileira (MPB), Buarque adquiriu com esse "tempo" a maturidade, lições e aperfeiçoamentos. E por por mais que essa atemporalidade seja descrita em suas obras, sabe-se que o tempo age inevitavelmente sobre o corpo físico. E é justamente isso que o cantor revela em sua canção:
O tempo, com seu lápis impreciso
Põe-lhe rugas ao redor da boca
Como contrapesos de um sorriso
Como consequência, o enfretamento da pandemia para vários artistas foi, e tem sido, uma guerra premente contra esse "tempo". Embora o percurso nesse mundo se dê através do envelhecimento físico, o artista desempenha seu trajeto por meio da Arte. O tempo pode levar a juventude de um corpo, uma superfície, mas a eternidade do artista é no encapsulamento de suas expressões. Nisso, é evidenciado que mesmo que esse tempo irredutível alcance a estrutura corporal, esse também lhe engrandece a alma, sua sensibilidade torna-se mais aguçada e livre. Com isso, a passagem da vida e aprendizados dela se tornam professores da experiência. O artista vira obra do tempo e, em virtude disso, suas criações capturam e eternizam momentos que serão apreciados por outras gerações.
Outrossim, a carência de políticas públicas que fomentem e prestigiem a Arte só comprova que apesar de todos esses avanços da era tecnológica, dos sobressaltos na democracia, na tão falada "evolução humana", a transcendência artística e seus efeitos positivos, introspectivos e humanista, ainda tem audiência de poucos e desaprovação de multidões. Em meio aos caos, os artistas tentam "pintar o céu de azul". Às vezes, desenham um "arco-íris" contra a intolerância, ignorância e um apelo ao amor, respeito e solidariedade. Mas também, quando necessário, fazem esse mesmo céu azul transformar-se em chuva e tempestade, quando expõe as vulnerabilidades das adoções públicas, a desolação na educação, saúde, setores culturais sendo destituídos, e milhares de brasileiros na carência.
Ao abordar a ineficácia de políticas públicas a essa esfera, Afonso explica de que maneira a Arte enriquece a cultura de uma sociedade. Com isso, evidencia a condição precária que o atual Governo impõe às manifestações artísticas:
"Percebo que existe também, com essa experiência de mais de 15 anos no barco, um ligeiro despertar dessa sensibilidade. A gente já vê os editais funcionando. Pois o edital para mim, é um exercimento democrático de acesso ao artista. Pelo menos acaba aquela política do “toma lá dá cá”, onde o meio artístico ficava sempre na penúria. Na minha opinião, um governo que não investe no seu povo, que desdenha sua cultura, um governo que acima de tudo, não aceita a sensibilidade do artista, esse governo não tem validade nenhuma [...]. O homem foi feito para viver bem, e a Arte é o manifesto ideal. Um governo que descredibiliza a ciência, as Artes, pra mim não serve de nada!"
Através da literatura, dança, artes visuais, música, teatro, fotografia, pode-se absorver uma infinitude de pensamentos, desejos, revoluções, fracassos e por que não assombro? Nesse viés, Ricardo V. Barradas chega a enfatizar: “Infelizmente, a arte do século XXI ainda não atingiu a nova linguagem e nem tingiu para alterar a cor primitiva do contemporâneo brasileiro.” Dessa forma, para que esse manifesto seja compartilhado, a sociedade precisa quebrar com os paradigmas preconceituosos lançados ao meio artístico. A expressidade da Arte pode partir de variados protagonistas e, assim, serem telas e porta-vozes de sua unicidade. Na 3ª estrofe da canção:
Já vestindo a pele do artista
O tempo arrebata-lhe a garganta
O velho cantor, subindo ao palco
Apenas abre a voz, e o tempo canta
Com isso, Buarque enfatiza que "cantar" é uma espécie de atualização, uma homenagem ao tempo. O cantor deixa bem claro que apesar do tempo agir sobre a voz, sobre as mãos e movimentos, o artista, ainda assim, luta contra esse tempo cósmico, frustrante. O artista rompe com as barreiras das estações, do espaço e cria seu próprio infinito e "permanência" no mundo. Por isso, a Arte vem como uma mediadora dos conflitos — ora pode nos curar, mas também pode ser o veneno às mentes que ainda caminham rumo a pensamentos primitivos — de caráter infundado, preconceituoso e machista. O "Tempo" é cíclico, porém suas marcas podem ser eternas.
Portanto, com essa obra, Chico Buarque nos deixa uma riqueza de significações, pensamentos profundos e sua excentricidade. Contudo, é indubitável a resistência que se desenvolve na transformação das ideologias de massa, na constante inclusão social e de gênero e, por fim, na erradicação da miséria intelectual e disseminação da verdadeira cidadania. Buarque como escritor, cantor, compositor, certamente, sabe o que é lutar contra a temporalidade. Esse tempo pode ser pessoal cultural, social e afetivo. Nisso, o fim da música arremata o ápice da jornada de um artista fazendo seu papel no teatro da vida:
No anfiteatro, sob o céu de estrelas
Um concerto eu imagino
Onde, num relance, o tempo alcance a glória
E o artista, o infinito