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10/02/2023 às 18h14min - Atualizada em 10/02/2023 às 17h31min

Puerpério emocional: além dos 40 dias

Os desafios do início do maternar em um mundo que pede tanta urgência

Carolina GuiRe - Editado por Larissa Bispo
Créditos/Reprodução: Internet


O mundo está cada vez mais dinâmico, exigente, e a função da maternidade não pôde acompanhar todas essas mudanças.
Afinal, não é possível pedir a um bebê que suas capacidades psicomotoras se desenvolvam mais rápido, não é mesmo?

Ao trazer um novo ser para esse mundo, além de todas as responsabilidades que já as cercam, as ‘’recém-mães’’ precisam adaptar suas rotinas à nova e permanente realidade. Um retorno apressado as suas atividades profissionais. Acompanhado disso, uma chuva de hormônios transforma, por completo, a sua percepção emocional e racional de forma estrutural e definitiva.

É um ponto sem volta. Uma caminhada complexa e, na sua maioria, solitária. Abaixo, um trecho do livro direto, polêmico e cheio de relatos profundos, "A Maternidade e o encontro com a própria sombra", de Laura Gutman
 
Acontece um choque brutal entre o estado de embelezamento da barriga – e a apologia da gravidez entre tules e rendas – e o ser real de carne e osso que não para de chorar.

O puerpério físico, segundo a Organnização Munidal da Saúde (OMS), se inicia imediatamente após o parto. Ele dura, em média, seis semanas após o parto e é classificado conforme a sua duração: imediato (do 1º ao 10º dia pós-parto), tardio (do 11º ao 45º dia pós-parto) e remoto (a partir do 45º dia, com término imprevisto).

Hoje, esse período remoto, após alguns estudos, é chamado por alguns psicólogos perinatais de puerpério emocional. Sabe-se que dura de 2 a 3 anos, é pouco divulgado e erroneamente diagnosticado em muitas vezes, como depressão pós-parto.

Em muitos países do Oriente, esse momento e a figura feminina é reverenciada e considerada sagrada como descreve Kiberly Ann Johnson, autora do livro "O Quarto Trimestre":
 
Em países como a Tailândia, há tradições matrilineares, que incluem a figura de healers, profissionais voltados para o cuidado e a cura, com alimentação e medicamentos naturais, visando o cuidado e recuperação no pós-parto.

Mas, afinal, o que sentem essas mulheres? Quais são as suas perspectivas e realidades?

“Moro longe da minha família, e meu esposo trabalha o dia inteiro. Tem sido complicada lidar com tudo sozinha. Perdi as contas de quantas vezes chorei; de desespero por não saber o que fazer, de cansaço pelas noites mal dormidas e de solidão, por não ter um outro adulto com quem compartilhar essas angústias”, relata Aline Alcântara, de 25 anos, mãe do pequeno Davi, de cinco meses. Ela reside e trabalha na área rural em Aninadeua, cidade do Pará. Depende de vizinhos, para cuidar da criança.

Ísis Gomes, contadora, 29 anos, tem uma percepção bem lúcida de si mesma: "Hoje, mesmo após 7 meses, sinto dificuldade de reencontrar a antiga Ísis. Todos cuidam do bebê, procuram saber como está, mas e a mãe? O que é feito da mulher que abdicou de todos os sonhos e rotinas em prol de uma nova vida?’’

Outras questões que acabam por contribuir com o prolongamento do puerpério emocional:

Retorno precoce ao trabalho: a legislação prevê o retorno em 120 dias. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias” (BRASIL, 2005, p. 10).

Porém é sabido que o bebê deve ser nutrido de forma incisiva e exclusivamente de aleitamento materno por 6 meses, além de não ter autonomia total em ações básicas como se sentar, sustentar a cabeça e segurar objetos.
Ainda que existam creches, berçários, rede de apoio e profissionais qualificados, sabemos que é um privilégio de poucas. Quando essas mães são solos, periféricas, pretas, indígenas e/ou de áreas rurais, não há escolha.

Toda essa preocupação, na maioria das vezes, acarreta mal desempenho em suas funções profissionais, e o resultado é: 21% das mulheres são demitidas após retorno da licença - dados segundo a Famvita, pesquisa realizada em Setembro/2021. E, ainda, 54% não consegue retornar após os 120 dias. Geramos, assim, um aumento no desemprego, casos de depressão e insegurança alimentar.
























































Dificuldades na amamentação e alterações corporais: é difícil, ao ouvir tantos relatos, não ter uma mulher que não se queixasse da dificuldade de amamentar. Seja por produção baixa, falta de estimulação, ‘pega’ incorreta, mastite lactacional, entre outros fatores. Poucas coisas são tão frustrantes para as mãe quanto não conseguir realizar o aleitamento materno. Hoje, temos consultoras, vídeos, cursos e equipamentos (bombas, por exemplo) que auxiliam e muito. Porém, mais uma vez, pode ser um privilégio que poucas têm acesso.

O retorno do corpo ao período pré-natal, com o fator somado de possíveis violências obstétricas, contribuem para a baixa autoestima e distorção de imagem, também resultando em futuros distúrbios alimentares.
 
Mudanças nos relacionamentos: todas as relações sofrem desgaste: seja pelo isolamento natural que o período exige; pelos conflitos familiares causados pelos palpites nos cuidados do bebê. Mas nada é mais avassalador do que as relações afetivas. Alguns casais ainda têm a crença de que, quando um casamento não vai bem, ter um bebê pode auxiliar na conexão. Na práticca, no entanto, é o completo oposto: casais que já vem com conflitivas anteriores têm mais dificuldade de passar por esse período. Por esse motivo, os números de divórcios nessa fase são altos.

O casal, que antes ocupava o papel de namorados/noivos/esposos, agora, precisa desenvolver-se em um papel totalmente novo e desafiador: o de pais. A mulher passa por alterações físicas e emocionais, enquanto o homem, na sua maioria, ainda acompanha mais de longe esse processo. No pós-parto, os olhares se voltam ao bebê, e não raro essa casal acaba se perdendo em meio a tantas adaptações. Quando, não raro, essa relação já não existe, antes mesmo do nascimento.

Paula Silva, 34 anos, formada em Publicidade e Propagandao, conta: "Sinto que meu casamento está por um fio. Não temos diálogo, meu esposo não compreende a demanda que nosso filho tem, e sempre acabamos brigando. Muitas vezes, penso se deveria realmente permanecer nessa situação. Mas dependo dele financeiramente nesse momento’’, revela, angustiada.
 
A frase: ‘’Nasce um bebê, nasce uma mãe’’ é uma máxima que pode ser renomeada para: ‘’Nasce um bebê, renasce uma mulher’’. A maternidade, seja ela planejada ou não, nos leva a uma transformação completa, de forma brusca, realista. Não existirá mais uma personalidade, sentimentos e planos, como os de antes.

A necessidade do fim da romantização e um total suporte urge a cada geração. E isso deve ser via de regra, na educação de todas as crianças, independente do sexo. Precisamos, sim, de políticas sociais, ações de saúde pública e leis que visem ajudar essas mulheres a se reencontrarem num aspecto amplo de suas vidas. Descanso, amor e compaixão são a maior rede de apoio que a sociedade pode oferecer a essas mães.
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