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08/06/2023 às 14h55min - Atualizada em 04/06/2023 às 15h49min

Inteligência Artificial na indústria do cinema: ameaça ou colaboração?

Entenda de que forma ferramentas como o ChatGPT impactam as produções audiovisuais

Kauane Brito - Revisado por Joyce Oliveira
A Inteligência Artificial no cinema (Foto: Reprodução/Alain BENAINOUS/Getty Images/Benjamas/rawpixel.com)
A Inteligência Artificial (IA) é uma área da ciência que se empenha em desenvolver tecnologias para realizar atividades humanas de maneira autônoma. Apesar de ter caído no conhecimento popular nos últimos anos, a IA tem uma história que começa a meados da década de 1920. Hoje, os estudos a tornam cada vez mais complexa e capaz de simular o comportamento humano de forma surpreendente.
 
O ChatGPT é um belo exemplo disso. Lançado em 2022 e classificado como uma IA generativa, o chatbot tem uma muitos fãs e haters, há quem defenda, há quem condene. Porém, falando bem ou mal, 100 milhões de usuários se cadastraram na ferramenta em apenas dois meses de funcionamento. 
 
O querido, ou não, funciona a partir de uma base de conhecimento de textos da internet, atualizada por meio da conversação com os usuários. Então, diariamente, o ChatGPT é alimentado com novas informações e treinado para que suas respostas sejam cada vez mais “humanas”. É nesse ponto que se iniciam os problemas.
 
A greve dos roteiristas de Hollywood 
 
Depois de 15 anos, no dia 02 de maio de 2023, roteiristas de TV e cinema de Hollywood, liderados pelo sindicato Writers Guild of America (WGA), declararam greve. A última paralisação da categoria aconteceu em 2007 e causou uma avalanche na indústria dos produtos audiovisuais e no setor de entretenimento: filmes e séries cancelados, temporadas reduzidas e, pela primeira vez desde que começou a ser transmitida, a premiação do Globo de Ouro não aconteceu. 
 
Diferente da última paralisação que tinha como principal motivação os royalties sobre os lucros da venda de DVDs, hoje, dentre outros motivos, a presença do ChatGPT como um novo colega de produção foi o que levou os roteiristas às ruas. 
 
As produtoras e os estúdios estadunidenses resolveram explorar o mundo das IAs e incluí-las como uma ferramenta que irá colaborar com a produção das obras, mas, para o sindicato, o uso das ferramentas inteligentes ameaça a existência dos roteiristas, eles as classificam como um insulto para a categoria.
 
O WGA destaca uma possível disputa econômica, uma vez que as IAs impactariam no processo de roteirização e na carga de trabalho, afetando os salários, que estão entre as reivindicações da greve. Além disso, a substituição dos profissionais na elaboração dos roteiros preocupa o sindicato, já que essas inteligências evoluem a partir da coleta de dados, assim, o uso nas rotinas de produção treinaria as ferramentas para fazer o trabalho que eles.
“Contar histórias não é uma ciência exata”
 
Carlos Henrique Marques é um roteirista brasileiro que atualmente está conquistando o cinema norte-americano e inglês. No Brasil, escreveu telenovelas que foram (e são) sucesso em todo o Brasil, como Chiquititas (2014) e Carrossel, já no mercado internacional, as obras Rosa The Fighter, Henry e Guinevere ganharam premiações internacionais. Com uma bagagem recheada de produções premiadas, em entrevista, o roteirista comenta sobre a inserção da Inteligência Artificial, em especial o ChatGPT, na indústria do cinema. 
 
Marques acredita que o uso da IA na roteirização, como principal instrumento de escrita dos textos, não vai funcionar. Para o roteirista, as características emotiva e criativa dos seres humanos fazem a diferença na produção das obras.
 
 “Passamos a emoção através das palavras que escrevemos, o autor interpreta aquilo e passa a emoção. Uma história é um amontoado de emoções e a Inteligência Artificial não tem emoção. A criatividade também, o ser humano ele é muito criativo e essa criatividade vem daquilo que temos no nosso coração, é aquele algo a mais que faz o público emocionar. Acredito que os grandes estúdios vão tentar utilizar a Inteligência Artificial, mas não vai dar certo, o contator de histórias existe há milhares de anos e não vai ser substituído”, defendeu Marques. 
 
Diante da informação de que alguns roteiristas fazem uso do ChatGPT no processo de escrita dos textos para fazer algumas tarefas, o roteirista considera válido o uso da ferramenta para pesquisa, mas nada além disso. “O chat pode ser usado na pesquisa, mas para dar nome de personagens, acho isso bobagem. Se um roteirista, contator de histórias, quer pedir ajuda para Inteligência Artificial na escolha de nome de personagem, ele tem que trocar de profissão”.
 
Quando questionado sobre a possibilidade dos estúdios e da produtoras do Brasil buscarem a inserção da IA na roteirização, Marques disse que tudo que acontece nos Estados Unidos, em qualquer área, reverbera no Brasil, mas não acha que vai dar certo e defende a profissão. 
 
“Se lá eles decidam usar a Inteligência Artificial lá [Estados Unidos], vai vir para cá [Brasil] também, mas eles vão quebrar a cara. Criar histórias, contar histórias não é uma ciência exata. A IA não trabalha com criatividade, ela trabalha com os resultados que ela encontra na rede, e os seres humanos tem acesso à criatividade ilimitada, nosso cérebro é muito mais potente do que uma Inteligência Artificial. Somos capazes de criar coisas maravilhosas, como foram criadas durantes anos. Temos grandes artistas em todas as áreas, com mentes brilhantes e criativas. Os estúdios podem fazer isso para baratear custos, mas vão voltar pro trabalho que era feito como sempre foi desde que o mundo é mundo”, finalizou. 


O lado B: a defesa das inteligências artificias 
 
Do outro lado da história, do lado das produtoras e dos estúdios de cinema e televisão de Hollywood, estão aqueles que veem nas inteligências artificiais oportunidades. Como foi dito, o ChatGPT tem sim seu fã clube, e entre os integrantes estão alguns roteiristas que defendem a ferramenta como uma aliada na execução de tarefas ‘chatas’. 
 
O engenheiro de produção e entusiasta das tecnologias digitais, Victor de Almeida, é autor do artigo ‘Revolução da IA: ChatGPT e o futuro do trabalho’. Victor classifica o ChatGPT como uma oportunidade de mudança na dinâmica de trabalho. Para ele, A introdução das inteligências artificiais traz tanto oportunidades como desafios. “ É crucial encontrar um equilíbrio entre a incorporação da IA em nossas vidas e a preservação das qualidades humanas que valorizamos”, disse.
 
Questionado sobre a prorrogativa da substituição dos empregos. “Compartilho do pensamento de substituição e estou certo de que ocorrerão, no entanto, é importante considerar que esse pensamento de substituição pode não ser necessariamente um problema se soubermos inserir corretamente essas ferramentas de IA em nossa sociedade. A colaboração entre humanos e máquinas inteligentes pode levar a resultados mais eficientes e melhores. A IA pode ajudar a ampliar as capacidades humanas, fornecendo insights e assistência em tomadas de decisão, ampliando a criatividade e a produtividade”, defendeu o engenheiro.
 
Sobre a reivindicação dos roteiristas, Victor diz entender os profissionais, mas defende o uso da IA como uma ferramenta de colaboração no processo de escrita das obras. Para ele, a combinação do talento humano e com o potencial da IA pode resultar em um trabalho eficiente e sinérgico. 
 
E o que o ChatGPT tem a dizer? Fomos perguntar ao chatbot o que ele sabia da greve dos roteiristas de Hollywood. A ferramenta informou que sua última atualização de conhecimento é de setembro de 2021 e que não está ciente de eventos ocorridos após essa data. Então, perguntamos se ele gostaria de saber sobre a greve e a resposta foi: “Por favor, me conte os detalhes”. 
 
Contamos de forma resumida o que era a greve e o ChatGPT respondeu: “Essa greve demonstra a importância dos roteiristas em proteger seu trabalho, garantindo que suas habilidades e contribuições continuem sendo valorizadas na indústria do entretenimento. É uma luta pela manutenção da criatividade humana e da autenticidade nas produções audiovisuais”. 
 
Em seguida, questionamos se a IA irá substituir os roteiristas na produção dos roteiros. 
 
“Embora a IA tenha avançado significativamente em várias áreas, a criatividade e a capacidade de contar histórias de maneira envolvente ainda são habilidades predominantemente humanas. A IA pode ser útil como uma ferramenta auxiliar para os roteiristas, ajudando na geração de ideias ou na análise de dados, mas a criação de roteiros complexos e emocionalmente ricos continua sendo um domínio exclusivo dos seres humanos. Os roteiristas trazem experiências, emoções e perspectivas únicas para suas narrativas, o que é difícil de replicar por meio de algoritmos”, respondeu o chatbot. 
 
A greve dos roteiristas e a evolução das Inteligências Artificiais seguem a todo vapor. Esses são só os primeiros capítulos de uma história onde a tecnologia se apresenta com novas roupagens, mas ainda moldando e impactando as estruturas da sociedade. 

Para saber mais sobre os efeitos da greve dos roteiristas clique aqui.
 

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