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06/11/2023 às 17h03min - Atualizada em 06/11/2023 às 16h55min

Sebos e bazares literários: como as livrarias alternativas incentivam e preservam a literatura em tempos digitais?

Conheça o Sebo O Geraldo, um dos maiores acervos de livros usados da cidade de Fortaleza

Lorena Frota - Editado por Fernando Azevêdo
O setor editorial brasileiro tem enfrentado mudanças nos últimos anos, impulsionado pelas transformações do período pandêmico e também pelo aceleramento exponencial da digitalização da leitura. Segundo dados da Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, realizada pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), em 2022 as livrarias exclusivamente virtuais alcançaram 35,2% do faturamento das editoras do país, ultrapassando as livrarias físicas. 
Atrelado a isso, há em questão a crise de grandes livrarias, que seguiram fechando suas portas gradativamente até se encontrarem somente em endereços de e-commerce. O alto custo desse modelo de negócio, com caros valores de produção, aluguel e manutenção, elevou o preço das edições físicas dos livros, o que incentivou muitos leitores a se deslocarem para outras modalidades de leitura, como e-books, leitores digitais e audiolivros. 
 
No entanto, em meio aos desafios do mercado de livros no Brasil, a demanda pelas edições físicas das obras literárias ainda é significativa. Conforme a 5° edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil realizada pelo Instituto Pró-Livro, 54% dos fortalezenses são leitores, e 33% deles preferem comprar seus livros em livrarias físicas, mesmo com a escassez dessas. 
 
Surge, portanto, a necessidade do leitor de atender a essa demanda, não somente nos endereços virtuais das livrarias, mas também de usufruir dos espaços que proporcionem o acesso alternativo à leitura e a uma experiência única de comprar e escolher livros. Dentre bibliotecas públicas e bazares literários, os sebos são uma alternativa interessante que resiste ao tempo e à poeira e viabiliza a aproximação do leitor com uma nova visão para os livros. 
 
Sebo O Geraldo | Fortaleza/CE | Foto: Lorena Frota

Sebo O Geraldo | Fortaleza/CE | Foto: Lorena Frota

Sebo O Geraldo, a maior casa de livros usados de Fortaleza 
 
Sebo O Geraldo, a maior casa de livros usados de Fortaleza 

Da ficção à sociologia, dos quadrinhos aos CD's e discos de vinil, as estantes bagunçadas estão sempre sujeitas ao olhar atento de clientes que garimpam títulos e acervos de todos os tipos. Sebos são uma importante ferramenta de acesso à literatura e à memória, persistindo até hoje como importante meio de preservação de histórias e experiências. 
 
Estela Sousa e Geraldo Duarte | Foto: Lorena Frota

Estela Sousa e Geraldo Duarte | Foto: Lorena Frota

 

Com mais de 200 mil livros em seu acervo, o sebo leva o nome de um livreiro experiente e com mais de 50 anos de história na venda de livros usados, seu Geraldo Duarte. O livreiro conta sua história com simplicidade, recordando de momentos difíceis em que vendia seus livros nas ruas do centro de Fortaleza até se fixar finalmente na rua 24 de Maio, 950. 
 
“Eu comecei vendendo no meio da rua com um amigo, carregando pacotes enormes com os livros. Quando dava 6h da noite, espalhava os livros ali na Guilherme Rocha, perto da Praça do Ferreira. A gente guardava tudo no Abrigo Central de Fortaleza, mas nunca com um lugar fixo, sempre carregava os livros depois das nove horas para algum lugar. A guarda municipal sempre tomou muita coisa da gente, várias vezes. Mas às vezes, em meio ao sofrimento, alguém vê a sua situação e faz alguma coisa. Foi assim que um dia chegou um senhor, bateu no meu ombro, e me perguntou se eu queria uma banca para vender meus livros.”
 
Com o tempo e a demanda de abrigar cada vez mais edições, o sebo foi ampliando seus corredores e se tornando um dos lugares com mais riqueza de variedade de livros da capital. “Antigamente, o estoque era menor, agora é quase meio quarteirão de livro. A casa ficou pequena, então fui fazendo mais galpões lá atrás, sabe? Pra poder tomar conta dos livros”, comenta Seu Geraldo.
 
Os livros fazem parte do dia a dia. Estão por toda parte. Chegam e se vão em meio a diferentes histórias e interesses. Entre trocas, compras, doações e telefonemas, a experiente secretária do sebo, Estela Sousa, guarda na memória a maioria dos títulos do gigantesco acervo que toma conta. Basta perguntar o nome e, às vezes, apenas o autor, Estela com certeza vai saber de cor onde o livro estará. 
 
Trabalhando há 22 anos em meio aos tantos exemplares e ao lado do chefe - e cunhado - Geraldo, ela comenta sobre o ambiente querido em que trabalha: “É de família. E é por prazer. Eu trabalho aqui por puro prazer e por dedicação”.
 
Sebo O Geraldo | Fortaleza/CE | Foto: Lorena Frota

Sebo O Geraldo | Fortaleza/CE | Foto: Lorena Frota

 

Um lugar assim é preenchido de memórias, sejam aquelas descritas em um dos livros embrenhados nas prateleiras, seja dentro dos corações de clientes apaixonados. Inúmeras são as histórias de quem já teve a vida atravessada por este local e que hoje se consideram leitores que entendem a necessidade desses espaços como parte fundamental de preservação da literatura para a geração nativa digital que já possui diferentes hábitos de leitura, como comenta a professora Tamara Costa, da rede municipal de ensino:
“Eu frequentava esse sebo na época do colégio. Seu Geraldo nunca se importou com a bagunça que a gente fazia e hoje é um ponto de encontro para os amigos da época. E hoje, como professora, eu vejo que meus alunos conseguem fazer leituras de livros online, mas a gente propõe essa situação da leitura física e hoje eu me surpreendo, eles estão indo a bibliotecas e pegando livros. Eu acho que a tendência é que haja um cansaço com a tela para buscar o livro físico, por conta da iluminação e também da experiência de leitura”. 
 
Sebo O Geraldo | Fortaleza/CE | Foto: Lorena Frota

Sebo O Geraldo | Fortaleza/CE | Foto: Lorena Frota

 

É notável que o público leitor está cada vez mais aberto às mudanças e às tendências do mercado editorial, que ajudam a promover a democracia literária com diferentes recursos digitais. Mas, paralelo a isso, há a preservação da experiência literária e do prazer de encontrar lugares assim, que resguardam o fascínio pela leitura. “Eu tento priorizar lugares como esse pela questão de existir esse local. Porque, às vezes, no virtual é até mais barato, mas é uma escolha minha de vir aqui, por gosto mesmo", diz o professor Tiago Muniz, cliente semanal do sebo.
  
A dinâmica entre o mundo multifacetado da literatura digital e o mundo editorial físico de obras não é uma discordância, mas um vínculo harmonioso entre aqueles que amam a leitura e querem vê-la se perpetuar além das fronteiras, sejam elas econômicas, sejam elas sociais, que já dividem os indivíduos de tantas outras necessidades substanciais. E mesmo em tempos em que o espaço físico se tornou tão caro e os exemplares precisam sustentar o valor de seu custo, ainda há quem não abra mão dos pequenos detalhes de segurar um livro nas mãos ou explorar os corredores estreitos de um sebo e se envolver com as maravilhas que os livros exprimem em suas páginas. 
 
Para esses clientes, os novos ou os que já o transformaram em um lugar de afeto, não há dúvidas. “Não sei o que o futuro reserva, se vai condenar o papel. Penso eu que não, acho que o papel ainda vai se manter forte, muita gente está migrando para o digital por ser mais lucrativo, enquanto aqui é mais dispendioso. Mas eu acho que ainda vai existir mercado para isso aqui, principalmente para livros velhos", afirma Alan Rodrigues, cliente do sebo desde sua adolescência.
 

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