Composta por 10 capítulos, a série “Fim”, original Globoplay, é protagonizada por Marjorie Estiano e Fábio Assunção, que dão vida, respectivamente, aos personagens Ruth e Ciro. Os dois carregam os arcos centrais, mas o trunfo da trama é transitar por entre o núcleo de personagens que orbitam o casal principal.
Os casais Irene (Débora Falabella) e Álvaro (Thelmo Fernandes), Norma (Laila Garin) e Silvio (Bruno Mazzeo), Neto (David Júnior) e Célia (Heloísa Jorge), e o solteirão Ribeiro (Emílio Dantas) têm espaço de tela com as micro narrativas paralelas que cada um carrega.
Como o enredo aborda a juventude, maturidade e velhice de um grupo de cinco amigos, a mudança temporal é constante no roteiro. No entanto, diferente do que se vê na maior parte dos produtos audiovisuais contemporâneos, “Fim” não explica o óbvio.
Não espere ver um letreiro gigante com especificações de datas, mas mantenha a tranquilidade, porque a história em nada é prejudicada por isso, muito pelo contrário. Todos os elementos do filme, da caracterização à trilha sonora e cenografia, se encarregam de ambientar o espectador sobre em qual momento a série está.
A caracterização, diga-se de passagem, peca pelo excesso. Nos momentos em que os personagens atingiram a velhice, em meados de 2012, a maquiagem perde a naturalidade e se torna um recurso hiperbólico para demonstrar que os personagens envelheceram.
Nas demais sequências narrativas, o trabalho merece elogios, já que, com simplicidade, marca fases temporais sem recorrer às obviedades e superficialidades que poderiam prejudicar não apenas o desenvolvimento do roteiro, como também o próprio processo de edição das cenas.
Um dos feitos do seriado é expor o quão cruel o envelhecimento pode ser. Surgimento de doenças, perdas de entes queridos, separações de amigos e amores. O ciclo da vida dos cinco amigos é imprevisível, mas único e singular, assim como o de todas as outras pessoas, dentro e fora da ficção.
Direção e elenco em harmonia
Ser levado pelos 10 capítulos de “Fim” é, na verdade, um convite para ver o trabalho do diretor Andrucha Waddington em total consonância com a performance da equipe de intérpretes. Sem exageros, mas totalmente entregues, eles mostram a que veio.
Falar que Estiano é talentosa poderia ser um pleonasmo. A atriz, conhecida pela trajetória em novelas, filmes e séries, vivencia uma das personagens com mais camadas. O desejo de engravidar, o afastamento do marido por quem é perdidamente apaixonada e uma traição que resultou em uma nova vida são alguns dos arcos que Ruth transpassa, sendo atravessada, descosturada e atingida.
Em parceria com Marjorie, Fábio interpreta os desequilíbrios causados pela masculinidade tóxica de um personagem que não conseguiu aceitar, tampouco expor sua infertilidade. Na pele de Silvio, Bruno Mazzeo é um alívio cômico e, ao mesmo tempo, um personagem que irrita, provoca raiva e até mesmo ódio.
Débora Falabella passeia pelas minúcias e incertezas de Irene e vê-la em um papel tão distinto em “Terra e Paixão”, atual folhetim das nove da Rede Globo, escrito por Walcyr Carrasco e Thelma Guedes, apenas escancara a versatilidade cênica que ela possui
Laila Garin é um poço de firmeza e sensatez, é a bússola moral da trama e o apoio da personagem de Marjorie Estiano, com quem protagoniza cenas profundas e dramáticas. O casal formado por Neto (David Júnior) e Célia (Heloísa Jorge) é uma trama à parte. Do amor às discussões, eles representam bem aquele casal, perdidamente apaixonado, mas, nem por isso, é protegido dos impasses do cotidiano matrimonial.
Álvaro e Ribeiro, defendidos por Thelmo Fernandes e Emílio Dantas, são a amizade que a narrativa tanto expõe. Ao lado um do outro, eles enterram todos os outros e, depois, também morreram um após o outro, porque é dessa forma que eles viveram e dessa forma que eles morreram: juntos, ou quase.
Escrita por Fernanda Torres, que atua como Celeste na obra, “Fim” é definitivamente um dos maiores acertos do Grupo Globo para o último semestre deste ano. Ao longo de 10 capítulos, temas sensíveis e necessários são discutidos com delicadeza e profundidade.