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14/08/2020 às 08h48min - Atualizada em 14/08/2020 às 08h46min

"Cadê meu celular? Eu vou ligar prum oito zero"

Franciele Rodrigues - labdicasjornalismo.com
Portal G1/Reprodução
Em 07 de agosto, a Lei nº 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha completou 14 anos. A legislação é uma homenagem à farmacêutica Maria da Penha que sofreu duas tentativas de homícido por parte do ex-marido e ficou paraplégica. Após 23 anos de violências, ela conseguiu denunciar o agressor. 

Desse modo, a Lei visa criar mecanismos que possam coibir e previnir a violência doméstica e familiar. A determinação considera múltiplas violências como crimes, ou seja, violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

As proteções da Lei Maria da Penha resguardam quem exerce o papel social de mulher seja biológica, transgênero, transexual ou homem homossexual. E o agressor também pode ser do sexo feminino de acordo com o Superior Tribunal de Justiça desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade. 


Com a pandemia da Covid-19, as denúncias de violência contra as mulheres aumentaram por diversas partes do mundo. Dados do Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos apontam que as queixas cresceram significamente desde março de 2020 quando a doença começou a avançar pelas cidades brasileiras. 

Assim, comparado em abril de 2019, neste ano foram registradas 38% mais queixas. No Brasil, a violência doméstica atinge, sobretudo, as mulheres negras, um exemplo é a cantora e compositora Elza Soares. Por mais de duas décadas, ela viveu um relacionamento abusivo com o jogador de futebol Garrincha. Em entrevista ao portal Terra, em 2018, Elza contou que o conheçou durante a Copa de 1962, ele era casado e a cantora foi vista como o pivor para a sua separação, o que afrontou as expectativas da família tradicional brasileira. 

Durante a entrevista indicada ela também declarou "como toda pessoa que sofre dessa doença terrível [cirosse], ele se alterava quando bebia. Ele era o médico e o monstro". A música "Maria de Vila Matilde" trazida por Elza no albúm "A mulher do fim do mundo", lançado em 2015, retrata a violência doméstica da qual foi vítima e, então, tornou-se um hino dos movimentos pela igualdade de gênero.

Acompanhe: 




14 ANOS DA LEI COM O AUMENTO DAS VIOLÊNCIAS 

Eliane Patrícia Araújo é formada em História e Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). A profissional tem dedicado-se a pesquisar e propor ações que combatam as violências de gênero como a oferta de palestras em escolas estaduais. 
Atualmente, ela também é responsável pela coluna “Precisamos falar sobre Maria da Penha” veiculada todas as terças-feiras ao meio dia na Rádio UEL FM.

A historiadora e advogada avalia quais fatores podem influenciar no aumento da violência doméstica durante a pandemia da Covid-19. Segundo ela, o fato de a mulher estar exposta por mais tempo no mesmo ambiente em que o agressor gera na mulher uma angústia muito grande e medo. “Maria da Penha relata que os piores dias para ela eram fins de semana e feriados devido ao fato de estar por mais tempo junto ao agressor e isso era uma violência psicológica muito marcante”, ressalta.

Além disso, Araújo evidencia fatores externos “nesse ambiente de quarentena, famílias passam o dia todo no mesmo ambiente em uma convivência forçada que pode exacerbar tensões. A ONU Mulheres no documento “Covid-19 na América Latina e no Caribe: como incorporar mulheres e igualdade de gênero na gestão da resposta da crise” sinalizou que isso é um fator que contribui para a violência doméstica. A fuga da situação de violência torna-se ainda mais difícil, por conta da restrição de serviços e de movimentação na quarentena, pela possível diminuição de renda, e pela própria convivência diária e ininterrupta com o agressor. Tal cenário reflete-se em estatísticas ao redor do mundo: na China, denúncias de violência doméstica subiram três vezes no período da pandemia". 

Ela avalia que a Lei Maria da Penha é um marco importante no combate à violência doméstica, sendo que a partir dela foram estabelecidas outras iniciativas que buscam incluir as das questões de gênero nos currículos das escolas e promover a ressocialização dos agressores. No entanto, ela considera que ainda é preciso atentar-se ao cumprimento da Lei, sobretudo, em municípios menores e regiões mais vulneráveis. 
 

 
O balanço que eu faço dos 14 anos da Lei é positivo no geral. Contudo, há a necessidade de implementação do que a Lei prevê através de políticas públicas  para que a lei tenha efetividade. A Lei tem sido aplicada nas cidades que possuem o aparato necessário para sua aplicação: juizados  de violência doméstica e familiar contra a mulher, delegacia da mulher, casa abrigo, centro de referência e atendimento à mulher, serviços de ressocialização de agressores. O problema é que poucas cidades contam com todos esses serviços.

As punições mais recorrentes para os agressores são comparecimento mensal em juízo, proibição de frequentar determinados lugares, proibição de se ausentar da comarca, frequência ao processo de ressocialiazação de homens que já possuem sentença condenatória, explica Araújo. 

"EM BRIGA DE MARIDO E MULHER NÃO SE METE A COLHER?"

A entrevistada afirma que a denúncia das violências constitui um longo caminho, pois é necessário que a mulher, primeiramente, sinta-se segura para falar, processo que é vivenciado de maneiras e tempos diferentes entre as vítimas “o ato de denunciar efetivamente pode levar anos, já ouvi relatos de mulheres que levaram mais de dez anos. Antes de denunciar ela vai avaliar vários quesitos, por exemplo, dependência financeira do agressor, medo de não ter do Estado à assistência necessária após fazer a denúncia. Pesquisas apontam que 60% das mulheres têm medo de denunciar”, pontua.

Araújo também indica quais são os caminhos para realizar a queixa. No caso de a mulher não saber como proceder, é necessário procurar auxílio especializado. Em Londrina-PR, é possível recorrer a associações como Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres, Centro de Referências de Atendimento à Mulher (CAM), Casa da Mulher (oferece cursos, oficinas e palestras), Programa Rosa Viva (casos de violência sexual).

Já nos casos em que o agressor está descumprindo a medida protetiva, a mulher ou qualquer pessoa pode acionar 153 (Patrulha Maria da Penha). E na ocorrência de violência doméstica em flagrante, a mulher ou qualquer pessoa deve acionar 190 (Polícia Militar).

Em todo o Brasil, denúncias podem registadas atráves do Ligue 180. Além de receber as queixas contra as mulheres, o canal encaminha os depoimentos aos órgãos competentes, monitora as situações e também tem a função de orientar as vítimas. 

Eliane Araújo ressalta que é dever de todas as pessoas denunciar as violências sofridas pelas mulheres e, mais amplamente, de todas as violações de direitos humanos. 
 

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