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11/02/2021 às 19h18min - Atualizada em 11/02/2021 às 18h29min

Nomes em busca da verdade

45 anos da publicação do manifesto que uniu 1.004 jornalistas em busca da verdade sobre a morte de Vladimir Herzog

Karina Almeida - Editado por Andrieli Torres
Foto: Wilson Ribeiro/Divulgação Instituto Vladimir Herzog
Políticas de restrições às liberdades, repressões e censura nos meios de comunicação. Foi nesse contexto da Ditadura Militar brasileira que ocorreu a tortura e morte de um jornalista avesso a qualquer tipo de violência. Após o ocorrido, 1.004 jornalistas se uniram em memória e protesto no abaixo-assinado em “Em nome da verdade”. Em 2021, foi completado 45 anos de sua publicação e pela primeira vez, após revisões, é possível conhecer a lista completa dos signatários. Conheça a história e seus desdobramentos.

Vladimir Herzog era, sobretudo, humano e jornalista. Conheceu cedo as consequências do ódio por conta das perseguições aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Após uma longa trajetória,  naturalizou-se brasileiro e foi criado em São Paulo, onde, na juventude, cursou Filosofia. Mas foi nas artes visuais e no jornalismo que encontrou seu caminho.

Era um intelectual aspirante à cineasta que se preocupava com a realidade brasileira e com as questões sociais. Distante da política, Vlado queria fazer a diferença e entrou no meio jornalístico para deixar sua marca. Em 1959 foi recebido como estagiário no jornal O Estado de S. Paulo e assim seguiu carreira. Em 1975, foi chamado para dirigir o jornalismo da TV Cultura, cargo que não ocupou por muito tempo.

A censura do período havia sido intensificada e circulavam histórias sobre torturas. Conduzida pelo DOI-CODI, um órgão informacional de defesa interna, a 'Operação Jacarta' tinha a intenção de destruir bases do Partido Comunista Brasileiro (PCB) na imprensa, sindicatos e outras entidades. Durante um grande período, muitos jornalistas e intelectuais eram chamados para interrogatórios.

No dia 24 de outubro de 1975, agentes do II Exército convocaram Vlado para prestar depoimento sobre as ligações que ele mantinha com o PCB. No dia seguinte, Herzog compareceu espontaneamente ao prédio do DOI e acabou preso com mais dois jornalistas. Ao depor, negou qualquer envolvimento com o partido e, a partir de então, um os outros dois profissionais foram levados para um corredor afastado.

Vladimir Herzog foi torturado e assassinado no dia 25 de outubro de 1975. Para encobrir o real motivo do óbito os oficiais forjaram uma cena de suicídio que contava até mesmo com uma foto. No entanto,  houve uma inesperada repercussão; a farsa não foi totalmente aceita e todos cobravam respostas.

Eclodiram muitas manifestações, a oposição crescia e mesmo uma semana depois mais de oito mil pessoas participaram do culto ecumênico em homenagem ao jornalista judeu. O meio jornalístico estava envolto pela revolta, por luto e uma ânsia por respostas. Em janeiro de 1976 o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, presidido por Audálio Dantas, encaminhou à Justiça Militar o manifesto “Em nome da verdade”.

No dia 3 de fevereiro de 1976, no jornal O Estado de São Paulo, o manifesto foi publicado e contava com 1.004 assinaturas. Era na 
página 15 que estava o anúncio de impacto político dividindo espaço com uma lista de aprovados no vestibular. Foi custeado por profissionais de seis estados brasileiros e redigido por Fernando Pacheco Jordão. Como dizia a publicação, os jornalistas estavam “[…] interessados na descoberta da verdade e na total elucidação dos fatos, por força mesmo da natureza da nossa profissão, vimos de público levantar algumas indagações, sugeridas pela leitura do Relatório do Inquérito Policial-Militar divulgado no último dia 20 de dezembro" (trecho retirado do manifesto 'Em Nome da Verdade').

Ao todo, eram cinco indagações que utilizavam argumentos e relatos de testemunhas para refutar o relatório. Sobre o suposto enforcamento, questionavam primeiro sobre a cinta utilizada e o motivo de estar usando um macacão especial até chegar as inconsistências na fiscalização e segurança. Outro ponto foi sobre o laudo do exame de corpo de delito do Instituto Médico Legal (IML). Neste, os legistas descreviam que a roupa do corpo na necropsia não era a mesma do laudo fotográfico de encontro, mas sim aquela com que Vlado foi ao DOI. Como era possível essa diferença entre as vestimentas?

O local de enterro descrito como uma área reservada para os suicídios, também foi contestado. Isso porque em uma entrevista, o rabino Henry Sobel disse que os ritos do sepultamento tinham sido normais pois a Chevrah Kadisha (sociedade judaica que prepara as cerimônias) não encontrou indícios que comprovassem o suicídio. As outras alegações referem-se às ordens de liberação do jornalista - o que não aconteceu, e por fim, aos constrangimentos físicos ou morais das testemunhas.

Ao final estavam as assinaturas e, entre estas, encontram-se nomes conhecidos como Mário Quintana, Ruy Mesquita Filho e Carlos Chagas. O aMnifesto foi um corajoso ato em memória de um amigo querido e em repúdio ao regime, provocando as autoridades. O assassinato revelou as atrocidades da ditadura e isso gerou um movimento que, com o tempo e atrelado aos demais fatos da época, resultou no processo de redemocratização do país.

Mauro Malin, jornalista e historiador, tem o manifesto como objeto de pesquisa e, graças ao seu trabalho, 45 anos depois da publicação, temos pela primeira vez os signatários estão corretamente identificados. Na época, as grafias podem ter sido comprometidas por conta do linotipo utilizado para a impressão dos jornais. O historiador conseguiu ainda relatos sobre os motivos que os levaram a assinar o documento em uma época tão controversa. As narrativas e memórias completas estão disponíveis no site do Instituto Vladimir Herzog.

Segundo o jornal Estadão, os resultados da pesquisa de Malin serão usados em um capítulo extra da sétima edição do livro de Fernando Pacheco Jordão, Dossiê Herzog: Prisão, Tortura e Morte no Brasil (1979). A obra reúne a documentação da tragédia e dialoga sobre a tortura que assolou milhares na ditadura.

Em todos os relatos, é enfatizado como 
Herzog era querido entre os amigos e colegas de profissão. Queria fazer a diferença e conseguiu isso no jornalismo com sua paixão pelo cinema e, hoje, com seu nome. O  caso teve desdobramentos por anos. Apenas em 1998 foi reconhecido o direito a indenização às famílias de todos os presos políticos assassinados na ditadura.

Além disso, a primeira edição do Prêmio Vladimir Herzog, em 1979, estimulou a luta pela democracia e homenageava o jornalista. Em junho de 2009 a família e pessoas ligadas a Vlado decidiram criar o Instituto Vladimir Herzog e até hoje influencia ações que reforcem os valores da Democracia, os Direitos Humanos e a Liberdade de Expressão.

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