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06/03/2021 às 20h07min - Atualizada em 06/03/2021 às 19h55min

Série "Mulheres na Literatura" – Entrevista com Perla de Castro

“A produção de mulheres dentro do mercado editorial é de resistência e alta qualidade”

Talyta Brito - Editado por Gustavo Henrique Araújo
Agradecemos à editora e escritora Perla de Castro pela participação na série para o mês dedicado às mulheres
Foto: Perla de Castro | Reprodução: Arquivo pessoal
O sobe e desce de elevadores e os barulhos de passos apressados indicam que mais uma semana de trabalho se iniciou. Basta apenas uma volta rápida pelos corredores das instituições para perceber que a presença de Ferracinis é maior do que a de Scarpins.

Conforme pesquisa realizada em 2019 pelo Insper, em parceria com a Talenses, apenas 13% das empresas brasileiras têm CEO mulheres. Compreendendo a disparidade de gênero que, infelizmente, prevalece nas empresas, conversamos com Perla de Castro. Atualmente, ela coordena a Litere-se, editora independente que desenvolve projetos como o Coletivo “Mulheres das Letras”.

Foto: Perla de Castro | Reprodução: Arquivo pessoal

Os livros sempre fizeram parte da sua vida, aos 11 anos ela já escrevia suas próprias histórias. Seus livros publicados são: "Estesia" (2017); "Breu" (2017); "Chave de mim" (2018); "Vampirinha escritora" (2019) e seu último lançamento "Tupi e as borboletas" (2020). Entre os anos de 2018 e 2019, recebeu prêmios culturais e literários, como o Prêmio Tia Dalva 2018 e o Melhores do Ano Literarte 2019.

Foi agraciada, também em 2019, com o título de Comendadora por ser ativa culturalmente. Hoje, segue sua carreira produzindo feiras literárias, oficinas de produção literária em colégios da rede pública e, recentemente, fundou a AALIBB (Academia de Artes e Letras Internacional da Baixada Fluminense e Brasil) em que foi eleita presidente. 

Talyta Brito Como surgiu a ideia de abrir uma editora e qual momento se mostrou ser mais desafiador ao fazê-lo?


Perla de Castro A ideia de abrir a editora veio depois de uma frustrada publicação do meu primeiro livro através de uma outra editora. A realização de um sonho acabou por virar pesadelo, pois o livro não saiu de jeito nenhum como idealizei, o atendimento era péssimo após formalização do contrato. Antes disso acontecer, eu já participava de várias antologias em outras editoras, já era colunista em alguns portais literários e revistas, e já ouvia muitas reclamações de outros escritores sobre o mercado editorial, sobre a falta de oportunidade, sobre as desilusões deles com algumas editoras. E foi daí que foi nascendo a vontade de abrir uma editora para tentar fazer alguma diferença no mercado editorial, e a idealização se tornou realidade depois da minha experiência com a publicação do meu primeiro livro. 

TB Como é sua rotina dentro da Litere-se?

 
PC A rotina na Litere-se começa cedinho, e claro, sempre muito corrida. Os dias sempre começam com leituras de muitos e-mails, análise de originais, edição de outros de contratos já fechados, contatos com fornecedores, conferências de arquivos de serviços terceirizados (revisão). Nosso atendimento funciona em horário comercial, mas acabo quase que sempre vivendo Litere-se “30h por dia”. Mas não abro mão por nada dessa correria editorial. Acabo sempre aprendendo muito e realizando também. É gratificante. 

TB Você, além de editora, é também escritora. Como você lida com os trabalhos voltados à literatura e sua vida pessoal? As pessoas te apoiam?

 
PC Ainda que minha rotina seja corrida, eu todo dia tiro ao menos meia hora para produzir algo pessoal, tocar adiante meus projetos de livros etc. Tenho conseguido, e fico feliz por isso, pois a raiz de hoje eu ser editora é, antes de tudo, eu ter sido escritora, então, não poderia jamais deixar esse meu lado parar ou morrer. E a cabeça pensa direto, mil ideias. Vago entre literatura infantil, terror, suspense, roteiro de documentários e HQs, poesia e artigos em geral. Apoio eu tenho muito de minha família e amigos. E claro, tenho leitores super incríveis também que acabaram abraçando todo tipo de arte que produzo, tenho essa sorte. 

TB Qual o propósito do Coletivo “Mulheres das Letras”?

PC O projeto "Mulheres das Letras" começou em 2017, antes era somente uma mesa de bate papo em eventos da Editora Litere-se, onde mulheres ligadas ao mercado editorial em geral contavam ao público sobre suas carreiras e desafios. E sempre foi sucesso, as pessoas sempre amavam poder assistir/ouvir. A partir daí, resolvemos expandir um pouco e, além do bate papo, virou Prêmio Internacional Mulheres das Letras (anual que acontece desde 2019), como prêmio nós começamos a publicar uma antologia de forma gratuita com textos de mulheres do mundo todo, e mais uma vez, foi sucesso! O prêmio continua e já está na 3ª edição e só aumenta o número de escritoras premiadas que vêm tendo sua arte reconhecida e propagada. A rede dessas mulheres foi crescendo tanto que virou um Coletivo e a novidade agora é que o "Mulheres das Letras" está sendo oficializado e formalizado como Academia Internacional Mulheres das Letras, e isso aconteceu por pedido das escritoras, para que assim a gente pudesse alcançar cada vez mais parcerias e visibilidade. Como academia, vamos abraçar mulheres que produzem qualquer tipo de arte e também as empreendedoras! É interessante ver que, em pouco tempo, o projeto foi se adequando e evoluindo de acordo com a necessidade das mulheres e seus pedidos de ajuda e que desde o início estamos conseguindo cumprir o objetivo de dar voz e ser voz das mulheres em todas as frentes. Estamos cada vez mais crescendo essa rede de empoderamento. 

Foto: Perla de Castro | Reprodução: Arquivo pessoal

TB Os eventos literários do ano passado foram cancelados por conta da pandemia de Covid-19. Como a Litere-se venceu esse desafio?

PC Pois é, em 2020 fomos pegos de surpresa! A Litere-se tinha uma agenda toda organizada com diversos eventos em cidades e estados diferentes, era o ano que a gente ia conseguir dar um boom em tudo! Porém, do nada nos vimos tendo de cancelar tudo, e claro, de início bateu um tremendo ponto de interrogação em toda equipe. Pois quase todos projetos somente seriam viáveis de forma presencial. E no final das contas, ficamos com muitas caixas lotadas de livros e sem ter como fazer isso tudo chegar aos leitores que encontraríamos presencialmente. A saída foi pensar em novos projetos que fossem possíveis de forma online, então, mergulhamos, como tantos outros do mercado, nas lives no Instagram, demos uma organizada maior na lojinha de livros do nosso site e fomos remando nessa maré virtual. Tivemos bastante êxito em vários livros etc, mas claro que foi e continua sendo bem difícil sem o contato presencial que era a forma mais eficaz para nossa forma de trabalhar. Mas foi também o momento que nos sacudiu para sempre ter o plano B, que agora é o mundo virtual, mais do que nunca! E nossas feiras e outros eventos em 2021 estão sendo trabalhadas para acontecer de forma online, que parece ser mais fácil e não é, pois demanda muito mais divulgação, equipe especializada e a famosa corrida contra o tempo. 

Sobre a Bienal do Rio 2021, ela declara que mantém o pensamento positivo e que sua empresa buscará repetir em maior proporção o que a empresa já conseguiu na Bienal Virtual do Livro de SP em dezembro 
lançar o maior número de escritores dentro do evento. Ela ressalta que "participar de um evento dessa magnitude, é sempre de enorme importância."
 
TB Conte-nos uma dificuldade pela qual passou no seu trabalho como editora, e como a superou.

PC A dificuldade constante, que gosto mais de chamar de desafio, é conseguir fazer uma editora independente situada na Baixada Fluminense se destacar dentro do vasto mercado editorial. Faço meu trabalho num local onde as oportunidades de expansão são quase zero, estamos situados em uma cidade praticamente bem longe de tudo. Para irmos em grandes eventos, é sempre uma viagem que demanda questão financeira, transporte e alimentação. Para realizarmos eventos em nossas áreas, não há apoio, então é tudo feito na base da parceria com outros produtores que dividem o mesmo sonho. É uma luta constante em que a gente, ao longo do caminho, vai tentando parcerias para fazer tudo acontecer. E temos tido boa sorte ao longo desses quatro anos. Pois apesar das dificuldades, já consegui colocar a editora duas vezes participando da FLIP em Paraty e outros grandes eventos que nos ajudaram a continuar de pé e vencer esses desafios. Pois para meu ramo de trabalho, de nada adianta publicar mil livros e escritores e não ter onde prospectá-los, preciso sempre estar com a mala cheia de livros, viajando para onde o público está (seja presencial ou online).

 
TB Qual foi a experiência mais marcante que você já viveu durante a gestão da Litere-se?

PC Um dos momentos mais marcantes até hoje para mim, além mesmo de toda emoção que é conseguir realizar o sonho de escritores através da publicação, foi o dia em que participei de um evento em São Paulo, onde recebi com chancela da Associação Brasileira de Liderança e do Governo de São Paulo o título de Comendadora por Ativismo Cultural. Isso aconteceu em 2019, foi ali que tive a certeza de que meu trabalho estava alcançando boas proporções e realmente fazendo alguma diferença na sociedade. Depois desse título, continuei recebendo outros, hoje já sou Grã Duquesa, porém, o dia realmente marcou de vez a minha história como editora e produtora cultural: foi o recebimento do primeiro título e pude ver o nome da Litere-se e as ações e projetos realizados dentro dela serem citados num evento que contava com a presença de grandes cientistas, doutores e empresários do país inteiro. Ali tive mais certeza de que estou no caminho certo e de que vale a pena continuar, apesar de qualquer dificuldade.

  Foto: Perla de Castro | Reprodução: Arquivo pessoal

TB Hoje, o que a Litere-se representa para você, além do campo profissional?
 
PC A Litere-se surgiu e me deu novas perspectivas, sentido e força para continuar. E não ajudou só a mim, foi também uma injeção de ânimo para toda minha família que até hoje trabalha comigo em todos projetos. Além de minha empresa, é minha superação, e que até hoje me faz enxergar todas dificuldades de outra forma. É uma superação profissional e pessoal. 

Quando questionada se é possível viver de literatura no Brasil, Perla afirma que sim, mas ressalta que é "um caminho muitas das vezes dolorido”. A editora também salienta a importância do networking nesse mercado: “O bom relacionamento nos salva bastante dentro do mercado de forma geral. Por fim, ela acrescenta: “Viver de literatura no Brasil é saber andar sem cair da corda bamba."

O conselho que Perla deixa para outras mulheres que também sonham em trabalhar no mercado editorial é “não esperem tudo estar perfeito para então começar. Se lancem sem medo, sem pensar em julgamentos. Apenas comecem e isso vale para tudo na vida. Vão sim aparecer barreiras, conflitos constantes, mas que nos ajudam na formação do que seremos no futuro. O mercado editorial às vezes assusta, mas também nos faz viver experiências únicas e maravilhosas, coisa que nenhuma outra profissão nos daria. E o mundo de possibilidades é vasto, é mágico!”

 
TB Por último, conte-nos como você vê o mercado literário feminino. Há preconceitos? Como quebrá-los?

PC É bizarro constatar que, mesmo em tempos tão modernos, esse tipo de preconceito exista ainda. E ele parte desde o nome da escritora na capa do livro, a forma como mulheres escrevem sobre determinados assuntos, em eventos onde, em rodas de conversa, a mulher quase não tem direito ao momento de fala ou sua fala é descaracterizada para o mercado editorial. Esperam de nós nos livros e no mercado os mesmos ideais retrógrados de comportamento que nos cobram para viver em sociedade, em que não é de bom grado falar em tal tom, ou de tal assunto ou estar à frente de projetos que julgam que somente homens poderiam dar conta. E sabemos que não há como desconstruir todo um mundo de base patriarcal da noite para o dia.  A produção de mulheres dentro do mercado editorial é de resistência e alta qualidade. Um número enorme munido de talento, inteligência e alertas! Os projetos que estão surgindo cada vez mais voltados para as mulheres são urgentes e necessários e acredito que os mesmos são peça chave para ir colocando nos eixos tudo o que está fora. É a voz da mulher sendo propagada. E somente através do fortalecimento da rede de mulheres, uma empoderando a outra, é que se muda esse cenário.

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Instagram: @perladeecastro | @vidadeeditora | @litereseeditora
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