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09/04/2021 às 20h36min - Atualizada em 09/04/2021 às 20h33min

Alan Turing: mesmo ajudando a salvar milhões de vidas e encurtar a guerra, o matemático britânico foi punido com castração química por ser gay

De acordo com a lei Inglesa vigente à época, entre 1885 e 1967, aproximadamente 49 mil homens homossexuais foram punidos por ‘indecência’

Anna Sales - Editado por Roanna Nunes
Alan Turing. Foto: Reprodução/I

Durante a Segunda Guerra Mundial, que durou seis anos (1939 – 1945), estima-se que 70 a 85 milhões de pessoas morreram. Os números, tanto de vítimas, quanto de duração da Guerra, foram encurtados graças a um matemático britânico: Alan Turing. Com a ‘Máquina de Turing’, ele e outros colegas que trabalhavam para a Escola de Código e Cifras do Governo (GC&CS) em Bletchley Park, o centro britânico de criptoanálise que produzia ultra inteligência, conseguiram ‘quebrar’ e decifrar códigos nazistas, que eram produzidos na máquina alemã ‘enigma’.

Entretanto, não foi tão simples, os códigos nazistas eram mudados todos os dias à meia-noite e a máquina gerava mais de 100 milhões de combinações possíveis. Turing e seus colegas passavam quase o dia todo trabalhando para decifrar o código, mas dificilmente algo de útil saía das mensagens. O matemático chegou a visitar os Estados Unidos para entender como os códigos estavam sendo decifrados, mas teria ficado frustrado com os resultados lá apresentados. Então, Turing desenvolveu uma máquina que seria capaz de decifrar o código nazista.

No primeiro momento, por ser cara, a ideia dele foi recusada pelo Departamento em que trabalhava. Frustrados com a falta de resultados, com equipes limitadas e escassez de equipamentos, Alan Turing e os colegas criptoanalistas Gordon Welchman, Hugh Alexander e Stuart Milner-Barry recorreram diretamente a Winston Churchill, que era o Primeiro-ministro da época. Eles explicaram as dificuldades e Churchill escreveu um memorando ao general Ismay, que dizia: “AÇÃO ESTE DIA. Verifique se eles têm tudo o que querem com extrema prioridade e me informe que isso foi feito”. Poucos dias depois, o chefe do serviço secreto informou que todas as medidas possíveis estavam sendo tomadas.

Com o trabalho da equipe, a máquina foi feita e colocada para funcionar. Os resultados vieram depois de uma série de pesquisas da equipe de Turing, que continuaram trabalhando e viram que as mensagens continham localizações de ataques navais, além das condições de tempo e temperatura para esses ataques. Apesar disso, a maior parte do trabalho teve que suceder em segredo, pois os alemães poderiam desconfiar que o código foi quebrado. Historiadores afirmam que com essa invenção de Turing, cerca de 14 milhões de vidas foram salvas e a Guerra foi diminuída em dois anos.

E não foi apenas para quebrar códigos nazistas que a invenção foi importante. Hoje, ela é a base para os modernos computadores que usamos, além dos estudos de Turing serem utilizados como sustentação fundamental na inteligência artificial. Ele é tido como o pai da Ciência da Computação e sua história pode ser assistida no filme ‘O jogo da imitação’. Mesmo com todos esses avanços e importância histórica, por anos sua relevância e seus estudos foram encobertos por um simples motivo: Alan Turing era homossexual. Na época, ser gay era crime de ‘indecência grave’ na Inglaterra, passível de prisão ou de castração química. Estima-se que no tempo em que a lei vigorou, entre 1885 e 1967, aproximadamente 49 mil homens homossexuais foram punidos.

Segundo o que relatam os historiadores, em 1926, aos 13 anos, Alan Turing já apresentava uma capacidade avançada nos estudos da matemática e das ciências. Ele então ingressou na Sherborne School, um internato independente na cidade comercial de Sherborne. Lá, ele teria conhecido e formado uma significativa amizade com o que foi considerado seu primeiro amor: Christopher Collan Morcom, que também se destacava nas mesmas áreas de estudo. Mas a história foi interrompida com a morte precoce de Christopher em fevereiro de 1930. Ele teve complicações da tuberculose bovina, contraída após beber o leite de vaca infectado alguns anos antes. Turing passou a lidar com a dor trabalhando ainda mais com a matemática e a ciência, desenvolvendo os trabalhos que tinha começado com Morcom. Ele também passou a se corresponder com a mãe do falecido, a senhora Frances Isobel Morcom, mesmo muito depois da morte de Christopher. Frances também costumava mandar presentes para Turing e ele mandava cartas, normalmente nos aniversários de Morcom.

Anos depois, em 1941, já trabalhando para o Governo inglês, Turing propôs um casamento à sua colega matemática do Hut 8, Joan Clark, para que ela pudesse continuar trabalhando na ‘Enigma’ com ele e a equipe. Porém, o noivado não durou muito: ele logo revelou que era homossexual. Apesar disso, eles mantiveram a amizade até a morte de Turing, em 1954.

Em 1952, Alan Turing, então com 39 anos, iniciou um relacionamento com Arnold Murray, um homem de 19 anos. No mesmo ano, a casa de Turing foi assaltada. Murray disse a ele que conhecia o ladrão, e Turing denunciou o crime à polícia. Durante a investigação, ele foi orientado a reconhecer que mantinha um relacionamento sexual com Murray. Com isso, Alan Turing foi sentenciado de acordo com a lei que proibia as relações homossexuais. Ele então tinha duas escolhas: prisão ou liberdade condicional, desde que aceitasse receber a castração química. Turing escolheu a condicional para seguir trabalhando, mas ainda sofreu mais um golpe: a remoção de sua habilitação de segurança, impedindo-o de continuar a ser consultor de criptografia para o governo, além de ser proibido de entrar nos Estados Unidos. Ele pôde apenas prosseguir com os seus trabalhos acadêmicos.

Durante dois anos, Alan Turing foi obrigado a aguentar a castração química, que na época, acreditava-se que iria acabar com a libido e impedir os atos de ‘indecência’. Ele teve que tomar injeções do que era então chamado estilbestrol (agora conhecido como dietilestilbestrol ou DES), um estrogênio sintético. Essas injeções eram para que ele sofresse alterações físicas e hormonais, o que acabou gerando a feminização de seu corpo e o tornando impotente. Além disso, causou a formação de tecido mamário, cumprindo, no sentido literal, a previsão de Turing de que “sem dúvida emergirei de tudo um homem diferente, mas que ainda não descobri”.

Após dois anos nesse tratamento, Alan Turing foi encontrado morto em sua residência. A causa da morte foi estabelecida como intoxicação por cianeto e teria sido um suicídio. No entanto, alguns estudiosos e historiadores acreditam que todo esse tratamento hormonal acabou levando o matemático à morte. E mesmo morto, boa parte do seu trabalho continuou por anos em segredo.

Apesar da lei da ‘indecência’ ter sido extinta em 1967, Turing só recebeu um pedido de desculpas póstumo em 2009, do então primeiro-ministro Gordon Brown, após uma petição online feita pelo programador britânico John Graham-Cumming. Ainda assim, ele só recebeu o ‘perdão’ real póstumo em 2013. Em setembro de 2016 o governo britânico anunciou a intenção de expandir essa exoneração retroativa para outros homens condenados por crimes semelhantes de indecência histórica, no que foi descrito como “Lei Alan Turing”.

Em 1967, os ‘atos homossexuais’ se tornaram legais na Inglaterra. Em 2005 o país tentou fugir do estigma do passado aprovando a União Civil entre duas pessoas do mesmo sexo, enquanto o casamento foi aprovado em 2013. O país também permite adoção por casais do mesmo sexo, além de homossexuais assumidos poderem entrar nas forças armadas. A Inglaterra também pune as discriminações contra os LGBTs. Em 25 de março de 2021, foi aprovado que o rosto de Alan Turing estampe a nota de 50 libras, junto de uma citação do pai da Ciência da Computação, que só recebeu as merecidas homenagens depois de tantos anos do falecimento, mesmo tendo salvado tantas vidas e contribuindo imensamente para a Ciência.


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