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16/04/2021 às 20h16min - Atualizada em 16/04/2021 às 18h34min

Resenha do livro “Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais”, de Jaron Lanier

As redes sociais estão minando nosso livre-arbítrio

Júlia Mei - Editado por: Celine Almeida

"Precisamos te dar uma pequena dose de dopamina de vez em quando, porque alguém comentou em uma foto (...) Isso é um circuito de feedback de validação pessoal porque explora uma vulnerabilidade da psicologia humana. Eu, Mark Zuckerberg e Kevin Systron, do Instagram, tínhamos consciência disso e fizemos mesmo assim. Só Deus sabe o que as redes sociais estão fazendo com os cérebros dos nossos filhos”. Esta é uma fala de Sean Parker, o primeiro presidente do Facebook, citada no livro “Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais”.

O livro, escrito por Jaron Lanier, cientista de computação estadunidense e um dos precursores da realidade virtual, foi publicado no Brasil pela editora Intrínseca e cada capítulo apresenta um dos dez argumentos.

O título ironicamente soa como um clickbait – uma chamada sensacionalista, comumente exagerada, pensada para que o usuário clique no link - , prática comum e nociva nas redes, fundamental para a manutenção das fake news. Apesar disso, a obra, de fato, entrega dez argumentos muito convincentes para repensar o impacto das redes sociais em nossas vidas e duvidar de quão autônomos e independentes realmente somos. Do título ao fim do livro, as ironias e comentários ácidos não param e fazem questionar a maneira como usamos as redes.

Apesar de dividido em dez argumentos, duas ideias perpassam todo o livro: a de que grandes empresas como Facebook (que controla ainda o Instagram e o WhatsApp) e Google (dona do Gmail e YouTube), que não cobram nada por seus serviços, têm um funcionamento que muda nosso comportamento para pior e a ideia de que se você usa uma rede social de graça, pode ter certeza de que o produto à venda são seus dados para os anunciantes.

O primeiro argumento apresentado por Lenier é a perda do livre-arbítrio. Um post bem engajado no Facebook e uma foto muito curtida no Instagram geram uma recompensa sutil que você recebe dentro do cérebro, a dopamina. A liberação desse neurotransmissor está diretamente ligada a sensações de prazer e satisfação. As redes sociais sabem estimular a liberação de dopamina para te manter viciado nelas, desse modo, nos tornamos escravos da validação social e das pequenas doses desse neurotransmissor, publicando versões editadas das próprias vidas.

Mas o problema é bem mais profundo, como ratos em laboratórios, somos parte de um experimento no qual empresas, partidos políticos ou difusores de notícias falsas, através do registro de nossas ações em redes, aproveitam momentos mais suscetíveis para nos enviar suas mensagens a fim de nos vender uma ideia, uma mentira, um produto, e assim pautar nosso comportamento financeiro, ideológico ou eleitoral.

Para sentir o peso das redes sociais sobre nossa saúde política e democrática, basta se lembrar da penúltima eleição americana e da última brasileira, o que mostra o caráter potencialmente destrutivo criado pelo ambiente das redes.

Essas grandes empresas donas das redes sociais são chamadas por Lanier de Bummers, iniciais em inglês para “Comportamentos de Usuários Modificados e Transformados em um Império para Alugar”. A forma como essa máquina opera são os algoritmos que estudam nossas ações por meios estatísticos e, num segundo momento, alteram nosso comportamento para gerar lucro. No fim, acaba sendo impossível saber se os produtos que compramos, os conteúdos que consumimos e até os pensamentos que temos são escolhas nossas ou se são resultado das induções comportamentais proporcionadas pelas redes sociais.

Essas plataformas entregam conteúdos diferentes para pessoas diferentes, todo conteúdo é amplamente customizado com o objetivo de garantir que todos fiquem dentro de uma bolha confortável, onde suas crenças e visões de mundo jamais são confrontadas. Isso tira de um indivíduo a capacidade de se colocar no lugar do outro, privando a sociedade da habilidade de ter empatia.

O argumento que diz que "as redes sociais estão tornando você um babaca” explica que, em um ambiente onde tudo é falso, você tende a se afastar da própria verdade, correndo o risco de dizer e fazer coisas com as quais muitas vezes nem concorda só para se apresentar na internet como alguém diferente de quem você realmente é. Esse desejo por validação também é parte do que tem destruído a verdade. Em meio a tantas versões falsas e editadas dos fatos acaba ficando muito difícil discernir entre o que é realidade e o que é mentira. Talvez por isso a democratização e o espaço para denúncia – que efetivamente também existem na internet e nas redes – parecem estar perdendo a disputa para as coisas negativas também provenientes das redes e que favorecem os poderosos, os preconceitos, e os intolerantes.

Todos os problemas gerados pelas redes sociais apontados por Lenier tem uma única origem, o modelo de negócios das empresas dessas redes, que é o de plataformas gratuitas financiadas por anúncios. O que começou como publicidade se transformou, através do desenvolvimento tecnológico, em uma máquina de modificação de comportamento.

Como a ideia de fazer com que toda a população delete suas redes sociais parece absurdamente utópica, o livro pode ser visto como uma série de apontamentos, onde as redes precisam mudar para deixar de serem vistas somente como empresas privadas ambicionando o lucro irrestrito, para passar a serem vistas como canais de mídia, que precisam seguir premissas éticas e de responsabilidade.

A solução sugerida por Lanier seria que pagássemos para utilizar as redes. “Às vezes, quando você paga pelas coisas, elas ficam melhores. Isso significaria encontrar conselhos médicos de verdade ao invés de pegadinhas e se você quisesse informações factuais, não precisaria ver teorias da conspiração loucas. Eu sonho com isso e tenho certeza de que é possível”, diz o autor.

 

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