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01/05/2021 às 21h39min - Atualizada em 01/05/2021 às 21h26min

A BIA do Bradesco x as milhões de 'Bias'

"Levanto a minha voz, não para que eu possa gritar, mas para que aqueles sem voz possam ser ouvidos" - Malala Yousafzai

Brenda Freire - Editado por Andrieli Torres
Fonte/reprodução: Propmark
Mulher. Seja qual for o seu estereótipo, o lugar onde vive, a idade e a religião que tenha, já nascerá com um 'curso preparatório' de como não ser alvo de comentários ou atitudes indesejadas exercidas por homens. Quando nós crescemos, o olhar sobre o mundo, muda. O processo de amadurecimento, por vezes é necessário ser acelerado, porque as situações ao nosso redor exigem isso. A gente se prepara para o que poderá acontecer, mas nem sempre 'dá tempo'. Ou simplesmente não esperamos que esse algo aconteça. Afinal, o assédio não tem lugar e nem hora marcada: no presencial ou à distância, em casa ou na escola, esperando na fila de atendimento, em pé ou sentada no vagão do metrô, numa corrida matinal ou trabalhando. Em qualquer situação tida como natural, estamos vulneráveis ao desconforto e a violência, seja na rua ou na internet.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), 97% das mulheres brasileiras sofreram assédio em trasportes públicos ou privados. Uma dessas mulheres é Simone dos Santos, técnica de enfermagem de 34 anos. Em entrevista ao G1, ela relata que estava dentro de um ônibus vazio, mas um idoso de 70 anos entrou e sentou ao lado dela. "[...] ele tinha o jornal em mãos e, por baixo, tocou nas minhas partes íntimas. Foi quando eu percebi e perguntei se ele não tinha vergonha do que estava fazendo", afirmou. Simone se sentiu impotente e enraivada, mas apesar de tudo, conseguiu denunciar antes que o assediador fugisse do transporte público. Para ela, é preciso delatar e não deixar esses atos impunes: "eles [homens] têm que aprender a respeitar", disse.

Ainda referente aos dados da Unesco, 73% das mulheres no mundo já foram vítimas de algum assédio online e 55% afirmam ter passado por estresse, ansiedade ou ataques de pânico após terem sofrido abuso ou assédio na rede virtual. A exemplo disso, temos a atriz global de 16 anos, Mel Maia que recebeu esta mensagem de um seguidor no Instagram: "Essa sua língua deve fazer mágica.", o rapaz era casado e a garota encaminhou o acontecido para a esposa dele.

O ideal, também seria denunciar, mas nesses casos não é possível formalizar o ocorrido, pois a legislação em vigência não prevê assédio virtual como crime, mas como injúria. Segundo a doutora e professora do Mackenzie São Paulo, Patrícia Vanzolini no site Uol, "não tem uma tipificação nos crimes sexuais, mas qualquer ofensa à honra, tenha ou não caráter sexual, classifica como crime contra a honra.", diz.

A questão, é que, torna-se mais complexo de prestar queixa contra esse ato, porque além de ser considerado crime leve, a vítima precisará arcar com os custos do processo e da contratação de um advogado, já que o Ministério Público não entra em ação. Pensando diante dessa perspectiva, imagine que diversas mulheres têm suas vozes silenciadas não apenas por medo, mas por não terem o apoio necessário do governo, da empresa em que trabalha ou da instituição em que estuda.

Quantas delas são forçadas a não responder ou serem passivas aos comentários e atitudes abusivas, as quais, mesmo sendo feridas no contexto ético e de integridade física e emocional, calam-se pela tensão de perder seu cargo ou não conseguirem uma nova oportunidade de estudo. E quando trabalham com a voz, quantas são as mulheres contidas pelo seu chefe ou pelo cliente que insiste em dizer o quão sexy é a voz delas? Se mulheres reais vivenciam isso, até as representações de vozes femininas no mundo cibernético, as quais também nos prestam serviços, se tornaram mais um alvo de ofensas e exposição da sexualização.

As assistentes virtuais ou inteligência artificial (IA) tem em comum o mesmo: a voz feminina. Elas foram criadas para solucionar problemas ou responder dúvidas sobre o banco, a loja ou pra nos ajudar em casa. No entanto, estão recebendo mensagens com conotação sexual, mesmo sendo robôs! A BIA (IA do Bradesco), divulgou algumas delas na página do Banco: "Bia, faça sexo comigo"; "Bia, posso te estuprar?".

Essas e outras mensagens ganharam uma repercussão imensa, já que a campanha #Aliadospelorespeito não foi bem recebida pelo público. Apesar da grande visibilidade, o vídeo publicitário divulgado, continha frases como: "Bia, sua imbecil" e "Bia, manda foto de agora". A IA, agora responde de maneira ativa e não subserviente, com embasamento em leis e na defesa da mulher. O que antes era "não entendi, poderia repetir?", agora tem mais precisão: "para você pode ser uma brincadeira. Para mim, foi violento”. Os internautas não aceitaram a proposta de trazer uma personagem virtual para uma pauta tão necessária, diante da análise por trás de mulheres reais que de fato, deveriam ser contempladas e ouvidas. Majoritariamente, as respostas sobre a campanha eram de homens, os quais criaram o termo “robôfobia”, e afirmaram que dessa vez o Bradesco "militou errado”.

Em contrapartida, mulheres também se mostraram contrárias à mensagem passada pelo Banco, alertando que talvez fosse mais coerente abrir espaço para as atendentes reais de telemarketing, as quais são constantemente assediadas e silenciam-se por receio de serem demitidas. Talvez, a iniciativa do Bradesco foi mal exercida, mas é preciso entender que o ato de dar a voz a elas, às mulheres de verdade, à 'Bia' que é sua amiga, irmã, filha, colega de trabalho, é muito mais que configurar um problema para uma assistente virtual, mas às verdadeiras milhões de 'Bias'.

A questão preocupante não é apenas a IA em si, pois além de preocupante no espaço virtual, isso tem probabilidade de recair em contextos onde esses mesmos homens poderão agir assim com uma mulher. Não é sobre atribuir um problema totalmente à uma computação, mas às diversas pessoas. E como diz a ativista e vencedora do Prêmio Nobel da Paz, Malala Yousafzai, "levanto a minha voz, não para que eu possa gritar, mas para que aqueles sem voz possam ser ouvidos..." Nós precisamos ser ouvidas. Nós precisamos falar.

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