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21/05/2021 às 05h28min - Atualizada em 21/05/2021 às 05h12min

A importância do dia 17 de maio

Porque esse é um dia de luta e representatividade para milhares de pessoas LGBTQIA+, não de celebração

Sara Moreira - Editado por Brenda Freire
Protesto em 2018, na Avenida Paulista, em honra do cabeleireiro Plínio Henrique, morto vítima de LGBTfobia (Foto: Cris Faga/NurPhoto/AFP)
No último dia 17, segunda-feira, foi celebrado o Dia Internacional contra a Homofobia. Essa data foi escolhida por remeter ao dia em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) excluiu o termo ‘homossexualismo’ -pois o sufixo “ismo” na medicina faz referência a doença- da classificação internacional de doenças, em 1990. Antes da modificação, a ‘homossexualidade’ (onde o sufixo “dade” significa comportamento) estava no mesmo nível de transtornos como a pedofilia.
 
A mudança de nomenclatura promovida pela OMS simboliza um marco de extrema importância, já que, de certa forma iguala a questão no mundo. Em 1985, o Conselho Federal de Medicina adotou também a medida após ser pressionado por ativistas do Grupo Gay da Bahia, por meio de um abaixo-assinado que trazia assinatura de diversos artistas, entre eles Caetano Veloso e Gilberto Gil. Na última edição do catálogo de classificação de doenças da Organização Mundial da Saúde, em 2019 pessoas transgênero não são mais tratadas como se tivessem um distúrbio.

 

“Ouvi dos meus vizinhos da vila onde eu morava com meu marido que o local não era lugar de gay. Fomos espancados por cerca de 20 pessoas durante uma festa. Não fomos mortos porque algumas senhoras que estavam no local impediram o pior, pedindo para eles pararem”. Relata Eduardo Michels, homossexual de 62 anos e pesquisador do Grupo Gay da Bahia, para o Projeto Colabora.

Essa movimentação não impede que por anos consecutivos o Brasil seja classificado como o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo. Em 2020 o Brasil registrou 175 assassinatos de transexuais, o que equivale a uma morte a cada 2 dias, segundo o relatório anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra). Todas as vítimas eram mulheres trans e travestis, em sua maioria negras, pobres que trabalhavam como prostitutas na rua. Foi o recorde para o gênero desde que a organização começou a divulgar o levantamento de dados em 2018. A maior parte dos crimes foram reportados nas regiões Sudeste e Nordeste; São Paulo e Ceará lideram  o número de assassinatos.
 
Apesar de ser o país que mata transgêneros, o Brasil é líder também entre os países mais consome pornografia dessa categoria. Existem 89% de chances de encontrar conteúdo pornográfico com essas pessoas quando se está no nosso país, segundo dados levantados pela ONG Transgender Europe. Além disso, o termo estrangeiro usado em sites pornôs para buscar vídeos de pessoas trans, se encontra como o quarto tópico mais visitado no país, enquanto no ranking mundial, essa mesma pesquisa ocupa o nono lugar.

 

“Fui presa dezenas de vezes na época da prostituição e da Ditadura. Só não apanhei mais porque eu era branca. Policiais me tiravam da cela de madrugada para ter relação sexual, enquanto batiam em uma travesti negra só pelo prazer”. Afirma Anyky Lima, mulher trans de 63 anos e militante pelos direitos LGBT+ ao portal Projeto Colabora.

Existem cerca de 69 países que criminalizam relações entre pessoas do mesmo sexo, onde homossexuais podem ser presos ou até condenados à morte, segundo o relatório publicado em dezembro do ano passado pela International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association. Por outro lado, temos cenários que apresentam resultados positivos quando se trata de direitos, como a união civil e a adoção de crianças. Com isso novas perspectivas nascem para esses casais e famílias.

No Brasil, decisões judiciais recentes geraram também maior representatividade e direitos. O primeiro projeto de lei sobre LGBTfobia, foi apresentado ao Congresso em 2001 como PL 5003/01 e tinha como objetivo determinar “sanções às práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas”. Em 2006, esse projeto acabou se transformando no PLC 122/2006, apresentado pela então deputada Iara Bernardi. Ele visava alterar a “Lei do Racismo” (Lei 7716/89) incluindo nela a discriminação por “gênero”, “sexo”, “orientação sexual” e “identidade de gênero”. Somente em 2019 o STF enquadrou a homofobia e a transfobia na lei de crimes de racismo até que o Congresso crie legislação própria sobre o tema.

 

“Estava saindo de uma festa na Lapa, no Rio, e quebraram uma vassoura na minha cabeça. Eu só ouvi o “morre viado” enquanto eu estava tonto no chão. Não faço ideia de onde veio”. Relata ao Projeto Colabora, Maximiliano Cruz Faria, homossexual e drag queen de 23 anos.

Nos dados desta pesquisa entre os anos, de 2008 com 58 mortes a 2020 com 175 mortes, houve um aumento de 201% nos assassinatos de pessoas trans no Brasil. Olhando apenas para 2020 vemos que ele fica com 43,5% acima da média de assassinatos, em números absolutos. Vale ressaltar que a média entre os anos (2008 a 2020) é de cerca 122 assassinatos por ano. Mesmo durante a pandemia, os casos tiveram aumento significativo de acordo com o publicado nos boletins bimestrais ao longo de 2020.

Para Bruna Benevides, pesquisadora da Antra e membro da Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública LGBT+, o problema para entender como o homicídio de pessoas transgêneros funciona no Brasil, é que ele deriva de muitos fatores. “Inclusive a gente tem chamado de epidemia constante o que a população trans vive, principalmente a população trans, negra, periférica e as trabalhadoras sexuais negras que são esse perfil das principais vítimas dessa violência”, aponta.

No Brasil a expectativa de vida de uma pessoa trans é de apenas 35 anos, segundo os dados da ONG Transgender Europe (TGEU). A saída para esse cenário macabro é a implementação de políticas públicas idealizadas de pessoas LGBTQIA+ para pessoas LGBTQIA+. A nossa vivência fala mais alto na hora de elaborar um projeto de lei, só quem vive na pele entende nossas necessidades e anseios. É preciso eleger mais pessoas da nossa comunidade e dar voz a todos eles para que só assim, possamos trilhar um caminho diferente do que estamos seguindo atualmente, que está manchado de sangue.
 

 

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