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28/05/2021 às 09h27min - Atualizada em 28/05/2021 às 09h04min

Mesma leitura, leitor distinto

Como o amadurecimento transforma o significado e lugar de uma leitura para seu leitor

Hellen Almeida - Editado por Talyta Brito
Reprodução: Pinterest

Um simples fio de tricô de nossa avó que em meses evolui para um agasalho no inverno, assim é cada indivíduo ao se tratar do amadurecimento: com o passar dos anos as percepções sobre o mundo e si mesmo mudam e isso reflete em nossa leitura. 

A cada momento da vida ou idade tende-se quesitos distintos para o que te atrai em uma leitura, pode ter lido uma obra aos 12 e até hoje (talvez com 20 ou mais), nunca mais ter folheado aquelas páginas - hoje já amareladas-, mas ele continua sendo seu favorito. Contudo, se você lesse ele agora: pensa que o amaria da mesma forma?

Primeiro contato
 

Afinal, possivelmente até os atributos estéticos de um livro que te atrai modificaram, assim como a fase em que a vida se encontra. Acerca desse aspecto Camila Mascarenhas, estudante de jornalismo e amante da literatura que leu a mesma obra aos 13 e novamente aos 20, diz:

“A obra infanto juvenil me chamou a atenção logo de cara, porque a capa é cor de rosa e com elementos que remetem a adolescência. Afirma.

A possibilidade de se conectar com o personagem, sentir que é seu melhor amigo, o único que compreende o que se passa em sua mente, confidente e inspiração para lidar com os impasses diários é algo comum até hoje, mas ainda mais valorizado quando se é mais jovem:

“Ao ler o livro pude experimentar todas as sensações que uma adolescente poderia sentir de amor, raiva, tristeza, e ainda me vi na protagonista. Tudo ali estava muito conectado com a minha realidade” continua.

Certamente uma sensação encantadora, mas será que continuaria a mesma com uma releitura após os anos? 

A obra não mudou, mas o leitor sim.

Este é o maior medo que rodeia essa temática: transferir aquela memória das sensações de uma leitura que te compreendia em meio a um dia chuvoso onde o nublado do céu compreendia sua tristeza interior para algo de distinto significado.

Essa metamorfose não se encontra apenas no leitor, mas sim na sociedade que o cerca: ideologias mudam, conceitos antes considerados comuns entram em debate quanto ao seu valor. Se graças à tecnologia isso ocorre diariamente, imagine em uma década?
 

Marcella Lemos, estudante de Jornalismo, passou por esta experiência ao reler uma obra que era amada aos 9 anos e compartilha: 

“Eu reparava muito mais na parte do romance do que nos debates sobre machismo e essas coisas, suponho que por conta da falta de diálogo da época sobre isso, visto que li esse livro em 2010” 

E com isso, seria muito fácil se aborrecer, jogar o livro na parede e se questionar “Como pude amar algo tão antiquado?!”, mas não ser tão severo consigo mesmo e compreender o quadro geral daquela época pode ajudar:

A história foi escrita em um tempo diferente, e eu era uma pré-adolescente, então a mudança está em mim. O livro não é ruim por conta disso ele só ficou antiquado [...] negativo seria a minha opinião permanecer a mesma que daquela época” conclui a leitora.

Mas claro, todos estão sujeitos  a ao menos afirmar: “Já não é tão bom quanto eu me lembrava” e ao fechar o livro, dar uma risada leve com essa afirmação em mente e até mesmo ter impaciência com impasses da obra, como diz Larissa Gomes, estudante de 20 anos.

“Nessa última releitura, perdi as contas de quantas vezes revirei os olhos com frases clichês no livro ou ao perceber algum acontecimento que poderia ter sido facilmente resolvido com uma conversa, muitas situações que se estenderam deixando a história maçante”, alega.

Porém, a percepção nem sempre é negativa, muita das vezes podemos aprender com elas, pensar “Como não vi essa lição?! Nossa, é profunda!”, como ocorreu com Fernando Azevêdo, graduando em jornalismo ao reler “O Pequeno Príncipe”:

“Hoje, percebo as reflexões bem fortes que o livro faz. Em um só dia de leitura, consigo ler, mas as reflexões ficarão por longos anos comigo ``, diz alegremente.

E agora: qual lugar ele ocupa em sua vida?
 

Essa decisão vai de cada indivíduo decidir o lugar daquele queridinho em suas vidas: uma lembrança de uma determinada fase? Novos ensinamentos? Sinônimo de amadurecimento? Por qual razão não tudo isso e um pouco mais?

Ter em mente que essa prática tem apenas a agregar, e que possivelmente ocorrerá novamente daqui a um tempo com a mesma leitura não mostra que está se tornando um adulto frio, que perdeu sua inocência e bondade, apenas que amadureceu e quanto maior é nosso amadurecimento, mais nossa essência se apresenta ao mundo. Como conclui Fernando, Marcella e Larissa respectivamente:

“A forma que eu lido com a leitura realmente mudou ao longo dos anos e naturalmente, a forma que eu enxergo o mundo tem muito de mim e do outro”.

“Acredito que toda vez que eu leio uma história aprendo coisas novas com ela, então sempre terei percepções novas sobre uma releitura”

“Tive contato com obras e escritas diferentes que mudaram minha forma de ver o mundo. Fora que as minhas experiências pessoais acabaram influenciando muito esse processo”

Gostos mudam, características são acrescentadas, outras retiradas e assim nosso “agasalho de tricô” vai sendo formado. Qual será o resultado? Impossível saber, mas não é essa a graça da vida? E pensar que tudo isso veio da decisão de folhear novamente páginas amadas.


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