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28/05/2021 às 15h39min - Atualizada em 28/05/2021 às 15h30min

Made in Nordeste: Cinema nordestino transcende fronteiras e ganha espaço em festivais

Produções de cineastas regionais driblam a crise no audiovisual brasileiro, rodam o mundo e são aclamadas pela crítica e público

Lucas Lima - Revisado por Isabela dos Santos
Reprodução: Estação Nerd

As produções cinematográficas do nordeste quebraram o monopólio do eixo RJ-SP nos últimos anos e conquistaram espaço no coração do público e em festivais de cinema. Obras como ‘Bacurau’, ‘A vida invisível’, ‘Divino Amor’, ‘Aquarius’ e ‘Estou Me Guardando para Quando o Carnaval Chegar’ são exemplos da recente consolidação do cinema nordestino por excelência, com filmes de reconhecimento internacional.

 

Os longas-metragens mais bem-sucedidos do Brasil estiveram por muito tempo restritos à bolha sudestina. Produções como 'Cidade de Deus’ (2002) e 'Tropa de Elite’ (2007), exportavam uma ideia limitada de país com cenários que transitam entre favelas e zona sul do Rio de Janeiro, ignorando as diversidades regionais de um Brasil de extensão continental. 

 

Ao lançar um olhar reflexivo aos últimos 15 anos, percebe-se que o cinema brasileiro de vanguarda, que vem ganhando prêmios e destaque em festivais, são as produções nordestinas. O cinema regionalista foi por muito tempo visto como símbolo de resistência, que sempre esteve às margens. Devido a falta de recursos e possibilidade de produção, cineastas regionais estiveram sempre passos atrás em relação ao Rio e São Paulo.

 

Em levantamento realizado pelo ‘El País’ com vários cineastas do nordeste, foi apontado que o barateamento dos equipamentos, a partir dos anos 2000, e a revolução digital possibilitou descentralizar os recursos do eixo sudeste e democratizar a produção audiovisual. Esse impulso foi iniciado com o pioneirismo de Pernambuco. Com vasta quantidade de cenários, equipamento de pós-produção e uma geração de diretores, o estado se tornou referência no cinema independente no país. Através de incentivos governamentais, como Sistema de Incentivo à Cultura (SIC), criado pela Prefeitura de Recife em 2012, e o projeto estadual Funcultura Audiovisual, de 2007, foi possível a consolidação pernambucana no cinema. 

 

Lar de grandes diretores como Gabriel Mascaro, Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, Recife se tornou a ‘grande Meca’ do cinema brasileiro, exportando filmes consagrados. Dentre eles, o aclamado Bacurau, selecionado para o festival de Roterdã, foi a chave de ouro do cinema nordestino em 2019. O suspense, além de receber inúmeras premiações, entrou para a corrida de indicação no Oscar e também ganhou o gosto popular do brasileiro, atraindo olhares para demais produções regionalistas. 

 

A Vida Invisível do diretor Karim Aïnouz, premiado no festival de Cannes, é outro exemplo de produção ‘made in Nordeste’ prestigiado pela crítica. O diretor cearense afirma em entrevista cedida ao ‘El País’ que é ‘‘um momento simbólico para mostrar ao público o quanto o cinema nordestino produz, e o quanto produzimos com qualidade’’. Ele ainda aponta que o sucesso do seu longa se trata de uma “coincidência irônica”, já que o governo de Jair Bolsonaro tem diminuído orçamentos para projetos culturais e já fez ameaças sobre fechar a Agência Nacional de Cinema (Ancine).

 

A crise no audiovisual brasileiro

Desde do início da gestão Bolsonaro em 2019, o cinema brasilerio tem passado por momentos conturbados. Críticas às obras e políticas públicas para a cultura sempre estiveram no radar do presidente. Suas ameaças fazem parte da guerra cultural conservadora que se tornou chave na sua comunicação e que teve seus primórdios ainda durante a campanha eleitoral de 2018. 

 

A lei Rouanet foi o primeiro alvo de ataque do presidente que reduziu seu teto de captação de 60 milhões para 1 milhão ainda no início do seu mandato. Em seguida, a segunda ofensiva foi no Ministério da Cultura, que sob a justificativa de pressões fiscais, foi rebaixado ao status de Secretaria na direção do Ministério da Cidadania, depois ao do Turismo, e interrompeu o fornecimento de verbas e a continuidade de políticas públicas sem maiores justificativas técnicas.

 

O presidente chegou ao poder capitalizando as inquietações do eleitorado com uma suposta hegemonia cultural aparelhada ao Estado e dedica sua retórica de confronto à produção cultural. Um dos diretor de Bacurau, Kléber Mendonça, chegou a comentar em seu Twitter que ao mesmo tempo em que quatros filmes brasileiros eram selecionados no festival de Sundance, Roterdã, Berlim e Cannes, em 2019, Bolsonaro arquitetou seu plano de acabar com a agência brasileira de cinema. '' Qual é o projeto do Governo para o audiovisual?’’, questiona.

"From" Nordeste para o mundo

Apesar do contraste na política brasileira do posicionamento em relação à cultura, o ano de 2019 foi certamente o auge do cinema regionalista. Além dos consagrados Bacurau e A Vida Invisível, filmes como Divino Amor foi destaque em premiações internacionais no ano. O drama futurista de Gabriel Mascaro que envolve paixão e religião saiu de terras nordestinas e rodou o mundo em Sundance e no Festival de Berlim. Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar do pernambucano Marcelo Gomes seguiu o mesmo trajeto e ganhou reconhecimento em Roterdã. 

Todos possuem um elemento em comum: as obras premiadas são frutos produzidos no Nordeste ou por realizadores nordestinos. Esses resultados são consequências de políticas de incentivo à cultura de esferas estaduais, promovidas especialmente pelos estados de Pernambuco e Ceará. O programa Ceará Filmes, criado pelo Governo do Estado em parceria com a Ancine, oferece editais de apoio nas áreas de produção, distribuição, exibição, preservação e formação para cineastas. Sobre essas manifestações de incentivo, Kléber Mendonça defende que "Vivemos um momento muito feliz que precisa ser continuado e estimulado com completa liberdade de criação e iniciativa".


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