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28/05/2021 às 16h15min - Atualizada em 28/05/2021 às 15h58min

Tingimento natural: descubra como funciona, quem faz e quem compra

A técnica ancestral que a Revolução Industrial não conseguiu apagar

Danielle Barros - Editado por Clara Molter Bertolot
Reprodução/Unplash
O tingimento natural não é um método novo. Usar o que a natureza disponibilizava, por meio de plantas e frutos, por muito tempo foi o modo de colorir tecidos. Isso durou até a Revolução Industrial, no século XVIII. Com o advento das novas tecnologias à época, a moda usufruiu de inovações, como maquinários para produção de vestuário em larga escala. O que era feito de forma artesanal foi perdendo aos poucos espaço para o artificial. Vale ressaltar que a Era Industrial impactou em toda a cadeia de vestuário, inclusive no comportamento do consumidor.

Apesar das inovações surgidas com a Revolução Industrial, a substituição em boa parte da fabricação do vestuário, por dentro de de técnicas industriais, trouxe danos à natureza: poluição, contaminação de lençóis freáticos e desperdício de água são alguns dos impactos causados pela indústria da moda. Na pós-modernidade, o diálogo na moda está mais aberto para o desenvolvimento de medidas sustentáveis que reduzam esses impactos negativos. Outra forma de lidar com a situação é o resgate das técnicas tradicionais e formas de fazer moda diferente, como brechós e produtos veganos. A técnica da tintura artesanal - ou natural -, retorna aos poucos, por intervenção de alguns designers e artistas.

Iara Sander, artista empreendedora, formada em Moda, utiliza a técnica da tintura artesanal. Ela conta que a origem do seu trabalho com o tingimento natural veio da sua experiência na faculdade: “O tingimento nasceu de uma necessidade em colorir o algodão orgânico, até então cru, para aplicar nas peças do meu trabalho de conclusão do curso de moda. Posteriormente eu busquei aprender de fato, com técnica e receitas, buscando quem já trabalhava com estas alquimias. E me apaixonei", conta a artista.

Sander possui um ateliê conectado à linguagem da sua marca: em meio a natureza, em um sítio na cidade de Igrejinha, no Rio Grande do Sul. É lá que ela desenvolve suas cores, impressões botânicas e oferece oficinas de tingimento e costura.

 

Para Thanina Phascoalin, estilista e tingindeira natural, o início não foi muito diferente de Iara. Foi em 2014, na faculdade, que surgiu o interesse pelo método: “Sou formada em moda pela Universidad de Palermo, Argentina, onde minhas pesquisas e projetos sempre foram direcionados às tecnologias ancestrais, manualidades e direcionava meu trabalho de criação a práticas que valorizam o respeito à natureza”, explica Phascoalin.

Sua marca, a Tanina, surgiu em 2017. A estilista quis apostar em roupas versáteis e revela que enxerga além de uma peça de vestuário: “Sabendo que nossa pele absorve até 60% do que a gente coloca nela, utilizo dessa sabedoria para nutrir meu corpo com as propriedades medicinais das plantas, que ficam vivas nos tecidos. Por isso falo muito sobre roupa-medicina. Eu penso na roupa, mas também penso no corpo que veste, neste corpo que pensa, que dança, que transpira, que precisa estar confortável”, descreve Thanina.

Para o desenvolvimento de produtos com tingimento natural, o processo pode demorar para ficar pronto, e ao final, nenhuma criação sai igual a outra. Vários materiais são usados: folhas, cascas, flores, sementes e frutas. O resultado também dependerá de fatores como: região, temperatura e diversidade de elementos.

“Minhas peças precisam de tempo, o tingimento natural precisa de tempo. Para tingir uma peça, preciso de pelo menos 4 dias de diálogo com os materiais. Em algumas técnicas preciso de 10 dias para conhecer o resultado. Existe muito tempo nessa espera. Produzo sempre em pequenas quantidades, isso quer dizer que poucas pessoas terão essas peças”, explica Thanina.
 

Como funciona
Além das diferentes opções de materiais dos quais podem ser extraídos os corantes naturais, há também uma variação de métodos, como elucida Iara: “Eu utilizo a técnica de tingimento a quente, uso somente materiais locais e busquei variar com a impressão botânica, que tem se tornado uma grande característica do meu trabalho, e pela qual eu tenho um amor imenso. As cores são criadas de acordo com a demanda (de clientes), ou conforme a natureza se expressa, sem engessar uma paleta”, diz a artistaA impressão botânica é considerada uma forma de estampar um tecido, usando plantas, pressionando-as no local escolhido sob efeito do calor. A ideia é criar formas orgânicas, sem padrões, tornando o produto único.

Thanina também se utiliza de diferentes técnicas: “Como pesquisadora ávida de técnicas ancestrais, e idealizadora da Tanina, passei a utilizar, em minhas coleções, técnicas como estamparia botânica, ferrugem, Shibori, estamparia com mordentes, estamparia com soja, serigrafia ecológica, pintura à mão, entre outras, e a realizar oficinas práticas, com aporte teórico, por vários lugares do Brasil, difundindo esse trabalho sustentável em tingimento de tecido”, afirma a estilista.
 


Quem pode comprar?
Uma das questões da produção em massa de produtos gira em torno do preço. A premissa se tornou "pagar barato e consumir mais". Com isso, os produtos sustentáveis são taxados como caros demais para serem adquiridos por todos. 

Para Iara, o produto pode ser considerado caro por um motivo: "Demanda tempo maior de produção, e quando se calcula uma peça pelo tempo que exige para ser produzido, estamos acrescendo o custo final da peça tingida". Mas, por uma outra perspectiva, se o objetivo é consumir menos, escolher qualidade ao invés de quantidade, pode fazer a diferença: "Ou seja, menos é mais. E esta é uma discussão da qual gosto de falar, pois elitizar nunca foi um plano, e democratizar sempre foi o objetivo”, explica a empreendedora.
 

Thanina reforça a importância sobre todos poderem ter acesso às roupas com menos corante sintéticos: “O tingimento natural se tornou algo muito inacessível né, da elite. E é muito importante saber que ele nunca pertenceu à elite. Ele sempre pertenceu à simplicidade, aos povos indígenas, quilombolas... E ele tem que ser mais valorizado ali. É um grande sonho fazer com que o tingimento natural seja mais acessível às pessoas. Existe tanta matéria-prima tintória por nosso território. É importante estar atenta!”, finaliza Thanina.
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