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04/06/2021 às 09h24min - Atualizada em 04/06/2021 às 08h43min

O luto não se restringe a morte de uma pessoa amada

Muitos entendem o luto como um sentimento exclusivo do óbito de uma pessoa querida, mas na realidade ele está mais presente em nossos dias do que pensamos

Hellen Almeida - Editado por Brenda Freire
Foto: Reprodução/Freepick
 
Sabem, o luto sempre foi sinônimo de tabu na sociedade, algo muito doloroso para ser abordado e essa é uma verdade. Mas o isolamento social me fez notar que muito se fala sobre o luto tradicional: a morte de uma pessoa querida.

Todavia, se engana quem pensa que esta é a única forma de luto“como assim?” você me pergunta. Bem, a verdade é que vivenciamos o luto mais do que imaginamos em nossa vida, esse sentimento tem diversas “camadas”, falarei um pouco sobre a minha experiência com algumas.

Mas antes, deixe que eu me apresente: prazer, sou Katherina Simas, estudante de jornalismo que em meio a essa quarentena, tem vivenciado várias formas de luto.



 
E foi esta segunda característica que desencadeou toda essa reflexão em mim, precisamente falando ao início do segundo ano de isolamento (ele fez todos pensarem sobre algo em certo ponto, não?) Irei explicar cada forma vivenciada, a conclusão? Fica por você.

     1. Perdi a mim mesma

Em um dia de faxina, já não aguentando mais olhar para às quatro paredes cinzas de meu quarto encontrei uma caixa enfeitada com purpurina e adesivos, mal me recordava de sua existência, mas abri-la foi como abrir a caixa de pandora. O que havia dentro?

Lembranças do meu ensino médio: cartas e conversas trocadas de forma confidencial entre amigos na escola, cartelas de adesivos negociadas (nunca dê seu maior adesivo!), e principalmente fotos.

Aquelas típicas fotos zoadas de escola, onde se recorda das péssimas escolhas que fez sobre mudanças capilares, risadas com amigos que já não se falam e nossa última foto: minha formatura, foi ela que desencadeou tudo.

Sei que deveria estar feliz e compartilhar essas lembranças, mas ao olhar aquela foto, notei meu sorriso largo, resultado de a meia hora atrás ao saber que havia sido aceita para cursar jornalismo (meu sonho).

Aquele sorriso me lembrou de como sou agora, ao encarar o espelho, não reconheci aquela menina sorridente e sonhadora. Não, era dela o lugar de uma jovem pálida pela falta de sol, olheiras profundas por passar noites em claro estudando, com marcas de expressão na testa, resultado de uma irritação e preocupação constante sobre meu futuro.



Graças a pandemia, a faculdade não tem sido como sempre sonhei, um colega de classe escreveu perfeitamente sobre essa sensação, deixarei o conteúdo dele aqui.

Com o choque do que vi refletido no espelho, sentei na cama e comecei a chorar ainda abraçada com aquela foto, desejando em meio as lágrimas de gosto salgado que eu voltasse a ser aquela sonhadora... O que eu fiz? Como mudei? Onde eu errei?” me perguntava constantemente.

Mas conforme o estoque de lágrimas cessou, lavei o rosto e percebi: eu mudei, amadureci, cresciNunca mais serei a mesma e de certa forma isso é triste, porém essa nova Katherina não é má, muito pelo contrário: ela é mais forte do que jamais imaginou ser.

Esse, meus amigos, é o primeiro luto: notar que perdeu quem um dia você foi e que nunca retornará. Às vezes queremos nos apegar às migalhas restantes, pois aquela versão era tão inocente em comparação a quem somos hoje, mas não é possível.


    2. Pessoas partem e não precisam morrer para isso


Com a mesma caixa me deparei com outra foto: eu com quem um dia foi meu amigo, tanto que o chamava de irmão. Entretanto, como é natural do ser humano, ele mudou, e percebi que já não fazíamos bem um para o outro, então o laço se desfez.

E foi de forma tão natural, simplesmente conversamos cada vez menos um com o outro, não havia mais motivo para tal. Lembrei com ternura de todos os momentos que compartilhamos: madrugadas em claro conversando pelo celular, lanches divididos, abraços apertados.





Dei um sorriso de canto com todas essas lembranças, sei que ele está bem agora e fico feliz por isso, até cheguei a pensar: “Devia enviar uma mensagem?”, mas não. Já tentamos reatar antes e tudo o que causamos um ao outro é mágoa.

Sempre acabamos com a mesma pergunta: “Onde está aquele Bernardo que eu conhecia?! Onde está aquela Katherina que era minha irmã?” E vamos embora em meio a lágrimas de aborrecimento.

Esta é outra forma de luto em vida: perder a presença de alguém que um dia te fez bem, mas hoje não mais. Você não deseja seu mal, muito pelo contrário, mas sabe que estão melhores sem o outro, apenas com as belas lembranças de um passado não tão distante.

Afinal de contas: o que é o luto?

Essa é a pergunta que pairou no ar do meu quarto cinza, onde me encontrei no chão rodeada pelas fotos e cartas agora levemente úmidas em decorrência da cascata de lágrimas que despejei. 

Não cheguei a uma conclusão propriamente dita, mas hoje posso dizer que compreendo que esse sentimento vai muito além do sofrimento pelo óbito de alguém amado. 

É um sentimento de perda: de quem um dia fui, de quem um dia foi essencial em minha vida, mas hoje causa mau, ou até mesmo a perda da esperança daquela conquista profissional que aspirava. 

Meu objetivo aqui não é te entristecer e pensar “O luto está por toda parte!”, é fazer com que perceba que é muito mais forte do que imagina, pois, assim como eu, você passa por esses “pequenos lutos”, mas segue.

Esse é um sentimento triste, mas que deve ser vivido em todas suas formas e, agora que sei que sua presença é mais recorrente do que imaginava, convivo melhor com ele.

E pensar que tudo isso começou com a abertura de uma caixa decorada com purpurina e boas lembranças.
  

 
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